quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Regimento do Capitão de Cacheu

 

Regimento do Capitão de Cacheu

 Eu El-Rei Faço saber a vós Balthasar Pereira de Castello-Branco, que ora envio por Capitão das povoações de Cacheu, Rio Grande, e de S. Domingos, e das mais da Conquista de Guiné, que são do districto das Ilhas de Cabo-Verde, que eu hei por bem que guardeis o Regimento seguinte – e isto além dos mais Regimentos e Ordens, que vos mandei dar.

I. Primeiramente, partireis deste porto de Lisboa em direitura ao de Cacheu, para onde vos mandei dar embarcação, sem irdes á Ilha de Santiago, aonde assiste o Governador Geral (…).

II. Tanto que chegardes ao dito porto de Cacheu, fareis ajuntar os moradores e povo da mesma povoação, e de algumas circumvisinhas, podendo ser com commodidade, e parecendo-vos que vos convirá; e de minha parte, e com as palavras que fio de vós que lhes sabereis bem dizer, lhes significareis, que, pelo que desejo que elles vivam e sejam governados em paz e justiça, e com segurança de seu commercio e fazenda, vos mando alli, com os cargos, que levaes, fazendo logo lêr, perante todos, a Patente e Provisões delles  – e assim fazer a Fortaleza, que ordeno; (…) .

III. E porque o principal intento com que vos envio, é para bem e augmento de nossa Santa Fé, e para que meus Vassallos, que n'aquellas partes vivem, e a ellas forem, sejam governados em paz e justiça, e que se guardem minhas Leis e prohibições, sobre o trato e commercio dos estrangeiros, o procurareis assim, tratando em primeiro lugar das cousas da Fé, favorecendo aos Ministros da Igreja, e que se occuparem na doutrina e ensino dos gentios, e que estes sejam bem tratados, e se lhes não façam vexações, (…)

IV. E porque convem a meu serviço fazer-se no mesmo logar de Cacheu uma Fortaleza para defensão delle e do commercio dos estrangeiros, vereis por vós, e com informação de pessoas praticas, o sitio que melhor se poderá fazer (…).

V. E entre tanto, desde logo fareis, com toda a diligencia, no mesmo sitio que escolherdes, um Forte, com o necessario á sua defensão, de páos a pique, e faxina, na melhor fórma que vos fôr possivel – e para as obras delle, procurareis que os moradores da terra vos ajudem com seus escravos, por sua vontade, pedindo-lh'o assim de minha parte (…).

VII. E porque tenho intendido que em algumas partes d'aquelle districto há pessoas que tem casas fortes, com artilheria, e particularmente um Sebastião Fernandes Cação, o que é muito contra o que convem a meu serviço, lh'o significareis assim de minha parte, e que haverei por servido se as desfazerem, e vos entregarem a artilheria, para estar no Forte que mando fazer, pagando-se-lhes pelo preço que valer (…).

VIII. E não querendo estas pessoas vir em desfazer as casas fortes, e entregar-vos a artelharia, pela dita maneira, nem o podendo vós acabar com elles, por termos suaves, lh'o mandareis notificar assim, com pena de perdimento de suas fazendas, e de serem havidos por levantados, e desleaes (…)

XIII. Avisar-me-heis das pessoas que andam feitos tamgomãos e dos que tem incorrido nessa culpa, e de suas qualidades, e que utilidade receberá meu serviço de elles se reduzirem, e virem povoar e viver na povoação, e se convirá, ou haverá algum inconveniente em se lhes perdoarem estas culpas,

e com que condições se lhes deve conceder perdão, e o beneficio que elles disso receberão, com tudo o mais que vos parecer.

XIV. E a mesma informação me enviareis, se será conveniente a meu serviço e Fazenda, e que utilidade, ou dons, receberá, e o bem commum, de fazer-se Villa o dito logar e povoação de Cacheu, e que pessoas são as que há, ou póde haver, para andarem na governança, apontando os damnos ou proveitos, que póde haver, por uma e outra parte.

(...)

Manoel Godinho o fez, em Lisboa, a 4 dias do mez de Abril de 1615.Christovão Soares a fez escrever. Rei.

JJAS, 1613 – 1619, pp.127-129.

Regimento do Ouvidor do Cacheu e Rios na Guiné

 

Regimento do Ouvidor do Cacheu e Rios na Guiné

Eu El-Rei faço saber a vós Balthasar Pedro de Castello Branco, que ora tenho encarregado do cargo de Capitão e Ouvidor  de Cacheu, nos Rios da Guiné, que eu hei por bem e me praz, que, em quanto servirdes o dito cargo, useis do Regimento seguinte, e isto alem dos poderes e jurisdicção, que por minhas Leis e Ordenações são dadas aos Corregedores das Commarcas, de que outrosim usareis, nas causas em que se podér applicar, e não encontrarem este Regimento.

I. Nos actos de guerra, tereis poder e alçada para mandar castigar os inobedientes, com as penas que vos parecer, até dous annos de degredo para a Ilha do Principe, ou para Angola, e em penas pecuniarias até quantia de cincoenta cruzados, que aplicareis para as obras de fortificação do dito Cacheu, e isto sem appelação nem aggravo.

II. E sendo a inobediencia feita á vossa pessoa, com armas, por negro, o podereis condemnar em qualquer pena, até morte natural inclusive, que podereis dar á execução – e sendo branco peão, em pena de açoutes e de degredo, até quatro annos, para a Ilha do Principe, sem appelação nem aggravo – e sendo maior a condemnação, dareis appellação e aggravo para a Casa da Supplicação: – e as partes de maior condição, que as sobreditas, os podereis degradar para fóra do districto de vossa jurisdicção, sem appelação, nem aggravo, até tempo de tres annos; e sendo maior a condemnação, dareis appelação e aggravo para a dita Casa da Supplicação. (...)

VII. Guardareis com muita pontualidade minhas Leis e defesas, por que prohibo o commercio dos estrangeiros n'aquellas partes; e indo a ellas commerciar alguns, podendo-os haver os enviareis presos ao Governador de Cabo Verde (…).

XIII. E assim devassareis de todas as pessoas que tiverem commercio com estrangeiros, e lhes derem mantimento e cousas necessarias para seu repairo, e os prendereis e sentenceareis conforme a Lei, (...)

Paulo Figueira o fez, em Lisboa, a 4 de Abril de 1615. Christovão o fez escrever. – Rei.

JJAS, 1613 – 1619, pp. 125.127.

Provedor dos Defuntos pague dividas superiores a 10$000 réis

 

Provedor dos Defuntos pague dividas superiores a 10$000 réis

 Em Carta Regia de 14 de Novembro de 1625 – Representou-me a Mesa da Consciencia, que, sendo por uma parte de muita importancia os contratos que se fazem em Angola sobre as armações das fazendas que se levam áquelle Reino para se trocarem por escravos, é pela outra parte forçoso darem-se as mesmas fazendas com esperas até que escravos se conduzam de terra firme, por não ser possivel compra-los com dinheiro á vista, pela falta que delle há; e que por consequencia é impraticavel no dito Reino o capitulo do Regimento dos Provedores dos Defunctos que lhes proibe mandarem pagar dividas que excederem a dez mil réis; pois se embaraça com esta prohibição o commercio em prejuizo da Fazenda Real e dos particulares: E hei por bem que no dito Reino e em outras partes ultramarinas, onde houver semelhante razão, tenham os Provedores authoridade para mandar pagar todas as dividas procedentes de armações, e que constarem por escripturas publicas, ou por escriptos particulares feitos com duas testemunhas em presença do Ouvidor, qualquer que seja a sua importancia, derogado nesta parte o citado Capitulo. 

JJAS, 1620.1627, pp.151-152.

Navios e Produto dos escravos

 

Navios de comércio e resgate

 Provisão de 6 de Julho de 1625, ácerca dos navios do commercio e resgate de escravos, que chegaram á Bahia com Provisão para pagarem os direitos em Lisboa; mandando, que, alem de certidão que se passar ás partes dos escravos resgatados, se passe outra semelhante por duas vias para se remmeter a Lisboa na primeira embarcação.

JJAS, 1620 – 1627, p. 145.

 Aplicação do produto dos escravos

 Por Provisão do Conselho da Fazenda de 14 e Janeiro de 1626 – foi aplicado para o pagamento do Presidio da Bahia o dinheiro procedido dos escravos de Angola, determinando-se outrosim que fossem remetidos ao mesmo Conselho os embargos que a isso se opposessem.

JJAS, 1620 – 1627, p. 155 .

Sobas e negros livres remetidos

 

Sobas e negros livres remetidos para o Brasil retornem a Angola

 Em Carta Regia de 17 de Janeiro de 1624 – Vi a Consulta do Desembargo do Paço, que enviastes com Carta de 29 de Dezembro passado, sobre os sovas e negros livres, que João Corrêa de Sousa, Governador que foi de Angola, enviou ao Brasil, por respeito da guerra de Casange – e aprovo o que nella parece, accrescentando que ao Governador do Brazil se escreva que me dê particular conta de como executou a ordem dada para os tornar a Angola, á custa da fazenda de João Corrêa, declarando que pessoas se enviara, quanto se despendeu com cada uma, e donde se houve o dinheiro para isso, e o que se fez dos outros negros que João Corrêa enviou por captivos.

Christovão Soares

JJAS, 1620. 1627, p. 112.

Rédito da venda de escravos


 Rédito da venda de escravos para esmola a Religiosos de C.º Verde

Eu o Principe, como Regente e Governador dos Reinos de Portugal e Algarves, faço saber …, que, tendo respeito ao que se me representou por parte do Guardião e mais Religiosos do Convento de São Francisco da Ilha de Cabo Verde, da Provincia da Soledad, acerca da falta que tem de agasalho no dito Convento, por não ter dormitorio, claustillo, capitulo e enfermaria, por cuja causas adoecem e morrem continuamente, a que não podem ter remedio por sua muita pobreza, e a experimentarem tambem os moradores da dita Ilha, por haverem concorrido com largas esmolas para a decoração da Igreja e Capella e Sachristia, que tem acabado; e visto tambem o que os Officiaes da Camara da mesma Ilha, estando-a governando, me escreveram, sobre a necessidade que os ditos Religiosos representam, e serem de grande utilidade n'aquellas partes, pela franqueza doutrinal, com que nellas assistem; tendo a tudo consideração, e ao que sobre esta materia respondeu o Procurador de minha Fazenda, a que se deu vista – hei por bem fazer-lhes mercê e esmola, aos ditos Religiosos, para poderem acudir ás ditas obras, que dos direitos dos Navios  Castelhanos, que forem á dita Ilha de Cabo Verde tirar escravos, se lhes paguem trezentos mil réis, em dous annos. Pelo que mando ao Governador da dita Ilha, e Provedor da Fazenda della, façam fazer pagamento aos ditos Religiosos dos ditos trezentos mil réis, que serão levados em conta ao Thesoureiro, ou Almoxarife que lh'os pagar, nas que der do seu recebimento : e se cumprirá inteiramente (…) .

Manoel Pinheiro da Fonseca a fez, em Lisboa, a 30 de Março de 1675. Manoel Barreto de Sampaio a fez escrever. – Principe .

JJAS, 1675 – 1680, (Sup. 1640-1683), p. 341.

Falta de escravaria

 

Falta de escravaria para os engenhos do Rio de Janeiro

 Eu o Principe, como Regente e Governador dos Reinos de Portugal e dos Algarves, etc. Faço saber aos que esta minha Provisão virem, que, tendo respeito ao que me representou o Procurador da Camara da Cidade de S. Sebastião do Rio de Janeiro, em razão de ser grande a falta que experimentam aquelles moradores da escravaria do gentio de guiné, assim pela mortandade de que com as bexigas, que deram náquella Cidade haverá quatro annos, como por falta de navios de Angola naquelle porto, e terem os senhores dos navios maiores conveniencias em navegar de Angola para Pernambuco e para a Bahia, por ser a viagem mais breve ; por cujo respeito deixavam de ir ao Rio de Janeiro, e se passava muito tempo sem aportar nelle navio algum de Angola, de que procedia desfabricarem-se os engenhos por falta de escravos, tudo em prejuizo de minhas rendas reaes:

E tendo consideração ao que fica referido, e ao que sobre isso respondeu o Procurador de minha Fazenda – hei por bem que se cumpra muito inteiramente a condição vinte e quatro do Contracto do Reino de Angola, em que se declara o Governador e Officiaes da Camara d'aquelle Reino, sem outra qualquer pessoa, possam impedir que partam do porto delle os navios, estando aviados para fazerem sua, sem se poder usar de preferencia, senão que vão sahindo, como cada um, e como estiverem aviados; e que o dito Governador e Officiaes da Camara lhes dem para isso toda a ajuda e favor; dando-se-lhes tambem despacho para que possam ir em seguimento de suas viagens, sem que haja outra cousa em contrario; e que sendo caso que se lhe resenham, por causa de algum Ministro, se haverá por elle os direitos que importarem os ditos navios para o Contractador.

Pelo que mando ao dito meu Governador do Reino de Angola, e aos Officiaes da Camara delle (…).

Paschoal de Azevedo a fez, em Lisboa, a 13 de Outubro de 1670. O Secretario Manoel Barreto de Sampayo a fez escrever. – Principe.

JJAS, 1675 – 1680, (Sup. 1640 – 1683), pp. 291-292.

Excesso de escravos


Excesso de escravos, pouca aguada e mortandade

Eu El-Rei faço saber..., que, me representaram os moradores da Cidade de S. Paulo da Assumpção do Reino de Angola, em razão de se ter introduzido nelle, depois de sua restauração, despacharem os navios que sahem do porto da mesma Cidade dobradas peças de escravos do que requerem suas capacidades, e que, posto que se faça arqueação de seus portes, é feita por pessoas nomeadas pelos mestres, sem se fazer vestoria da aguada que levam; de que resultam consideráveis damnos, com a morte e perda de tantos escravos em que a tem muito grande os homens de negocio, e os moradores d'aquelle Reino attenuando.se com isso muito o commercio, em diminuição dos direitos de minha Fazenda – E respeitando ao que allegam e informação que sofre a materia mandei tomar – hei por bem, e mando ao meu Governador do Reino de Angola, e ao Provedor de minha Fazenda delle, façam ter particular cuidado e vigilancia no despacho dos ditos navios, para que nenhum possa sahir do porto da Cidade de S. Paulo, sem levar, para cada cem peças, vinte e cinco pipas de agua, bem acondicionadas e arqueadas, e que nenhum leve mais peças do que seu porte podér levar, para que os ditos escravos possam ir á sua vontade, e não haver tanta mortandade nelles. E esta minha Provisão se cumprirá muito inteiramente como nella se contem, etc.

Antonio Serrão a fez, em Lisboa, a 23 de Setembro de 1664. O Secretario Manoel Barreto de Sampayo a fez escrever. – Rei.

JJAS, 1675-1680 (Sup. 1640-1683), p. 271.

 

domingo, 20 de dezembro de 2020

Tratado de Transacção sobre o Assento dos Negros da Companhia Real da Guiné


Tratado de Transacção sobre o Assento dos Negros da Companhia Real da Guiné,

celebrado entre  El-Rei o Senhor Dom Pedro II e Dom Filippe V Rei de Hespanha

 EM NOME DA SANTISSIMA TRINDADE

Por estar estipulado no artigo segundo do Tratado da nova alliança e garantia do testamento de Dom Carlos II, Rei Catholico de Hespanha na parte que respeita a sucessão em todos os seus Estados e Dominios o muito alto e muito poderoso Principe Dom Filippe V, por Graça de Deos, Rei Catholico de Hespanha celebrado com o muito alto e muito poderoso Principe Dom Pedro II, outro sim por Graça de Deus, Rei de Portugal, que se reparariam todos damnos que haviam resultado á Companhia do Assento dos Negros das Indias pelas vexações e pouca observancia com que os Ministros de Sua Magestade Catholica haviam cumprido as condições do contrato; pareceu conveniente a ambas as Magestades se fizesse em Artigos separados uma amigavel Transacção de todos os direitos, acções e pertenções, que a uma e outra Magestade podiam resultar, e aos interessados na Companhia, por qualquer cousa que fosse, para que se tirasse toda a occazião que pudesse ser de menor satisfação a ambas as Magestades havendo pleitos, de que se seguiriam dillações e prejuizos; (...) para a conclusão e ajuste da qual deram Suas Magestades plenipotencias, a saber; Sua Magestade Catholica, pela sua parte, ao Senhor de Rouillé, Presidente no Grande Conselho de Sua Magestade Christianissima, e Seu Embaixador nesta Corte de Lisboa, e Sua Magestade de Portugal pela sua parte, aos Senhores, Manoel Telles da Silva, Marquez de Alegrete (…), Francisco de Tavora, Conde de Alvor (…) e ao Senhor Mendo de Foyos Pereira, Commendador de Comenda de Santa Maria do Massão da Ordem de Christo (…). Os quaes ditos Plenipotenciarios, usando dos poderes que lhes são concedidos, celebrarão e ajustarão entre si amigavelmente a Transacção abaixo escripta, que contem quatorze Artigos separados (…).

 Artigo I

Que Sua magestade Catholica cede de todas as acções que tem e pode ter contra a Companhia do Assento dos Negros, que lhe competem e possam competir por qualquer causa, razões, fundamentos, fraudes e contravenções que tenha havido no tempo da Obrigação deste Contracto, ficando Sua Magestade Catholica cedendo de todas como se não fossem acontecidas.

 Artigo II

Que Sua Magestade Catholica dá por extinto e acabado que havia de durar da sua obrigação, desde o dia de que se ajusta esta Transacção. E porque no intervalo do tempo, que precisamente há de haver para chegarem a Indias as ordens de Sua Magestade Catholica em que assim o mande declarar, poderão ter chegado algumas embarcações a Indias que levassem negros para o provimento deste assento na forma da Condição XI, se há de praticar, com estas embarcações e na venda dos negros, o mesmo que se tivessem chegado no tempo que existia a obrigação do contrato, guardando-se-lhes todas as isenções, liberdades, e franquezas nelle estipuladas. E havendo alguns negros que pela obrigação do Assento se tenham introduzido nas Indias e estiverem por vender, se guardará com elles o disposto na condição XXVIII.

 Artigo III

Que Sua Magestade Catholica mandará pôr em sua inteira liberdade ao Administrador do Assento Gaspar de Andrade, como tambem a todas as mais pessoas portuguezas que serviram no Assento, que se acham embargadas ou prezas por qualquer cousa que seja, sem poderem ser obrigadas nem executadas por condemnações ou despezas algumas feitas por causa ou occasião de suas prisões ou processos. (… ) E se mandará dar passagem para este Reino em navios portugueses, castelhanos, ou francezes para as suas pessoas, como tambem para as fazendas e generos procedidos dos effeitos da Companhia, sendo a escolha dos Navios das mesmas pessoas; e sendo em portuguezes, poderão vir em direitura aos Portos de Portugal (…); e vindo em navios castelhanos gosarão de tudo o que pela dita condição lhes era permitido, se o Contrato durasse: e o mesmo se lhe concederá vindo em navios francezes aos Portos de Castella e Portugal.(...)

 Artigo V

Sem embargo de que pela Condição I, do Contrato, se obrigou a Companhia no tempo da sua duração, a introduzir em Indias dez mil tonelladas de negros regulados, na fórma da mesma Condição e da VII, e havendo-se de pagar a Sua Magestade Catholica os direitos dos negros que faltassem, para a introdução das ditas dez mil tonelladas, como se com effeito se tivessem vendido e introduzido em Indias; pelas justas causas que que move a Sua Magestade Catholica, concede á Companhia que não pague direitos mais que dos negros que real e inteiramente introduzio e vendeu nas Indias, fazendo-se  a conta dos negros pelas tonelladas na fórma da referida Codição VII.

 Artigo VI

Que Sua Magestade Catholica mandará passar as ordens necessarias para, no tempo de dous mezes peremtorios, se cobre effectivamente tudo o que se deve nas Indias á Companhia; (…).

 Artigo IX

Que Sua Magestade Catholica se obriga a mandar pagar as 200:000 patacas de anticipação que se lhes fez, como tambem os reditos dellas de oito por cento, na fórma que se declara na Condição IV; os quaes reditos se hão de contar e vencer desde o dia em que as 200.000 patacas se entregaram, até áquelle em que forem pagas em Castellas á pessoa que tiver os poderes necessarios para as cobrar.

 Artigo X

Que Sua Magestade Catholica mandará executar promptamente a Condição XXXIV do Assento sobre os bens que ficaram de D. Bernardo Francisco Marinho, para satisfação da nossa divida, que na mesma Condição se declara.

 Artigo XI

Que Sua Magestade Catholica há de dar 300.000 cruzados de moeda portugueza, que neste Reino vale 400 réis, á Companhia em satisfação dos damnos recebidos, e de todas acções que a dita Companhia podia ter contra a Fazenda de Sua Magestade Catholica pelos ditos damnos, ou outra qualquer causa, pertencentes ao Assento dos Negros, porque de todas se dá por paga e satisfeita com a quantia referida. Os quaes 300.000 cruzados serão pagos em Castella na vinda da primeira frota, ou frotilha, ou galiões que chegarem; e da mesma sorte as 200.000 patacas de anticipação, e seus reditos até á real entrega, na fórma da Condição III e IV, serão pagas em Castella nas segundas embarcações que chegarem, sendo da frota, frotilha, ou galiões; de sorte que este pagamento se faça em dous prazos subsequentes nas primeiras duas chegadas dos galiões, frota ou frotilha. E todo este dinheiro destes dous pagamentos se poderão trazer moeda, barras de prata ou de ouro, para Portugal.

 Artigo XII

Que Sua Magestade de Portugal, em seu nome e de todos os interessados na Companhia, de todas acções que lhe pertenciam e podiam pertencer contra a Fazenda de Sua Magestade Catholica, assim e da mesma maneira, que Sua Magestade Catholica cede das acções que lhe competiam no Artigo I, com todas as clausulas e condições nelle declaradas.

(…)

 Artigo XIV

Que ambas as Magestades serão obrigadas a cumprir e guardar inteiramente o ajustado nesta Transacção como parte do Tratado que se faz da nova alliança, e mandar passar todas as ordens necessarias para ter devido effeito. E no caso que por alguma das partes se falte ao promettido, se terá por contravenção ao dito, como se faltasse ao que nelle se contém.

Lisboa, aos 18 de Junho de 1701. 

 ( L . S . ) Rouillé.

( L . S . ) Marquez de Alegrete.

( L . S  .) Conde de Alvor.

( L . S . ) Mendo de Foyos Pereira.

Confirmação de isenção de direitos nas Alfândegas do Reino

 

Confirmação de isenção de direitos nas Alfândegas do Reino aos Padres da Companhia de Jesus por Alvará de 4 de Maio de 1543

 Dom Pedro, por Graça de Deus, Rei de Portugal e dos Algarves etc. Faço saber que por parte do Padre Francisco de Mattos, Procurador Geral da Companhia de Jesus, da Provincia do Brazil, foi apresentada ao Guarda-mór da Torre do Tombo uma Provisão minha, passada pela minha Chancellaria, e nas costas uma, do theor seguinte:

 Diz o Padre Francisco de Mattos, Procurador Geral da Provincia do Brazil, que para bem de sua justiça lhe é necessario uma copia authentica dos privilegios que a dita Provincia tem, que estão na Torre do Tombo (…). E. R. M.

 Dom Pedro ... Mando a vós Guarda-mór da Torre do Tombo que deis ao Padre Francisco de Mattos, contheudo na petição atraz escripta, o traslado dos papeis (…).

Luis Godinho de Niza a fez em Lisboa, a 30 de Agosto de 1684. José Fagundes Bezerra a fez escrever. – Rei.

 Em cumprimento desta Provisão se buscaram na Torre do Tombo, do anno de 1625 até o de 1639, de que foi escrivão Manoel Ferreira. A folhas 186 está a carta do teor seguinte: Dom Fillipe ... Faço saber aos que esta minha Carta de Confirmação virem, que por parte dos Religiosos da Companhia de Jesus, do Estado do Brazil, me foi apresentado um Alvará de El-Rei D. Sebastião, que, Santa Gloria haja, escripto em pergaminho, de que o traslado é o seguinte:

 Eu El-Rei faço saber ... que, havendo respeito ao muito serviço que nas partes do Brazil se faz a Nosso Senhor, por meio dos Padres da Companhia de Jesus, que residem nas ditas partes, conversão dos gentios, e ensino da doutrina aos de novamente convertidos, e em outros beneficios espirituaes, que os povoadores das ditas partes geralmente recebem dos ditos Padres; havendo tambem respeito ás muitas despesas e gastos que fazem nos Collegios e Casas que tem nas ditas partes do Brazil – hei por bem e me praz que das cousas que destes Reinos, e Ilhas, e dos Senhorios delles, lhes forem mandadas, para provimento das ditas Casas, que ora tem e ao diante tiverem, nas ditas partes do Brazil, os Religiosos dellas, que houverem de esmolas, ou compradas com o seu dinheiro, não paguem, nem sejam obrigados a pagar, nas Alfandegas, ou casas outras de despacho, das ditas partes do Brazil, direitos alguns (...) assim por sahida como por entrada, das cousas que mandarem das ditas partes ou destes Reinos forem enviadas a ellas para seu uso e provimento, pela maneira e fórma declarada.

E mando aos Provedores, e Almoxarifes, Feitores, e quaesquer outros Officiaes das Alfandegas e Casas de Despacho (…), que apresentadas certidões dos Reitores, ou Preposito (…) em que declarem as cousas que mandam (…) em que certifiquem que as taes cousas são de sua grangearia, creação, renda, ou esmolas que lhes fizerem, lhas despachem livremente, pelas ditas certidões, sem mais outros mandados, nem diligencias, e os não os constranjam, nem obriguem a pagar direitos alguns, quaesquer que sejam assim como  agora se pagam, e ao diante se impozerem e pagarem; por quanto por este meu Alvará os hei por livres e desobrigados dos ditos direitos.(...). E sendo caso, que, pelo tempo em diante, se façam contractos, ou arrendamentos, das ditas Alfandegas, e direitos dellas, ou outras, em que se ora pagam ou adiante se pagarem, os taes direitos, se intenderá sempre ficarem os ditos Collegios e Casa da Companhia de Jesus, das ditas partes do Brazil, e Religiosos dellas, livres e desobrigados dos taes direitos, de que por esta lhes assim faço doação esmola, pela dita maneira. E não ficará a minha Fazenda em obrigação alguma pelo dito respeito aos ditos Contractadores, ou Rendeiros, posto que taes contractos e arrendamentos se não faça disso declaração; porque hei por bem, e o declaro por esta Provisão.

Notifico-o assim aos Vedores de minha Fazenda e aos Governadores das ditas partes do Brazil (…).

Jacome de Oliveira o fez, em Lisboa, a 4 de Maio de 1543. – Rei.

JJAS, 1683-1700, pp.22-23.

Eclesiásticos paguem direitos

 

Por Alvará de 5 de Setembro de 161 – foi determinado que os Ecclesiasticos pagariam direitos dos escravos que tirassem de Angola.

JJAS,1613-1619, p. 92.

Comércio de escravos com as Índias de Castela

Eu El-Rei faço... que, tendo em consideração ao bem que desejo fazer a meus Vassallos, assim deste Reino como do Estado do Brazil, Guiné, e mais Conquistas delle, e folgar que o commercio dellas se augmente, com utilidade sua – hei por bem de lhes permitir, que possam tratar, e commerciar com os Vassallos da Corôa de Castella,nas Indias Occidentais, levando a ella negros de Cabo Verde e Guiné, para que com isso recebam as utilidades que se espera deste commercio, e cresça o rendimento de minhas Alfandegas; evitando juntamente com esta permissão os inter Eu El-Rei faço... que, tendo em consideração ao bem que desejo fazer a meus Vassallos, assim deste Reino como do Estado do Brazil, Guiné, e mais Conquistas delle, e folgar que o commercio dellas se augmente, com utilidade sua – hei por bem de l esses que estrangeiros tem com os negros que levam das ditas partes ás Indias de Castella, e não lograrem os fructos que produzem as Conquistas deste Reino:

Com declaração que as pessoas que houverem de navegar para as ditas há de ser as que aprovar o meu Conselho – e serão obrigados a meter nos Estados do Brazil e Maranhão a terça parte dos negros que levarem ás Indias.

Pelo que mando ao Governador das Ilhas de Sant-Iago de Cabo, e ao Capitão da Praça de Cacheu, e a todos os mais Governadores e pessoas a que tocar, cumpram e guardem este meu Alvará (…) , os quaes serão obrigados a enviar ao dito Conselho, nas primeiras embarcações que d'alli partirem, certidões autenticas da quantia de Negros que cada pessoa carregar para Indias, para nelle ser presente.

Paschoal de Azevedo o fez, em Lisboa, a 2 de Fevereiro de 1641. Eu o Secretario Antonio de Barros Caminha o fiz escrever. – Rei.

Por quanto pelo Alvará escripto atraz houve por bem de permittir a meus Vassallos que possam tratar e commerciar com os da Corôa de Castella, nas Indias Occidentais, levando a ellas escravos de Cabo Verde e Guiné, para que recebam as utilidades que se esperam desse commercio, e cresçam os rendimentos de minha Fazenda – hei outrosim por bem que na mesma fórma se naveguem os escravos do Reino de Angola, com as clausulas referidas no dito Alvará.

E esta Apostila quero que valha, tenha força e vigor, como se Carta feita em meu nome (…) .

Domingos Velho de Araujo a fez, em Lisboa, a 28 de Março de 1641. E eu o Secretario Antonio de Barros Caminha a fiz escrever. – Rei.

JJAS, 1640-1647, pp. 458-459.

sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Regimento da condução dos Negros cativos de Angola para o Brasil

 

OS ESCRAVOS 

Dom Pedro, por Graça de Deus, Rei de Portugal e dos Algarves, etc. Faço saber ao que esta Lei virem, que, desejando que em todos os Dominios da minha Corôa, e para com todos os Vassallos e subditos della se guardem os dictames da razão, e da justiça, sendo informado que na conducção dos Negros captivos de Angola para o Estado do Brazil obram os Carregadores e Mestres dos Navios a violencia de os trazerem tão apertados e unidos uns com os outros, que não sómente lhes falta o desafogo necessario para a vida, cuja conservação é commum e natural para todos, ou sejam livres, ou escravos; mas do aperto, com que vem, succede maltratarem-se de maneira, que, morrendo muitos, chegam impiamente lastimosos os que ficam vivos – mandando considerar esta materia por pessoas de toda a satisfação, doutas, práticas, e intelligentes nella, e querendo provêr de remedio a tão grande damno, como é conveniente ao serviço de Deus Nosso Senhor e meu, tanto pelo que a experiencia tem mostrado em os navios que carregam Negros em Angola, como pelo que pode succeder em os que costumam tambem carregar em Cabo-Verde, em S. Thomé, e nas mais Conquistas, fui servido resolver que d'aqui em diante se não possam carregar alguns Negros em Navios e quaesquer outras embarcações, sem que primeiro em todos e cada um delles se faça arqueação das toneladas que podem levar, com respeito dos agasalhados e cobertas para a gente, e do porão para as agoadas e mantimentos, tudo na fórma seguinte:

 CAPITULO I

Todos os navios que sahirem deste porto para o de Angola, e outras Conquistas quaesquer, para carregarem Negros, serão nelle arqueados, pelos Ministros e mais Officiaes e pessoas, que mandei declarar em um Decreto ao Conselho Ultramarino, que inteiramente se cumprirá, como nelle se contém.

 CAPITULO II

Na Cidade do Porto fará esta diligencia o Superintendente da Ribeira do Douro, e em sua falta o Juiz da Alfandega, como Feitor dos Galeões, Patrão-mór, e Mestre da Ribeira; e parecendo ao dito Superintendente, ou Juiz da Alfandega, chamar de mais uma até duas pessoas, que ao dito sejam zelosas, e tenham sciencia e pratica desta materia, o poderão fazer. (...).

 CAPITULO IV

Os navios, que do Estado do Brazil, ou Maranhão, fizerem viagem para os ditos pórtos das Conquistas, serão igualmente arqueados na Bahia pelo Provedor-mór da Fazenda, e Procurador della, com assitencia do Patrão-mór, e Mestres da Ribeira; (…).

 CAPITULO V

Os navios, e quaesquer outras embarcações, que de Angola, Cabo-Verde e S. Thomé, e dos mais portos e Capitanias, aonde se carregarem Negros, sahirem para um e outro Estado, ou para este Reino, serão arqueados pelos mesmos Ministros e Officiaes, ainda que já o tenham sido nos portos donde sahirem; com tal declaração, que se não se não poderá exceder a arqueação feita; (…).

                                                                     CAPITULO VI

Para se fazer esta arqueação, se medirão por toneladas todas as ditas embarcações que se quizerem carregar de negros, pelo chão, sem respeito ao ar, tanto nas cobertas e entre pontes, se as tiverem, como em os convezes, camaras, camarotes, tombadilhos, e mais partes superiores. Sendo navios de cobertas, e que nellas tenham portinholas, pelas quaes os Negros possam commodamente receber a viração necessaria, se lotarão dentro dentro nas ditas cobertas sete cabeças em duas toneladas; e não tendo as ditas portinholas, se lotarão sómente em cinco cabeças as mesmas duas toneladas. Nas partes superiores poderão levar, tanto uns como outros, cinco cabeças miudas, de idade e nome de moleques, em cada uma tonelada, sem que por causa alguma se possa accrescentar este numero, ou se possam apertar mais as ditas toneladas. 

CAPITULO VII

Serão obrigados os ditos navios e embarcações levar os mantimentos necessarios para darem de comer aos ditos Negros tres vezes no dia, e fazer e levar a agua, que abunde, para lhes darem de beber em cada um dia uma canada infallivelmente. 

CAPITULO VIII

A este fim se arquearão e medirão igualmente os porões, e fazendo-se estimação dos mantimentos e aguadas, que podem receber, computados de Angola para Pernambuco trinta e cinco dias de viagem, para a Bahia quarenta, e para o Rio de Janeiro cincoenta, álem dos mantimentos e agoada que fôr necessaria para a gente dos navios; e o mesmo computo se fará sempre de dez mais, nos mais portos onde se carregarem Negros, a respeito do tempo que costuma ser necessario para os portos a que forem carregados.

 CAPITULO IX

O dito computo dos dias se resolverá d'aquelle em que sahirem dos portos, e os mantimentos e agua se repartirão com tal cuidado, que a todos chegue inteira a sua porção, e evitando-se toda a confusão e desperdicio. 

CAPITULO X

Adoecendo alguns, se tratará delles com toda a caridade e amor de proximos; e serão levados e separados para aquella parte, onde se lhes possam applicar os remedios necessarios para a vida. 

CAPITULO XI

Todos estes navios serão obrigados levar um Sacerdote, que sirva de Capellão para nelles dizer Missa, ao menos os dias Santos, e assistir aos moribundos. A medição das toneladas se fará por arcos de ferro marcados, que o Conselho mandará ter e fazer á sua ordem, pelos que há na Ribeira das Náos desta Cidade, e os fará remetter a todos os Portos de mar nas Conquistas, e aos que há neste Reino, donde se navega para elles, para que em todos se guarde esta disposição, e nenhumas pessoas possam allegar ignorancia nos casos em que a encontrar. 

CAPITULO XII

Feita a arqueação dos navios que quizerem carregar, se lançará em Livro, com termo, pelo Escrivão da Provedoria, em que se assignarão todas as pessoas acima nomeadas ; e com esta diligencia se poderá abrir e fazer o despacho dos Negros que forem lotados ao navio, ou embarcação, que se puzer á carga, e nunca se poderão carregar dous juntamente, para que a titulo de ambos não possa algum levar mais que a sua lotação. (…). 

CAPITULO XIV

Nos taes portos, em que se fizer a dita carga, se destinarão os barcos necessarios para lá se fazer, e se mandará lançar bando, pelos Governadores, do tempo que a dita carga há de durar, e do dia em que os navios hão de sahir; e que nenhum outro barco, dentro do dito tempo, até os navios lançarem fóra, possa chegar a elle, com comminação de pena do perdimento dos barcos aos que o contrario fizere, e de quinhentos cruzados de pena aos Mestres e Capitães dos navios, que, sem causa justificada, deixarem de sahir ao dito dia. E para se evitar este inconveniente, mandará o Governador de Angola a sua lancha, ou qualquer outra com um Cabo de confiança, e os soldados que lhe parecer, que acompanharem os ditos navios, até duas e quatro legoas ao mar, em que possam ir bem mareados, e livres dos ditos barcos lhes chegarem. 

CAPITULO XV

Os mais Governadores observarão esta mesma ordem; e em Angola se fará uma Casa de recebimento, como o Governador intender que é convenientemente, que contigua á Casa do despacho, na qual se possam recolher os Negros que houverem de despachar, e donde, sem outro divertimento, se possam carregar nos navios, logo que forem despachados. 

CAPITULO XVI

E havendo nos portos das outras Conquistas, em que se carregam Negros, igual conveniencia da que se considera em Angola, se farão Casas semelhantes para o dito effeito. Poderão levar de frete os Mestres e senhores dos navios, e quaesquer outras embarcações, por cada um Negro, ou seja grande, ou pequeno, até cinco mil réis, e mais não; e a esse respeito poderão levar os que sahirem dos outros portos, até dez tostões mais do que até agora levavam.

E supposto que se accrescente nesta Lei o numero de pessoas que hã de fazer as ditas arqueações, nem por isso os ditos Mestres e senhores dos navios darão mais para ellas, do que eram costumados, quando as pessoas eram menos; e pagarão sómente por cada tonelada aquella quantia que lhes derem os Regimentos, e em falta delles, conforme ao estilo que se achar mais antigo, e approvado por longo uso e costume, sob pena de serem castigados os ditos Ministros e mais Officiaes o contrario fizerem, ou consentirem, como o devem ser pelos erros que commeterem em seus officios.

E porque toda esta disposição não poderá ter a execução ordenada, se os Ministros, aos quaes pertence o cuidado della, o não tiverem mui vigilante em a cumprir e fazer guardar, como pede materia tão relevante; e maior severidade nos que, desprezando, ou encontrando as minhas ordens, forem occasião de se commeterem os abominaveis erros, que até agora se usavam, e que ordinariamente aconteciam; ordeno e mando que o Provedor-mór da Bahia, e os mais Provedores da Fazenda, que, por culpa, negligencia, ou omissão, deixarem carregar, ou permittirem que se carreguem mais Negros, d'aquelles que forem lotados aos Navios, por suas arqueações, ou que consentirem que as ditas se façam em outra forma, da que é disposta nesta Lei, incorram em perdimento de seus officios, e na pena do dobro do valor dos Negros, que de mais forem carregados, e em seis annos de degredo para o Estado da India; que os Patrões-móres, e Mestres da Ribeira, percam os seus officios, e sejam degradados dez annos para o mesmo Estado da India; e que todos com as suas culpas formadas, sejam remettidos presos a esta Côrte, para nella serem sentenceados, como tambem as mais pessoas que assistirem ás ditas arqueações, havendo-se com dólo, e commetendo nellas erros de culpa notoria. 

CAPITULO XVII

E sendo comprehendidos os Ouvidoures Geraes das ditas Capitanias, me darão conta os Governadores, com os documentos que para isso tiverem, para eu mandar proceder contra elles com tanta severidade por esta culpa como ella merecer: e havendo-se com dólo, nas arqueações que fizerem, e a que assistirem, os Officiaes deste Reino, e das Conquistas, nas quaes se não carregam negros, supposto que da sua culpa se não siga immediatamente o damno das outras conquistas, e dos outros portos, com tudo, por que della se pode seguir a desobediencia e transgressão desta Lei, incorrerão por ella na pena de perdimento de seus officios, para não entrar mais em meu serviço. 

CAPITULO XVIII

Os Mestres e Capitães dos navios e embarcações, que carregarem mais Negros de sua lotação e arqueação, pagarão dous mil cruzados de penas e o dobro do valor dos ditos Negros, ametade para minha Fazenda, e a outra metade para quem os denunciar, ou accusar, e serão degradados dez annos para o Estado da India; e esta mesma pena haverão os senhores dos barcos, e carregadores, que levarem os ditos Negros aos navios e embarcações. 

CAPITULO XIX

Os Guardas, que forem postos nos ditos navios e embarcações, e forem scientes, ou complices do dito crime, serão degradados toda a vida para o mesmo Estado da India: e tanto para com uns, como para com outros reus, e para os mais referidos, serão admittidos por denunciantes e accusadoress os socios da mesma culpa; e não sómente serão relevados della, mas terão o mesmo premio dos mais denunciantes, como se a não tivessem commettido. 

CAPITULO XX

Logo que os ditos navios e embarcações chegarem aos portos, para os quaes foram carregados, sem alguma demora se visitarão pelos Provedores da Fazenda, ou aquelles Officiaes que estiverem mais promptos, e succederem em seu logar, quando elles estejam impedidos, ou ausentes, para examinarem a carga que trazem, pela certidão dos portos donde sahirem; e sendo conforme, os deixarão descarregar livremente; e não o sendo, procederão contra os Mestres e Capitães.

CAPITULO XXI

Os Ouvidores Geraes, e Provedor-mór da Bahia, e os mais Provedores da Fazenda, tirarão devassa de todos os ditos navios e embarcações (...) darão conta ao Governador, para elle enviar as taes devassas ao Conselho Ultramarino, e remetter os presos a este Côrte, na fórma referida. 

CAPITULO XXII

Aos Governadores encarrego muito particularmente a exacção e cumprimento da Lei; e espero se hajam na observancia della com tal cuidado, que tenha muito que lhes agradecer; porque do contrario me haverei por mal servido delles: e quando a encontrarem em algum caso, ou de alguma e qualquer maneira, mandarei proceder contra elles, como desobedientes a minhas ordens. 

CAPITULO XXIII

Pelo que ordeno que nos Capitulos de residencias, que se tirarem aos ditos Governadores, Ouvidores, e mais Ministros, aos quaes o conhecimento e execução desta Lei deve pertencer, se accrescente aos Sindicantes, especialmente perguntem, se elles a cumpriram e guardaram, como nella se contém.

E mando ao meu Chanceller mór a faça logo publicar na Chancellaria (… ).

Dada na Cidade de Lisboa a 18 de Março de 1684. Rei.JJAS, 1683 – 1700, pp. 8 – 11.

 

sexta-feira, 7 de agosto de 2020

Exportação de Escravos de Angola e outras Conquistas para as Índias de Castela

Eu El-Rei faço saber aos que este Alvará virem …,que, tendo respeito á inconveniencia que resulta aos Vassallos deste Reino, principalmente aos moradores da Povoação de Cacheu, de dilatar-se a navegação, em ordem ao augmento do Commercio, e por folgar de lhes fazer mercê – hei por bem de lh'a fazer de licença para que possam mandar seus escravos ás Indias de Castella; intendendo-se o mesmo nos que se enviarem de Cabo Verde, Angola, S. Thomé, e mais Conquistas do Reino.

Com declaração que as fianças se não darão nunca em Cacheu, senão no Reino, ou em Cabo Verde, como sempre foi costume.

Pelo que mando ao Provedor dos Armazens faça registar este Alvará nos Livros delles, e tomar as fianças referidas ás pessoas que d'aqui forem ás ditas partes para alli levarem os ditos escravos ás Indias, na fórma que se aponta.

E outro sim mando ao Governador de Cabo Verde, e Provedor de minha Fazenda d'alli, que na mesma conformidade façam tomar as ditas fianças aos que forem dáquella Ilha, e da Praça de Cacheu, ao mesmo effeito.

E ordeno a todos os Governadores, Provedores de minha Fazenda, e mais Ministros a que, na parte a que tocar, das Conquistas daquelle Reino, não embarecem as embarcações que levarem das ditas partes escravos ás Indias, constando-lhes que tem dado a fiança acima declarada, na parte a que tocar, e cumpram e guardem este Alvará, tão inteiramente como nelle se contem, sem duvida nem contradição alguma – o qual valerá como Carta (…).

Antonio Serrão o fez, ao 1.º de Julho de 1647. E eu o Secretario Affonso de Barros Caminha o fiz escrever. – Rei.

JJAS, 1640 – 1647, p. 330.

Assento para a introducção dos Negros nas Indias Hespanholas, feito entre o Conselho Real das Indias e um socio da Companhia Real da Guiné, em Madrid a 12 de Julho de 1696 

 Assiento que se há ajustado com el Capitan Don Gaspar de Andrada; Tesorero, y Administrador geral de la Compañia Real de Guinea sita em Lisboa, Corte del Reino de Portugal, sobre encargar-se de la introduccion de Negros en la America Don Manuel Ferreira de Carvalho, como Socio, y en virtud de poder de la dicha Real Compañia por tiempo de seis anõs y ocho meses, que empeçaron en / de Julio de 1696.

 PODER

Sepan quantos este insttrumento de  poder viren, que el año del Naciemento de N. S. J. C. de 1696 en 27 dias del mês del mês de Junio en la Ciudad de Lisboa, en las Casas en que se haze la Junta de

la Junta de la Compañia de Guinea, estando alli presentes los Socios de la dicha Compañia Francisco Nunes Santaren, Contador General, e Supeintendente da la Junta del Comércio, morador á la Trinidad, y el Capitan Francisco André, morador á la Buena Vista, y Francisco Mendes de Barros, morador á las Fuentecillas de Cuerpo Santo, Domingos Dantas de Acuña, Cavallero Professo del Orden de Xp.º, morador a S. Joseph, y Juan de Mora Otron, Cavallero de la orden de Xp.º, morador al Terreno Ximenas, y Antonio de Castro Guimarães, morador á San Pablo, por ellos fué dicho á mi Tabelião, en presencia de los testigos adelante nombrados, que por este instrument hazen y constituyen su Procurador bastante en la Corte de Madrid á Manuel Ferreira de Carvalho, para que encargar-se, y tomar en el Consejo Real de Indias el Assiento de la Introduccion de Negros en Indias en nombre de la Compañia Real de Guinea, em que ellos los otorgantes son socios, como tambien lo es dicho su Apoderado, y podrá firmar la Escritura, ó Escrituras sobre dicho Contrato (…)

 PLIEGO

Señor, Don Manuel Ferreira de Carvallo, vezino de esta Corte. Y Socio de la Compañia Real de Guinea, sita en el Reyno de Portugal, dize que se encargará del Assiento de la Introducion de Negros en los Puertos de India por si  y como Socio, y em virtud de poder de la dicha Compañia, el qual entrega juntamente com este Pliego para que se inserte en este Contrato, á que se obliga por si y como Socio (...)

 CONDICION I

En que se encarga de la introducion dos negros por tiempo de 6 años y 8 meses, y la cantidad que han de introducir, y pagar por ella, y calidad que han de tener los negros para hacer las toneladas

 Primeramente el Supplicante toma a su cargo com la dicha Compañia Real de Guinea, en virtudde poder que de  ella tiene, la Introducion de Negros en los Puertos de las Indias por tiempo de 6 años y 8 meses (…) para que en el dicho termino introduzgan diez mil toneladas, estimada cada una de ellas en tres pieças de Indias de la medida regular de 7 quartas, nó siendo viejos ni com deffectos, como se declara en la condicion primera de Grillo, pagando por cada una de las  dichas diez  mil toneladas á razon de ciento y doze pesos y medios en las partes, y en las formas que se obligó á hacerlo Marin y Porcio, e com las Clausulas concedidas á dicho Grillo en la condicion tercera.

CONDICION VI

Sobre la forma de conducir la armazon de negros, á que puertos, e los productos de ellos, extraerlos á las partes de Portugal e Castilla, y demás que convenga

 Que respeto de que la Compañia  de Guinea há de conducir en axeles proprios ú agenos, como sean de amigos de esta Corona la armazon de Negros á todos los puertos de las Indias, los quales son los mismos que concedieron á Don Nicolás Porcio, que es Cumaná, Caracas, la Habana, Cartagena, Portovelo, Honduras, y la Vera Cruz, transportandolos desde las Costas de Guinea, e demas partes que le convega, cuya facultad concedió V. Magestad, y dispensó en los Assientos anteriores, ( … )sin que por motivo ó pretexto alguno poedan ser impedidos ú arrestados por los Viso-Reyes, Governadores (…) derogando V. Magestad (…) todo lo que prohibe la extracin de los reales en plata y oro de las Indias y destos Reynos ; y assi mesmo todas y qualesquieres, estylos, e decretos, que hay (…) y especialmente en los Capitulos y Tratados de Pazes ajustados com la Corona de Portugal, en que se previene lo contrario (…).


CONDICION VII

Sobre la cantidad que han de pagar

por cada tonelada

Que llegado que sea el navio ó navios á qualquer puerto de las Indias, se obligan á pagar por cada tonelada, regulada como vá expressado,á razon de ciento e dozes pesos y medio por cada una de ellas, siguiendo la misma forma de paga que Porcio, y Marin tienen capitulado y para maior declaracion y realidade de este Contrato se há de entender que las medidas de las toneladas se han de componer cada una de tres pieças de Indias de 7 quartas cada una ; y las que nó llegaren á esta medida se han de rehazer para acabarlas, assistiendo precisamente á estas medidas y visitas el Supplicante, y Compañia, ó sus Factores; y la dicha paga la han de hazer de lo  primeiro y más prompto que rindieren los negros que vendieren en qualquer de los puertos, serviendose V. Magestad mandar á los Ministros á quienes tocare hazer las visitas, registros, y medidas, lo executen precisamente luego que loElles dén quenta de su llegada, y requieran el que passen a hacer dicha visita, y regulacion de toneladas, para que por este medio se escusen los daños que tiene la dilacion de estar los negros á bordo, después de tan calamitoso viage, acometiendoles el achaque de lançar y mover-se por la demora del desembarco ; e para que lo puedan hacer com la comodidad sufficiente, há que mandar V. Magestad se les dé las estancias, casas, bastimentos, y petrechos que necessitaren de la tierra, si que los precios de ellos se les alteren, tratandose assi á los que fueren en dichos navios, como a los Factores com las mismas exempciones y preeminencias, que á los Vassallos de Vuestra Magestad. Fecha en Buen-Retiro á 17 de Julio de 1696.

JJAS, 1683 – 1700 , pp 491 – 507 .


quinta-feira, 6 de agosto de 2020

Comércio de Escravos

Comércio de escravos com as Índias de Castela

Eu El-Rei faço..., que, tendo em consideração ao bem que desejo fazer a meus Vassallos, assim deste Reino como do Estado do Brazil, Guiné, e mais Conquistas delle, e folgar que o commercio dellas se augmente, com utilidade sua –  hei por bem de lhes permitir, que possam tratar, e commerciar com os Vassallos da Corôa de Castella, nas Indias Occidentais, levando a ella negros de Cabo Verde e Guiné, para que com isso recebam as utilidades que se espera deste commercio, e cresça o rendimento de minhas Alfandegas; evitando juntamente com esta permissão os interesses que estrangeiros tem com os negros que levam das ditas partes ás Indias de Castella, e não lograrem os fructos que produzem as Conquistas deste Reino:

Com declaração que as pessoas que houverem de navegar para as ditas há de ser as que aprovar o meu Conselho – e serão obrigados a meter nos Estados do Brazil e Maranhão a terça parte dos negros que levarem ás Indias.

Pelo que mando ao Governador das Ilhas de Sant-Iago de Cabo, e ao Capitão da Praça de Cacheu, e a todos os mais Governadores e pessoas a que tocar, cumpram e guardem este meu Alvará (…), os quaes serão obrigados a enviar ao dito Conselho, nas primeiras embarcações que d'alli partirem, certidões autenticas da quantia de Negros que cada pessoa carregar para Indias, para nelle ser presente.

Paschoal de Azevedo o fez, em Lisboa, a 2 de Fevereiro de 1641. Eu o Secretario Antonio de Barros Caminha o fiz escrever. – Rei.

Por quanto pelo Alvará escripto atraz houve por bem de permittir a meus Vassallos que possam tratar e commerciar com os da Corôa de Castella, nas Indias Occidentais, levando a ellas escravos de Cabo Verde e Guiné, para que recebam as utilidades que se esperam desse commercio, e cresçam os rendimentos de minha Fazenda – hei outrosim por bem que na mesma fórma se naveguem os escravos do Reino de Angola, com as clausulas referidas no dito Alvará.

E esta Apostila quero que valha, tenha força e vigor, como se Carta feita em meu nome (…).

Domingos Velho de Araujo a fez, em Lisboa, a 28 de Março de 1641. E eu o Secretario Antonio de Barros Caminha a fiz escrever. – Rei.

JJAS, 1640-1647, pp. 458-459.

 Eclesiáticos paguem direitos

Por Alvará de 5 de Setembro de 161 – foi determinado que os Ecclesiasticos pagariam direitos dos escravos que tirassem de Angola.

JJAS,1613-1619, p. 92.

Confirmação de isenção de direitos nas Alfândegas do Reinoaos Padres da Companhia de Jesus por Alvará de 4 de Maio de 1543

Dom Pedro, por Graça de Deus, Rei de Portugal e dos Algarves etc. Faço saber que por parte do Padre Francisco de Mattos, Procurador Geral da Companhia de Jesus, da Provincia do Brazil, foi apresentada ao Guarda-mór da Torre do Tombo uma Provisão minha, passada pela minha Chancellaria, e nas costas uma, do theor seguinte:

 Diz o Padre Francisco de Mattos, Procurador Geral da Provincia do Brazil, que para bem de sua justiça lhe é necessario uma copia authentica dos privilegios que a dita Provincia tem, que estão na Torre do Tombo (…). E. R. M.

 Dom Pedro... Mando a vós Guarda-mór da Torre do Tombo que deis ao Padre Francisco de Mattos, contheudo na petição atraz escripta, o traslado dos papeis (…).

Luis Godinho de Niza a fez em Lisboa, a 30 de Agosto de 1684. José Fagundes Bezerra a fez escrever. – Rei.

 Em cumprimento desta Provisão se buscaram na Torre do Tombo, do anno de 1625 até o de 1639, de que foi escrivão Manoel Ferreira. A folhas 186 está a carta do teor seguinte. Dom Fillipe... Faço saber aos que esta minha Carta de Confirmação virem, que por parte dos Religiosos da Companhia de Jesus, do Estado do Brazil, me foi apresentado um Alvará de El-Rei D. Sebastião, que, Santa Gloria haja, escripto em pergaminho, de que  o traslado é o seguinte:

 Eu El-Rei faço saber,... que, havendo respeito ao muito serviço que nas partes do Brazil se faz a Nosso Senhor, por meio dos Padres da Companhia de Jesus, que residem nas ditas partes, conversão dos gentios, e ensino da doutrina aos de novamente convertidos, e em outros beneficios espirituaes, que os povoadores das ditas partes geralmente recebem dos ditos Padres; havendo tambem respeito ás muitas despesas e gastos que fazem nos Collegios e Casas que tem nas ditas partes do Brazil – hei por bem e me praz que das cousas que destes Reinos, e Ilhas, e dos Senhorios delles, lhes forem mandadas, para provimento das ditas Casas, que ora tem e ao diante tiverem, nas ditas partes do Brazil, os Religiosos dellas, que houverem de esmolas, ou compradas com o seu dinheiro, não paguem, nem sejam obrigados a pagar, nas Alfandegas, ou casas outras de despacho, das ditas partes do Brazil, direitos alguns (...) assim por sahida como por entrada, das cousas que mandarem das ditas partes ou destes Reinos forem enviadas a ellas para seu uso e provimento, pela maneira e fórma declarada.

E mando aos Provedores, e Almoxarifes, Feitores, e quaesquer outros Officiaes das Alfandegas e Casas de Despacho (…), que apresentadas certidões dos Reitores, ou Preposito (…) em que declarem as cousas que mandam (…) em que certifiquem que as taes cousas são de sua grangearia, creação, renda, ou esmolas que lhes fizerem, lhas despachem livremente, pelas ditas certidões, sem mais outros mandados, nem diligencias, e os não os constranjam, nem obriguem a pagar direitos alguns, quaesquer que sejam assim como agora se pagam, e ao diante se impozerem e pagarem; por quanto por este meu Alvará os hei por livres e desobrigados dos ditos direitos. (...). E sendo caso, que, pelo tempo em diante, se façam contractos, ou arrendamentos, das ditas Alfandegas, e direitos dellas, ou outras, em que se ora pagam ou adiante se pagarem, os taes direitos, se intenderá sempre ficarem os ditos Collegios e Casa da Companhia de Jesus, das ditas partes do Brazil, e Religiosos dellas, livres e desobrigados dos taes direitos, de que por esta lhes assim faço doação esmola, pela dita maneira. E não ficará a minha Fazenda em obrigação alguma pelo dito respeito aos ditos Contractadores, ou Rendeiros, posto que taes contractos e arrendamentos se não faça disso declaração; porque hei por bem, e o declaro por esta Provisão.

Notifico-o assim aos Vedores de minha Fazenda e aos Governadores das ditas partes do Brazil (…). Jacome de Oliveira o fez, em Lisboa, a 4 de Maio de 1543. – Rei.

JJAS, 1683-1700, pp.22-23.


quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Os Escravos - Angola regimento

 Regimento da condução dos Negros  cativos de Angola para o Brasil

Dom Pedro, por Graça de Deus, Rei de Portugal e dos Algarves, etc. Faço saber ao que esta Lei virem, que, desejando que em todos os Dominios da minha Corôa, e para com todos os Vassallos e subditos della se guardem os dictames da razão, e da justiça, sendo informado que na conducção dos Negros captivos de Angola para o Estado do Brazil obram os Carregadores e Mestres dos Navios a violencia de os trazerem tão apertados e unidos uns com os outros, que não sómente lhes falta o desafogo necessario para a vida, cuja conservação é commum e natural para todos, ou sejam livres, ou escravos; mas do aperto, com que vem, succede maltratarem-se de maneira, que, morrendo muitos, chegam impiamente lastimosos os que ficam vivos  – mandando considerar esta materia por pessoas de toda a satisfação, doutas, práticas, e intelligentes nella, e querendo provêr de remedio a tão grande damno, como é conveniente ao serviço de Deus Nosso Senhor e meu, tanto pelo que a experiencia tem mostrado em os navios que carregam Negros em Angola, como pelo que pode succeder em os que costumam tambem carregar em Cabo-Verde, em S. Thomé, e nas mais Conquistas, fui servido resolver que d'aqui em diante se não possam carregar alguns Negros em Navios e quaesquer outras embarcações, sem que primeiro em todos e cada um delles se faça arqueação das toneladas que podem levar, com respeito dos agasalhados e cobertas para a gente, e do porão para as agoadas e mantimentos, tudo na fórma seguinte:

 CAPITULO I

Todos os navios que sahirem deste porto para o de Angola, e outras Conquistas quaesquer, para carregarem Negros, serão nelle arqueados, pelos Ministros e mais Officiaes e pessoas, que mandei declarar em um Decreto ao Conselho Ultramarino, que inteiramente se cumprirá, como nelle se contém.

 CAPITULO II

Na Cidade do Porto fará esta diligencia o Superintendente da Ribeira do Douro, e em sua falta o Juiz da Alfandega, como Feitor dos Galeões, Patrão-mór, e Mestre da Ribeira; e parecendo ao dito Superintendente, ou Juiz da Alfandega, chamar de mais uma até duas pessoas, que ao dito sejam zelosas, e tenham sciencia e pratica desta materia, o poderão fazer. (...).

 CAPITULO IV

Os navios, que do Estado do Brazil, ou Maranhão, fizerem viagem para os ditos pórtos das Conquistas, serão igualmente arqueados na Bahia pelo Provedor-mór da Fazenda, e Procurador della, com assitencia do Patrão-mór, e Mestres da Ribeira; (…).

 CAPITULO V

Os navios, e quaesquer outras embarcações, que de Angola, Cabo-Verde e S. Thomé, e dos mais portos e Capitanias, aonde se carregarem Negros, sahirem para um e outro Estado, ou para este Reino, serão arqueados pelos mesmos Ministros e Officiaes, ainda que já o tenham sido nos portos donde sahirem; com tal declaração, que se não se não poderá exceder a arqueação feita; (…).

                                                              CAPITULO VI

Para se fazer esta arqueação, se medirão por toneladas todas as ditas embarcações que se quizerem carregar de negros, pelo chão, sem respeito ao ar, tanto nas cobertas e entre pontes, se as tiverem, como em os convezes, camaras, camarotes, tombadilhos, e mais partes superiores. Sendo navios de cobertas, e que nellas tenham portinholas, pelas quaes os Negros possam commodamente receber a viração necessaria, se lotarão dentro dentro nas ditas cobertas sete cabeças em duas toneladas; e não tendo as ditas portinholas, se lotarão sómente em cinco cabeças as mesmas duas toneladas. Nas partes superiores poderão levar, tanto uns como outros, cinco cabeças miudas, de idade e nome de moleques, em cada uma tonelada, sem que por causa alguma se possa accrescentar este numero, ou se possam apertar mais as ditas toneladas.

 CAPITULO VII

Serão obrigados os ditos navios e embarcações levar os mantimentos necessarios para darem de comer aos ditos Negros tres vezes no dia, e fazer e levar a agua, que abunde, para lhes darem de beber em cada um dia uma canada infallivelmente.

 CAPITULO VIII

A este fim se arquearão e medirão igualmente os porões, e fazendo-se estimação dos mantimentos e aguadas, que podem receber, computados de Angola para Pernambuco trinta e cinco dias de viagem, para a Bahia quarenta, e para o Rio de Janeiro cincoenta, álem dos mantimentos e agoada que fôr necessaria para a gente dos navios; e o mesmo computo se fará sempre de dez mais, nos mais portos onde se carregarem Negros, a respeito do tempo que costuma ser necessario para os portos a que forem carregados.

 CAPITULO IX

O dito computo dos dias se resolverá d'aquelle em que sahirem dos portos, e os mantimentos e agua se repartirão com tal cuidado, que a todos chegue inteira a sua porção, e evitando-se toda a confusão e desperdicio.

 CAPITULO X

Adoecendo alguns, se tratará delles com toda a caridade e amor de proximos; e serão levados e separados para aquella parte, onde se lhes possam applicar os remedios necessarios para a vida.

 CAPITULO XI

Todos estes navios serão obrigados levar um Sacerdote, que sirva de Capellão para nelles dizer Missa, ao menos os dias Santos, e assistir aos moribundos. A medição das toneladas se fará por arcos de ferro marcados, que o Conselho mandará ter e fazer á sua ordem, pelos que há na Ribeira das Náos desta Cidade, e os fará remetter a todos os Portos de mar nas Conquistas, e aos que há neste Reino, donde se navega para elles, para que em todos se guarde esta disposição, e nenhumas pessoas possam allegar ignorancia nos casos em que a encontrar.

 CAPITULO XII

Feita a arqueação dos navios que quizerem carregar, se lançará em Livro, com termo, pelo Escrivão da Provedoria, em que se assignarão todas as pessoas acima nomeadas ; e com esta diligencia se poderá abrir e fazer o despacho dos Negros que forem lotados ao navio, ou embarcação, que se puzer á carga, e nunca se poderão carregar dous juntamente, para que a titulo de ambos não possa algum levar mais que a sua lotação. (…).

 CAPITULO XIV

Nos taes portos, em que se fizer a dita carga, se destinarão os barcos necessarios para lá se fazer, e se mandará lançar bando, pelos Governadores, do tempo que a dita carga há de durar, e do dia em que os navios hão de sahir; e que nenhum outro barco, dentro do dito tempo, até os navios lançarem fóra, possa chegar a elle, com comminação de pena do perdimento dos barcos aos que o contrario fizere, e de quinhentos cruzados de pena aos Mestres e Capitães dos navios, que, sem causa justificada, deixarem de sahir ao dito dia. E para se evitar este inconveniente, mandará o Governador de Angola a sua lancha, ou qualquer outra com um Cabo de confiança, e os soldados que lhe parecer, que acompanharem os ditos navios, até duas e quatro legoas ao mar, em que possam ir bem mareados, e livres dos ditos barcos lhes chegarem.

 CAPITULO XV

Os mais Governadores observarão esta mesma ordem; e em Angola se fará uma Casa de recebimento, como o Governador intender que é convenientemente, que contigua á Casa do despacho, na qual se possam recolher os Negros que houverem de despachar, e donde, sem outro divertimento, se possam carregar nos navios, logo que forem despachados.

 CAPITULO XVI

E havendo nos portos das outras Conquistas, em que se carregam Negros, igual conveniencia da que se considera em Angola, se farão Casas semelhantes para o dito effeito. Poderão levar de frete os Mestres e senhores dos navios, e quaesquer outras embarcações, por cada um Negro, ou seja grande, ou pequeno, até cinco mil réis, e mais não; e a esse respeito poderão levar os que sahirem dos outros portos, até dez tostões mais do que até agora levavam.

E supposto que se accrescente nesta Lei o numero de pessoas que hã de fazer as ditas arqueações, nem por isso os ditos Mestres e senhores dos navios darão mais para ellas, do que eram costumados, quando as pessoas eram menos; e pagarão sómente por cada tonelada aquella quantia que lhes derem os Regimentos, e em falta delles, conforme ao estilo que se achar mais antigo, e approvado por longo uso e costume, sob pena de serem castigados os ditos Ministros e mais Officiaes o contrario fizerem, ou consentirem, como o devem ser pelos erros que commeterem em seus officios.

E porque toda esta disposição não poderá ter a execução ordenada, se os Ministros, aos quaes pertence o cuidado della, o não tiverem mui vigilante em a cumprir e fazer guardar, como pede materia tão relevante; e maior severidade nos que, desprezando, ou encontrando as minhas ordens, forem occasião de se commeterem os abominaveis erros, que até agora se usavam, e que ordinariamente aconteciam; ordeno e mando que o Provedor-mór da Bahia, e os mais Provedores da Fazenda, que, por culpa, negligencia, ou omissão, deixarem carregar, ou permittirem que se carreguem mais Negros, d'aquelles que forem lotados aos Navios, por suas arqueações, ou que consentirem que as ditas se façam em outra forma, da que é disposta nesta Lei, incorram em perdimento de seus officios, e na pena do dobro do valor dos Negros, que de mais forem carregados, e em seis annos de degredo para o Estado da India; que os Patrões-móres, e Mestres da Ribeira, percam os seus officios, e sejam degradados dez annos para o mesmo Estado da India; e que todos com as suas culpas formadas, sejam remettidos presos a esta Côrte, para nella serem sentenceados, como tambem as mais pessoas que assistirem ás ditas arqueações, havendo-se com dólo, e commetendo nellas erros de culpa notoria.

 CAPITULO XVII

E sendo comprehendidos os Ouvidoures Geraes das ditas Capitanias, me darão conta os Governadores, com os documentos que para isso tiverem, para eu mandar proceder contra elles com tanta severidade por esta culpa como ella merecer: e havendo-se com dólo, nas arqueações que fizerem, e a que assistirem, os Officiaes deste Reino, e das Conquistas, nas quaes se não carregam negros, supposto que da sua culpa se não siga immediatamente o damno das outras conquistas, e dos outros portos, com tudo, por que della se pode seguir a desobediencia e transgressão desta Lei, incorrerão por ella na pena de perdimento de seus officios, para não entrar mais em meu serviço.

 CAPITULO XVIII

Os Mestres e Capitães dos navios e embarcações, que carregarem mais Negros de sua lotação e arqueação, pagarão dous mil cruzados de penas e o dobro do valor dos ditos Negros, ametade para minha Fazenda, e a outra metade para quem os denunciar, ou accusar, e serão degradados dez annos para o Estado da India; e esta mesma pena haverão os senhores dos barcos, e carregadores, que levarem os ditos Negros aos navios e embarcações.

 CAPITULO XIX

Os Guardas, que forem postos nos ditos navios e embarcações, e forem scientes, ou complices do dito crime, serão degradados toda a vida para o mesmo Estado da India: e tanto para com uns, como para com outros reus, e para os mais referidos, serão admittidos por denunciantes e accusadoress os socios da mesma culpa; e não sómente serão relevados della, mas terão o mesmo premio dos mais denunciantes, como se a não tivessem commettido.

 CAPITULO XX

Logo que os ditos navios e embarcações chegarem aos portos, para os quaes foram carregados, sem alguma demora se visitarão pelos Provedores da Fazenda, ou aquelles Officiaes que estiverem mais promptos, e succederem em seu logar, quando elles estejam impedidos, ou ausentes, para examinarem a carga que trazem, pela certidão dos portos donde sahirem; e sendo conforme, os deixarão descarregar livremente; e não o sendo, procederão contra os Mestres e Capitães.

 CAPITULO XXI

Os Ouvidores Geraes, e Provedor-mór da Bahia, e os mais Provedores da Fazenda, tirarão devassa de todos os ditos navios e embarcações (...) darão conta ao Governador, para elle enviar as taes devassas ao Conselho Ultramarino, e remetter os presos a este Côrte, na fórma referida.

 CAPITULO XXII

Aos Governadores encarrego muito particularmente a exacção e cumprimento da Lei; e espero se hajam na observancia della com tal cuidado, que tenha muito que lhes agradecer; porque do contrario me haverei por mal servido delles: e quando a encontrarem em algum caso, ou de alguma e qualquer maneira, mandarei proceder contra elles, como desobedientes a minhas ordens.

 CAPITULO XXIII

Pelo que ordeno que nos Capitulos de residencias, que se tirarem aos ditos Governadores, Ouvidores, e mais Ministros, aos quaes o conhecimento e execução desta Lei deve pertencer, se accrescente aos Sindicantes, especialmente perguntem, se elles a cumpriram e guardaram, como nella se contém.

E mando ao meu Chanceller mór a faça logo publicar na Chancellaria (… ).

Dada na Cidade de Lisboa a 18 de Março de 1684. Rei.

JJAS, 1683 – 1700, pp. 8 – 11.


quinta-feira, 21 de maio de 2020

OS CRISTÂOS - NOVOS - AUTO DA FÉ


OS CRISTÂOS - NOVOS
Estilos da Relação do Porto, que nella deixou
o Governador  Henrique de Sousa

AUTO DA FÉ

214. No auto de Fé, quando se ajuntam em Relação para sentenciarem os judeus, que sahem a queimar, pergunta-lhe, o Presidente, tendo a sentença na mão: Como vos chamam, e de que terra sois? Para certificar ser elle o mesmo, que é relaxado: ao que o judeu diz: Fulano de tal parte; e logo lhe pergunta: Credes na Santissima Trindade, Padre, Filho, Espirito Santo, tres pessoas de um só Deus verdadeiro? e se elle diz: assim o creio, repetindo as mesmas palavras, ou outras semelhantes, diz-lhe mais: Credes em Christo Jesus, segunda Pessoa da Santissima Trindade, que nasceu da Virgem Maria Senhora Nossa, e padeceu morte na Cruz, para redempção do Mundo? elle diz que sim, repetindo o mesmo: Credes que Christo Senhor nosso é o verdadeiro Messias promettido na Lei, que padeceu por morte afrontosa? responde que, repetindo-o; pergunta-lhe mais: Em que lei queres morrer? elle diz na de Cristo crucificado, e Redemptor de todo o Mundo; então o manda levantar, por estar de joelho, e que o levem para dentro. Nas sentenças que os Inquesidores entregam ao Corregedor do Crime mais antigo, elle as dá logo ao seu escrivão, o qual as autua, e diz nellas: Aos tantos dias de tal mez, em tal Cidade, nas casas de tal, estando ahi em Relação, na forma costumada, o Regedor da Justiça da Casa da Supplicação, e sendo em outra parte o presidente F. e os Desembargadores della, ou adjunctos della F. e F. e F. pelo Corregedor do Crime da Côrte F. me foi dada a sentença dos Inquesidores, Ordinario, e Deputados do Santo Officio, dada contra F. nella conteudo, mandando-me a autuasse, a qual é a seguinte. F. que o escrevi.

Conclusão

Accordam em Relação, etc. vista a sentença junta dos Inquesidores, Ordinario, e Deputados da Santa Inquesição, e como por ella se mostra o réo preso Fulano ser herege apostata de Nossa Santa Fé Catholica, e dogmatista no crime de judaismo, e por tal relaxado á Justiça Secular; e visto a disposição de Direito, em tal caso, o condemnam a que, com baraço e pregão, pelas ruas publicas, e costumadas desta Cidade, seja levado a tal parte, aonde afogado morra morte natural, e depois de morto será queimado, e feito por fogo em pó, de maneira, que nunca de seu corpo, e sepultura, possa haver memoria; e o condemnam outrosim em perdimento de seus bens, posto que ascendentes ou descendentes tenha, aos que declaram por incapazes, e inhabeis, e infames, na fórma de Direito e Ordenação; e pague as custas destes autos. Dada em tal parte. F. F. e F.

Estatua
Accordam em Relação etc. vista a sentença junta dos Inquesidores, Ordinario, e Deputados da Santa Inquesição; e como por ella se mostra o réo F. que morreu no carcere, ser hereje apostata de nossa Santa Fé Catholica, e por tal relaxado á Justiça Secular, e disposição de Direito, e Ordenação, em tal caso, o condemnam que seus ossos, e em seu nome a sua estatua vão pelas ruas publicas, e costumadas, desta Cidade, e sejam levados a tal parte, aonde serão queimados, e feitos por fogo em pó, de maneira, que nunca delles, e sua sepultura, possa haver memoria, etc.; e sendo relapso, accrescenta: e convencido no crime de judaismo, e nelle relapso, e por tal declarado, etc.

Queimado vivo
Accordam, etc. e por tal relaxado á Justiça Secular, e persistir em seu erro, e assim o declarar neste Senado, declarando, sendo perguntado, que não cria na nossa Santa Fé Catholicca, senão na de Moysés; o que assim visto, e a disposição de Direito, em tal caso, condemnam ao réo F. que com baraço e pregão, pelas ruas publicas, e costumadas, seja levado a tal parte, e ahi seja levantado em um posto alto, e queimado vivo, e feito por fogo em pó, etc.
Ausentes
Accordam, etc. que suas estatuas em seu nome etc. e os julgam por banidos, na fórma de Direito, e os dão por taes, etc. (...)
Nota
Que parece que os mesmos processos se haviam de remmeter á Relação, para se ver se os Inquesidores Apostolicos, como Ecclesiasticos, procediam na fórma de Direito e Ordenação - assim é opinião de Bart. in L. Magistratus de jurisdis. omn. jud.; porém não é necessario mostrarem-se os processos, por se não descobrir o segredo do Santo Officio, para o que ha Breves, e Provisões Reaes. Vide Oliva, de Foro Ecclesiastico, p. 2.ªquaest., 12, n.º 14.
E porque se não mostram os processos, se fazem aos réos as perguntas primeiras: donde sois, como vos chamaes, para se verificar ser elle o mesmo, que pela sentença dos Inquesidores vem remettido ás Justiças Seculares; e as mesmas perguntas se fazem tambem aos relaxados pelo peccado; e as mais perguntas tocantes aos misterios da Santa Fé, para se verificar se o réo está pertinaz em seu erro, para se lhe dar sentença, que seja queimado vivo, ou morto.
A Ord. liv. 5.º tit. 6.º § 13. diz que os que commetem crime de lesa Magestade, seus filhos e netos ficam infames, e incapazes por tal maldade commetida, e sendo mulheres, seus filhos sómente, o que se intende tambem, e a fortiori, no crime de lesa Magestade Divina. O que se julgou, no auto que se fez dos relaxados no anno de 1645, para o que se deve ver o Cap. Statum 15 de haereticis in 6. et quae ibi Barb.
Note-se, que sendo condemnado um judeu a que o queimem vivo, por profitente, em caso que se reduza na fogueira, em tempo que a Relação está já desfeita, e os Ministros fóra della, deve ser queimado vivo, por a reducção ser já feita fóra de tempo. Clar. in § -- haeresis Covar. liv. 2.º ep. 10 n. fin.
Nas occasiões em que ha relaxados, se deve ordenar ao algoz, que não tire aos padecentes fato, nem outra cousa alguma, em vida, nem depois de mortos, pela maldade que se segue de os judeus lh'os comprarem para reliquias.
Judeu, ou homem de nação não póde ser eleito para officios das Villas, e Cidades, nem para outro publico, por uma Provisão que ha; e assim se amplia a Ordenação; e isto está por contracto, porque indo Martim Gonçalves da Camara a Castella, deu a Sua Magestade 800 U. cruzados, que o Reino pagou, porque revogasse a mercê, que lhe tinha feito, de os admittir a officios publicos; e não se póde revogar.
JJAS, 1603 -1612, pp. 336 - 338 e 351.

Execução do Breve
de perdão geral
Reverendo Bispo, Inquisidor Geral, Viso-Rei, Amigo - Eu El-Rei vos envio muito saudar. Fernão de Mattos, meu Secretario, vos dará, com esta minha Carta, o Breve do perdão geral, que o Santo padre ora concedeu aos christãos novos, naturaes do Reino de Portugal, descendentes dos hebreus. E tendo vós intendido, do que sobre esta materia se vos communicou, as mui justas causas, e considerações de serviço de serviço de Deus e meu, que me moveram a mandar supplicar ao Santo Padre o concedesse, sem embargo dos inconvenientes, que por parte dos Prelados, e Inquisidores Apostolicos daquelle Reino me foram representados, hei por desnecessario torna-los a referir; e somente vos encommendo, e encarrego muito, que, por vos vir commetida a execução do dito Breve, e não ser conveniente que corra por outrem, tanto que chegar-des á Cidade de Lisboa, ordeneis como, sem nenhuma dilação, se publique, e o deis, e o façaes dar, á sua devida execução, na forma, e com a pontualidade que nelle se dispoem, sem falta nem diminuição alguma, para que inteiramente se cumpra a vontade de Sua Santidade, e os ditos christãos novos gozem o beneficio e graça, que lhes concede. E sendo necessario concorrer-des, como meu Viso-Rei, para o bom e breve effeito de tudo o que toca a este negocio, o podereis fazer, porque assim o hei por meu serviço; e tereis particular cuidado de me avisar, por vossa Carta, do que fordes fazendo, para eu o saber. Escripta em Valhadolid, a 13 de Dezembro, de 1604.- Rei.- Conde de Ficalho.
JJAS, 1603-1612, pp. 99-100.

Desobrigar a Fazenda Real
do pagamento de 225$000 cruzados
Eu El-Rei faço saber... que, por parte dos descendentes dos christãos novos da nação hebréa, naturaes dos Reinos e Senhores de Portugal, me foi offerecido e dito, que elles eram contentes de desobrigarem, e desobrigavam, a minha Fazenda, de pagamento de dozentos e vinte e cinco mil cruzados, que dizem serem devidos ás pessoas da dita nação, por Provisões dos Senhores Reis de Portugal, meus predecessores, de boa memoria, e se davam por pagos e satisfeitos delles, tendo respeito á mercê, que lhe fiz, em lhe alcançar do Santo Padre o perdão geral, que ora lhes concedeu - e em satisfação da perda, que o meu Fisco recebeu, nas fazendas dos culpados, comprehendidos no dito perdão - e isto além de um milhão e setecentos mil cruzados, que por o dito respeito me serviram em dinheiro.
Pelo que hei por bem, e mando, que por as ditas Provisões, e quaesquer outras escripturas, que, sobre o pagamento dos ditos dozentos e vinte e cinco mil cruzados, sejam passadas, se não faça obra, nem tenham força, nem vigor algum; por quanto, por a dita maneira, fica extincta e satisfeita a obrigação delles.
E mando que este meu Alvará se registe nos Livros das lembranças do Desembargo do Paço (...)
Domingos de Medeiros, em Valladolid, ao 1.ºde Fevereiro de 1605. E eu, o Secretario, Fernão de Mattos, o fiz escrever. - Rei.
JJAS, 1603-1612, p. 105.

Protecção Real aos lançadores
do milhão e setecentos mil cruzados
Dom Filippe, por Graça de Deos, Rei de Portugal e dos Algarves etc. Faço saber aos que esta minha Provisão virem, que, havendo respeito aos inconvenientes que podem succeder de os Lançadores e Repartidores, que tenho nomeados, e outros que se hão de nomear, para se repartir, por todos os Reinos e Senhorios desta Corôa de Portugal, o milhão e setecentos mil mil cruzados, de que as pessoas da nação hebréa me fazem ora serviço, se poderem intimidar, e recear de lançar o que cabe pagar a alguma pessoas da dita nação, e assim os mias Ministros e Officiaes, que por meu mandado intenderem na cobrança, execução, e arrecadação da dita quantia, de fazerem o que são obrigados - e para que uns e outros procedam neste negocio, sem respeitos particulares, e com a liberdade que convem - houve por bem mandar passar esta Provisão, pela qual hei por bem de tomar os ditos Lançadores, Repartidores, e mais Officiaes e Ministros, que, na cobrança repartição, e execução deste serviço, e suas dependencias, intenderem, debaixo da minha protecção e amparo Real, para que nenhuma pessoa, de qualquer condição e estado que seja, os possa ffrontar, offender, ou aggravar, em suas pessoas ou fazenda; porque, contra os que o contrario fizerem, mandarei proceder com todo o rigor, ainda que sómente haja indicios, e posto que não haja prova bastante de culpa; e pelos indicios, serão postos os que nisto delinquirem, e forem culpados, a que estejam de tormento, sem embargo de qualquer privilegio que tiverem, e das Leis e Ordenações deste Reino, que o contrario dispoem, e da Ordenação que diz que se não intenda ser por mim derogada outra Ordenação, ou Lei alguma, se da substancia della não fizer expressa menção.
E mando a todos os Desembargadores, (...).
Sebastião Pereira a fez, em Lisboa, a 23 de Abril de 1609.João da Costa a fez escrever. -- Rei.
JJAS, 1603-1612, pp. 125-126.

Não haja escusa
à cobrança do empréstimo
Eu El-Rei faço saber a v´s D. Constantino de Mello, meu nuito amado sobrinho, do Conselho de Estado, e mais pessoas que assistem na Junta da arrecadação dos um milhão e setecentos mil cruzados, com que a gente da nação hebréa me serve, pelo perdão geral, que Sua Santidade lhe concedeu, que por muitos respeitos de meu serviço, hei por bem de não isentar, por nenhuma via, nem maneira, assim por via de mercê, ou graça, como por via de contracto, ou remuneração, directa ou indirecta, a nenhuma pessoa, que fôr tida e havida por da dita nação, para deixar de pagar o que lhe fôr repartido para a contribuição do dito serviço, que se me fizer, por respeito do dito perdão geral, e despesas delle, ainda que seja fazendo-os eu nobres, cavalleiros, ou fidalgos, ou declarando os por taes.
E qualquer graça, privilegio, ou Provisão, que lhes dér, ou qualquer outro Alvará, ou Rescripto, ainda que seja via de contracto, e ainda que nelle se derogue este meu Alvará, se intenderá ser subrepticio e obrepticio, e não proceder de minha tenção - nem se poderá derogar este dito Alvará, e clausula - e se cumprirá, como se fosse feito por contracto.
Pelo que vos mando que não cumpraes, nem guardeis, nenhuma Carta minha, Provisão, nem Alvará, que seja em contrario do conteudo neste; posto que a tal Carta, Provisão, ou Alvará, façam expressa menção e derogação delle, e do dia, mez e anno, em que é feito; porque minha tenção é que este se cumpra inteiramente - e valerá (...) .
Gaspar de Abreu de Freitas o fez, em Valhadolid, a 21 de Junho de 1605. O Secretario, Luiz de Figueiredo, o fez escrever. - Rei.
JJAS, 1603-1612, pp. 139-140.

Outro Alvará que segue o contexto do Alvará anterior
E por quanto a minha tenção e vontade foi que o dito Alvará comprehendesse sómente as pessoas descendentes da dita nação, por linha femenina, e as mulheres filhas de paes christão velhos, não fossem repartidas, nem pagassem para o dito serviço, e assim vol-o tenho escripto e mandado que se faça - houve por bem de mandar passar disto este meu Alvará, para cessarem todas as duvidas, que sobre isso podia haver.
Pelo, mando que descendentes, por linha femenina, e as mulheres da dita nação, casadas com christãos velhos, e as viuvas delles, não possam ser repartidas, nem paguem cousa alguma para o dito serviço.
O que assim se cumprirá, sem embargo do dito Alvará acima incorporado e de todas as clausulas (...).
Domingos Medeiros o fez, em Madrid, a 27 de Dezembro de 1606. Eu, o Secretario, Fernão de Mattos, o fiz escrever. - Rei.
JJAS, 1603-1612, p. 186.

Reintegra a U. Coimbra nos seus privilégios
depois de alçada e sentença a tumultos
Dom Filippe, por Graça de Deus, Rei de Portugal e dos Algarves etc. Faço saber aos que esta minha Carta virem, que, sendo eu informado, pelo Reitor, Lentes e Syndico da Universidade de Coimbra, que, pela sentença que se deu, na alçada da comissão, com que Henrique de Souza, do meu Conselho de Estado, e Governador da Casa do Porto, foi á dita Cidade, está julgado que, visto como constou, dos autos e devassas que se tiraram dos excessos e tumultos que nella se fizeram, quando nella se soltaram os presos da nação hebréa dos carceres do Santo Officio, em virtude do perdão geral, serem culpados nos ditos excessos e tumultos muitos Estudantes da dita Universidade, contra os quaes se não procedeu particularmente, por lhe não saberem os nomes - e que, para se evitarem semelhantes insultos, e haver delles castigo, da publicação da dita sentença em diante, em todos os delictos que se commettessem na dita Cidade de Coimbra e seu termo, por Estudantes d'aquella Universidade, o Corregedor da Commarca, e Juiz de Fóra, recebessem delles querellas e denunciações, e inquerissem, e conhecessem dellas, sem as remetter, procedendo contra os delinquentes, e sentenceando-os, como lhes parecesse justiça, dando appelação e aggravo de suas sentenças para a Casa da Supplicação, como o houvera de dar o Conservador da dita Universidade - e que no inquerir, houvesse entre os ditos Corregedor e Juiz de Fóra e Conservador, logar a prevenção - e que pelo mesmo modo conhecessem contra elles, quando fossem achados de noite, depois do sino, com armas, ou em qualquer outro tempo com ellas, sendo defesas, ou andando embuçados, fossem levados presos, pelos Ministros que os prendessem, ante os Julgadores, de que os taes Ministros fossem inferiores - os quaes os metteriam em suas cadêas.
E ora, por justos respeitos que me a isso movem, e por folgar de fazer mercê á dita Universidade, hei por bem de lhe concedeer, como por esta minha Carta lhe concedo, por nova mercê e graça, os privilegios, que pela dita sentença lhe foram tirados, sem embargo do que por ella está sentenceado, e de ter passado em cousa julgada - e que a dita Universidade tenha e haja os ditos privilegios, e goze delles, na mesma fórma que lhe foram concedidos pelos Reis meus antecessores, e como usava e gozava, antes da dita sentença ser dada.
E desta nova mercê lhe mandei passar esta Carta, por mim assignada, e sellada com o sello das Armas Reaes, a qual mando que se cumpra inteiramente, como nella se contém etc.
Domingos de Medeiros a fez, em Madrid, a 27 de Maio - Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesu-Christo de 1607. E eu, Francisco Pereira de Bettencourt, a fiz escrever. - Rei.
JJAS, 1603-1612, p. 192.

Não se admitam letrados
da nação hebreia
Por Carta Régia de 24 de Maio de 1605 – foi determinado que se não admitissem letrados, que notoriamente fossem da nação hebréa, por qualquer via que fosse, nem tão pouco os que fossem casados com christãs novas inteiras, salvo quando Sua Magestade dispensasse – e que os que já tivessem sido admitidos, não seriam excluidos, uma vez que não errassem em seu officio.
JJAS, 1603-1612, p. 128.

Licença para profissão de Cavaleiro
 Em Carta Regia de 30 de Maio de 1605. - O doutor Gregorio Rodrigues d'Oliveira me enviou dizer, por sua petição, que, por quanto elle está occupado na execução do serviço, que os Christãos novos naturaes desse Reino me tem offerecido, não póde por essa causa fazer ausencia dessa Cidade de Lisboa fosse servido de lhe conceder licença, para no mosteiro de Nossa Senhora da Luz receber o habito de Nosso Senhor Jesu-Christo, de que lhe tenho feito mercê: – e havendo eu a isso respeito, hei por bem que assim se faça; e vos encomendo que ordeneis, que, tendo elle feito as provanças, na fórma dos Estatutos e definições da dita Ordem, e do Regimento novo, se lhe passem as Provisões necessarias, para lhe ser lançado o habito no dito mosteiro, ou se ponha disso postilla nas que já estiverem feitas, e me venham para eu assignar.
Christovão Soares.
JJAS, 1603-1612, p. 128.

Não se consultem Comendas
nem Hábitos
Por Carta Regia de 26 de Janeiro de 1610 – foi recomendada a prohibição de consultar Commendas ou Habitos das Ordens Militares em quem tivesse raça da nação hebréa.
JJAS, 1603-1612, p- 285.

Não haja contrato
sobre os bens a confiscar
Reverendo Bispo, Inquisidor Geral, Amigo - Eu El-Rei vos envio muito saudar. - Vi a consulta do Conselho Geral do Santo Officio da Inquisição, sobre a pertenção, que ahi se intendeu que os christãos novos, naturaes desse Reino, tinham, de contractar os bens, que o Direito dispõe, que se confisquem aos que por suas culpas o merecem, e o mais que sobre esta materia me escrevestes; e tudo me pareceu bem considerado, e mui conforme ao cuidado e vigilancia, com que atendeis á obrigação de vosso cargo, e se procede naquelle Tribunal; e assim vol-o agradeço muito, e me hei nisto por muito bem servido de vós, e dos do dito Conselho, a que me pareceu significal-o tambem, pela minha Carta, que aqui irá para elles, com copia della, para verdes o que ácerca disto lhes digo, e como de vós hão de intender a resolução que nesta materia tenho tomado.
E porque, antes da dita consulta e vossa carta me chegarem, tinha eu presentes e intendidas razões que ha para se não admittir a pertenção desta gente, e assentado, conforme a isto, que por nenhum casso se fizesse; vendo todavia o que me representaes, hei por bem que, não só se cumpra o que, como fica dito, tenho resoluto, mas que se ponha neste negocio, agora e para sempre, silencio perpetuo. (...)
Escripta em Madrid a 2 de Outubro de 1607. - Rei.
JJAS, 1603- 1612, p. 207.

Limitações á saída
Eu El-Rei faço saber..., que eu passei, a cinco do mez de Junho do anno passado de mil seiscentos e cinco, outro meu Alvará, pelo qual mandei que nenhuma pessoa descendente da nação hebréa se podesse sahir para fóra dos meus Reinos de Portugal, sem licença e Provisão minha, por mim assignada ou por Dom Constantino de Mello, meu muito amado sobrinho, do meu Conselho de Estado, e Presidente da Junta do serviço do milhão e setecentos mil cruzados, com que dita nação me tem servido; na qual licença declararia como as pessoas que se fossem tinham pago ou dado fiança segura a pagar o que lhes era repartido.
E porque eu sou ora informado que, sem embargo que por o dito Alvará tenho mandado, se vão algumas das ditas pessoas, sem pagar nem dar fiança; e que, por parte de minhas Justiças, se não tem nisso o cuidado e vigilancia devida, o que é muito contra meu serviço; e querendo n'isso prover - hei por bem que nenhuma pessoa, que fôr tida e havida por da dita nação, se possa sahir dos ditos meus Reinos de Portugal, sem ter com effeito pago o que dever do que já lhe fôr repartido, e sem dar fiança, a satisfação da dita Junta, a pagar o que lhe fôr repartido nos prazos delle ao diante.
E que todas e quaesquer das ditas pessoas, que, sem isto haver precedido, se forem (da feitura deste em diante) para fóra do Reino, incorram em perdimento de toda sua fazenda e bens, e os percam para minha Corôa; e da mesma maneira os que se acharem embarcados, ou nos pórtos de terra firme para sahirem.
E será a terça parte das ditas fazendas e bens para o denunciador, ou Ministro da Justiça, que achar que as ditas pessoas se foram ou vão para fóra do Reino, pela maneira que fica dito.
E nas mesmas penas hei por bem que incorram todos e quaesquer Ministros meus, que forem comprehendidos de haver deixado sahir as pessoas, contra fórma desta minha Provisão, ou de se haverem para esse efeito concertado com ellas, além de serem castigados com as mais penas crimes, que eu houver por meu serviço; … e que tambem das fazendas destes haja a terça parte, o denunciador.
E mando a todos os Corregedores, etc.
Domingos de Medeiros o fez, em Madrid, a 27 de Dezembro de 1606. E eu, o Secretario, Fernão de Mattos o fiz escrever. - Rei.
JJAS,1603-1612, p. 185.

Sobre a licença de saída
Dom Filippe por Graça de Deus etc. Faço saber... que El-Rei meu senhor e Pai que Santa Gloria haja, fez uma Ordenação e Lei, a 27 dias do mez de Janeiro de 1587 annos, por que houve por bem e mandou, pelas acusas e respeitos nella declarados, que outra Lei, que havia feito o Senhor Dom Sebastião, meu Primo, que Deus tem, e uma Provisão de declaração della, incorporadas na mesma Lei, por que mandava que nenhuma pessoa da nação dos christãos novos, assim naturaes, como estrangeiros, de qualquer qualidade, condição e idade que fossem, se não saissem fóra dos Reinos e Senhorios de Portugal, por mar nem por terra, nem para a India, nem para nenhuma das Ilhas, nem partes da Guiné, nem para o Brazil, sem sua especial licença, ou dando fiança - nem vendessem, sem a dita licença, seus bens de raiz, tenças, nem rendas de cada anno, que tivessem nos ditos Reinos e Senhorios - e isto, em quanto elle houvesse por bem, e não mandasse o contrario, se comprisse e guardasse d'ahi por diante inteiramente, assim e da maneira que nella se continha - sem embargo do dito Rei Dom Sebastião, por causas e respeitos que então a isso o moveram, ter revogado, por um seu Alvará, a dita sua Lei, e Provisão em que a declarava.
E posto que a dita Lei d'El-Rei, meu Senhor e Pai, se praticou, e se usou della, por alguns annos; todavia, no de mil seiscentos e um, me pediram os ditos christãos novos lhes fizesse mercê de a mandar revogar, e as que fizeram os Senhores Reis seus predecessores, sobre a mesma materia - o que mandei ver pelos de meu Conselho, e outras pessoas doutas, e examinar as causas e razões que para isso allegaram, e tomar as mais informações necessarias:
E por parecer então que nas ditas Leis, e execução dellas, receberiam os ditos christãos novos grande vexação, e que seria justo livra los della, e que assim cumpria ao bom governo dos ditos meus Reinos - e por intender que saberiam conhecer a mercê que nisto lhes fazia, e que procederiam de maneira, que merecessem estas e outras mercês e favores:
Houve por bem revogar as ditas Leis, pelas quaes lhes estava prohibido sahirem dos ditos Reinos, e venderem suas fazendas de raiz, sem licença minha - e de lhes fazer mercê que, d'ahi em diante, se podessem ir para fóra delles, com suas familias e casas movidas, ou sem ellas, e tornarem a entrar, sem poderem ser accusados de se haverem sahido sem licença - e que outrosim podessem vender as ditas suas fazendas, cada vez que quizessem, livremente, sem para isso lhes ser necessario licença alguma - com outras clausulas e condições, conteudas na Carta que disso lhes mandei passar, a quatro dias do mez de Abril do dito anno de seiscento e um.
E porque depois da dita licença, e mercê, que pelas ditas razões lhes fiz, fui informado, por diffrentes vias, que os ditos christãos novos usavam mal della, e que resultavam disso grandes inconvenientes (que em particular me foram representados) contra o serviço de Deus, pureza de nossa Santa Fé, e em damno de suas almas e consciencias - e que chegava isto a termos, que obrigava a se lhes acudir com prompto e efficaz remedio, antes do damno ir mais por diante:
Movido destas tão graves e urgentes causas - mandei ver a materia, juntamente com a Carta da dita mercê e licença, aos maiores Tribunaes, por pessoas de grande confiança, do meu Conselho, e de muitas letras e experiencias de negocios.
E depois de se haver visto tudo - resolvi que não convinha, nem devia passar adiante a dita licença.
E assim fundado nas justas considerações, causas e razões, que para isso ha - hei por bem e me praz de revogar e annullar, e com effeito, de meu proprio motu e certa sciencia, revogo e annullo a Carta que della se passou aos ditos christãos novos, e a hei por revogada e annullada, não só em quanto tem força de Lei, mas em quanto tem razão de contracto - e que se não della, nem faça de nenhuma maneira mais obra por ella, pelo assim haver por muito serviço de Deus e meu, e bem da dita gente da nação, e de suas almas. (...).
Pelo que mando a todos os meus Desembargadores etc.
Dada em Valhadolid, a 13 dias de Março de 1610. Afonso Rodrigues de Guevara a fez. E eu Fernão de Mattos a fiz escrever. Rei.
JJAS, 1603-1612, pp. 286-288.

Reverendo Bispo Inquesidor Geral, Amigo. - Vi a consulta do Conselho Geral do Santo Officio, que me enviastes em 21 de Fevereiro passado, sobre a licença que está concedida aos christãos novos, descendentes da nação hebréa, naturaes desse Reino, para se poderem sahir delle com suas fazendas e familias. E assim o que contém a dita consulta, como o que na vossa carta (com que ella veio) se diz sobre esta materia, me pareceu tudo mui bem considerado, e mui conforme, e proprio do zêlo e devido cuidado, com que ahi se tracta do que convem para se conseguir o maior serviço de Deus e pureza de nossa Santa Fé; e assim vol-o agradeço muito, e vos encomendo que o mesmo digaes de minha parte aos do dito Conselho. A resolução deste negocio intendereis do Marquez Viso-Rei, e o mais para execução della se lhe escreve que vos communique. E porque importa, quanto considerareis, que se não perca nisto nenhum tempo, agradecer-vos-hei muito a proveitar delle assim por vossa parte. E não me pareceu necessario, para effeito do que está assentado, nem conveniente, tratar-se do Breve que apontaes. Escripta em Madrid, a 12 de Fevereiro de 1610. Rei.
JJAAS, 1603- 1612, p. 290.

Reverendo Bispo, Inquesitor Geral, Amigo: - Eu El-Rei vos envio muito saudar etc. - Eu tenho algumas infomações sobre a concessão feita aos christãos novos, naturaes desse Reino, para poderem sahir livremente delle, com suas familias e fazendas (pela qual me serviram com 200 mil cruzados) que obrigam a mandar ver que inconvenientes resultam ou podem resultar da dita concessão; e se são taes, que convenha revogar-se, e em que fórma se poderá justamente fazer, e ficar firme, suppostas as clausulas que a dita concessão tem; e considerando eu a noticia que no Conselho Geral da Inquesição haverá desta materia, e vosso zelo, e dos Ministros que n'aquelle Tribunal assistem, me pareceu encomendar-vos (como faço) que conforme a muita importancia de que é, ordeneis se tracte delle, vendo-se particularmente o Alvará ou Provisão desta concessão, e que se faça consulta em que se diga o que se offerecer sobre cada um dos pontos referidos, a qual me enviareis com toda a brevidade possivel, avisando-me juntamente de vosso parecer.
Escripta em Madrid, em 14 de Janeiro de 1609. - Henrique de Sousa - Rei.
JJAS, 1603-1612, p. 296.

Derroga a Provisão
de 30 de Junho de 1567
Eu El-Rei Faço saber aos que este Alvará virem, que, havendo respeito ao Senhor Rei Dom Sebastião, que está em Gloria, ter defeso, por Provisão passado em 30 de Junho de 1567, que está incorporada na Extravagante, que nenhuma pessoa da nação hebréa podesse ir, por mar, fóra destes Reinos, sem sua licença, ou dar fiança, ao menos, de quinhentos cruzados, de tornar a elle dentro em um anno, e não tornando dentro delle, a perder:
E depois, por outra Provisão e Apostilla, passadas em 15 e 20 de Março de 1568, defender que não podessem ir, nem fossem, ás partes da India, sem licença, por elle assignada, sob pena dos que o contrario fizessem serem presos, e perderem todas suas fazendas, ametade para quem os acusasse, e a outra para sua Camara:
E havendo outro sim respeito aos porque as ditas Provisões foram passadas, e ao que é disposto pela Lei moderna, e por outros justos respeitos, que a isso me movem:
Hei por bem (sem embargo do que contem na dita Provisão, passada no anno de 1567, sobre o darem fianças) que nenhuma pessoa da dita nação hebréa possa ir, nem vá, as ditas partes da India, e ás mais ultramarinas, sem minha licença, por mim assignada - sob as penas e pela maneira declarada na dita Provisão, passada no anno de 1568:
Com declaração que isto se não intenderá nos que não foram obrigados a pagar a finta do perdão geral, que se concedeu aos da dita nação.
E mando que, tanto que as náos, que em cada um anno forem para as ditas partes da India, sahirem da barra desta Cidade, o Capitão- mór e Capitães dellas, cada um na sua, tire devassa se vão nellas algumas pessoas da dita nação - e as que acharem, as mandem prender e meter, com os mantimentos que levarem, nos navios que encontrarem, que forem para os logares ultramarinos, entregues aos Mestres delles, com seus precatorios, em que se declare a causa da sua prisão, para os Capitães, e Justiças, aonde forem, os enviarem presos a este Reino - fazendo-se autos das entregas, que ficarão em poder dos ditos Capitães - os quaes levarão nas mesmas náos a fazenda que as taes pessoas levarem nellas, entregue a depositario.
E não achando na viagem navio em que enviem as ditas pessoas, pela maneira que dito é, ou não o podendo fazer com commodidade, as levem á India, e entreguem ao dito Ouvidor Geral - o qual proceda contra ellas, na fórma da dita Provisão, passada no anno de 1568 - e as faça embarcar para este Reino, nas náos da Armada do anno seguinte, com procedido das fazendas, enviando com ellas a cópia da devassa, inventário, e autos, dirigidos no Conselho da India, ficando-lhe lá os originaes, para os casos que podem succeder. (...)
E este Alvará se cumprirá (...).
Francisco Ferreira o fez, em Lisboa, a 9 de Fevereiro de 1612. João Travassos da Costa o fez escrever. - Rei.
JJAS, 1603-1612, p. 324.                                                                                
                                                                                    
Repartição dos empréstimos
pelos cristãos-novos das Índias de Castela
Em Carta Regia de 4 de Fevereiro de 1615. - Ordenareis que no Desembargo do Paço se veja o que em consciencia estou obrigado a fazer sobre o que cabia repartir aos christãos novos que vivem nas Indias de Castella e Aragão, para o serviço que a nação delles me fez, pelo perdão geral que se lhes concedeu - e que do que parecer, se faça consulta, que me enviareis.
Christovão Soares
JJAS, 1613-1619, p. 114.

St.º Ofício exige relação dos ausentes
Importa ao serviço de Deus e do Santo Officio saber das pessoas da nação hebrea, que dessa Igreja de V. M. e suas anexas se tem ausentado, destes Reinos e Senhorios de Portugal: pelo que lhe requeremos, da parte da Santa Sé Apostolica, e da nossa pedimos, que com a brevidade possivel, cautella e segredo, inquira e saiba de todas as pessoas da nação, que se tem ausentado desses ditos seus logares, e dos mais que na margem desta lhe fôr encommendado, assim homens como mulheres, com declaração de seus nomes, idades, officios, tratos e respondencias que tinham, donde foram naturaes, moradores, e se ausentaram, e para que partes, e aonde ao presente residem, e em que tempo se foram, e por que causas, e se com casa movida, e com quantas pessoas, que feições tem do corpo, se altos, se baixos, se grossos, se magros, se alvos, se pretos, que côr de rosto, barba, olhos, se são casados, e com quem, se viuvos, que mulheres tiveram, se solteiros cujos filhos, e com todos os mais signaes e confrontações que se poderem alcançar para se vir em melhor conhecimento das ditas pessoas ausentadas.
E do que achar mandará lista, nas costas desta Carta, que tornará a enviar á pessoa por cuja via e ordem lhe fôr dada, e assignada nella, ao pé dos nossos signaes, por pessoa certa que se lhe obrigue a entregal-a com fidelidade, para que, não o fazendo assim, depois se possa obrigar a dar conta della, e V. M. ter por onde fique desobrigado disso - e a brevidade lhe encommendamos mui particularmente.
E authoritate apostolica, de que usamos nesta parte, mandamos e admoestamos, uma pelas tres canonicas admoestações que guarde o segredo disto, sob pena de excommunhão maior, aliás, se haja por excommungado - a qual sentença de excommunhão em V. M. como contumaz, se fizer o contrario, nós D. Francisco de Menezes, e Ruy Fernandes de Saldanha, Inquisidores Apostolicos, pomos nestes escriptos, reservando para nós a absolvição della, se porventura a incorrer - e lhe commetemos podel-a tambem pôr ás pessoas de que fôr precisamente necessario inquiririr e informar-se nesta diligencia - e assim lhe pedimos e encommendamos que de todas as mais pessoas da nação, que pelo tempo em diante se forem ausentando, na mesma conformidade e segredo, nos vá avisando por carta sua.
Deus Guarde a V. M. Coimbra, hoje 20 de Novembro de 1613. - D. Francisco de Menezes. - Ruy Fernandes Saldanha.
JJAS, 1613-1619, pp.65-66.

Proibição de saída
e venda da fazenda
Em Carta Regia de 19 de Fevereiro de 1619 - Tenho intendido que alguns mercadores da nação hebréa, dos mais ricos desse Reino, pertendem ausentar-se delle, como outros o tem já feito, pela licença geral que dizem lhes está concedida, e as razões em que se fundam - e pareceu-me dizer vos que, por quanto não ha licença geral, por onde elles o possam fazer, antes está em seu vigor a Lei por que se lhes prohibio poderem sahir desse Reino, e vender as fazendas que nelle tiverem, e que pelo muito que importa observar-se, vos hei por muito encarregado ordenardes que se tenha particular cuidado em os vigiar, encarregando os Corregedores das Commarcas que, se succeder ausentarem-se algumas pessoas da nação, que nellas viveram, enviem em seu seguimento precatorios para serem presas nos logares por onde houverem de passar, e m'o avisem tambem, por via do Conselho dessa Corôa, que reside nesta Côrte, para que se procure evitar-lhe a entrada pelos portos de França - e demais das diligencias referidas, vereis que outro se poderá aplicar, para que se cerre de todo a porta á saida desta gente, e m'o aviseis. - Christovão Soares.
JJAS, 1613-1619, pp 347-348.

Por Carta Regia de 10 de Novembro de 1621 - foi determinado que se cumprissem as ordens dadas para não sahir do Reino gente da nação dos christãos novos, como era de esperar intentassem muitos, por temor dos Autos da Fé que se tinham mandado fazer.
JJAS, 1620-1627, p. 57.

Em Carta Regia de 17 de Julho de 1624 - com carta de 29 do mez passado enviastes uma consulta do Desembargo do Paço, sobre a licença que pediam os homens de negocio da nação hebrea naturaes desse Reino, para irem ás Conquistas, e venderem suas fazendas, sem embargo das prohibições em contrario - e havendo-a visto, hei por bem, conformando-me com o que pareceu, e com as razões que se apontaram, que se lhes não defira - Christovão Soares.
JJAS, 1620-1627, p. 124.

Perdão aos christãos-novos
que se denunciassem e abjurassem
Eu El-Rei faço saber..., que, havendo mandado tratar, com particular cuidado e attenção, do remedio que se podia dar aos grandes damnos que o Reino de Portugal padece, por causa do judaismo que nelle com tanta soltura vai lavrando, e com o parecer do Inquisidor, e dos meus Governadores, e Deputados do Conselho Geral do Santo Officio, ordenei que a materia se visse tambem nesta Côrte, por Ministros, e outras pessoas de letras e confiança; e depois de conferido tudo, com a ponderação que requer a muita importancia de que é, e consultado comigo, esperando que será Deus servido de ajudar o zêlo e intento que tenho de se acertar:
Pareceu se devia conceder a todos os descendentes da nação hebréa, naturaes do dito Reino de Portugal, Edito de graça, na fórma costumada:
E por o Bispo D. Fernão Martins Mascarenhas, Inquisidor Geral em os meus Reinos e Senhorios de Portugal, haver de passar o dito Edito de graça, pedindo-me houvesse por bem de perdoar e remetter os bens e fazendas a todas as ditas pessoas da nação hebréa, naturaes do dito Reino, que dentro do tempo da graça, que lhe fôr concedido pelo dito Inquisidor Geral, se vierem voluntariamente, ante os Inquisidores e Ministros por elle para isso deputados, reconciliar, e pedir perdão de suas culpas de heresia e apostasia, que tiverem commetido:
E querendo eu, como Catholico Rei, que as ditas heresias sejam estirpadas dos ditos meus Reinos de Portugal, e nossa Santa Fé seja exaltada, para que as pessoas que forem culpadas nos taes erros e crimes mais facilmente se confessem, e peçam perdão delles, e se convertam á nossa Santa Fé Catholica, sem recearem que pela tal confissão hão-de perder suas fazendas; o que por ventura não confessariam, com temor de as perder:
E por quanto as ditas fazendas, em caso que as perdessem pelos erros e culpas, se haviam, por Direito e minhas Ordenações, de confiscar para o Fisco e Corôa de meus Reinos, e por outros respeitos de serviço de Deus Nosso Senhor, que a isso me movem:
Hei por bem e me praz que todos as ditas pessoas da nação hebréa, naturaes do dito Reino de Portugal, que dentro do tempo da graça, que pelo dito Inquisidor Geral lhe fôr assignado, se vierem, perante, perante os Inquisidores do Santo Officio e Ministros por elle para isso deputados, accusar voluntariamente de seus erros, e confessarem suas culpas, não percam por razão delles seus bens, e fazendas, nem lhe sejam por isso embargados, escriptos, nem sequestrados, e que livremente os possam haver e possuir, e possuam, em sua vida, e por seu falecimento fiquem a seus herdeiros e successores, assim e da maneira que lhe houveram de ficar, se não commeterem as ditas culpas e delictos; porque, usando com elles de graça, lhes faço mercê dos ditos bens e fazendas.
E mando a todos os meus Desembargadores (…).
Manoel Dias da Costa o fez, em Lisboa, aos 7 de Agosto de 1627 annos. Simão Lopes o subscrevi. - Rei.
N. B. Em virtude deste Alvará, publicou o Inquisidor Geral o Edicto de graça, em 10 de Setembro do mesmo anno, aprazando o termo de tres mezes para os presentes, e de seis para os ausentes, a contar da sua publicação, e promettendo aos que verdadeiramente confessassem seus crimes e erros allivio de toda a pena corporal e penitencia publica.
JJAS, 1620-1627, pp.71-72.

Saída do Reino
dos Clérigos da Nação
Em Carta Regia de 20 de Julho de 1620 - Enviastes nos despachos de 18 de Dezembro e 22 de Janeiro passados duas consultas do Desembargo do Paço uma sobre (...)
Outra sobre se evitar aos Clerigos da nação a sahida desse Reino - e para se responder a esta, ordenareis que o Desembargo do Paço veja e declare se os Clerigos se comprehendem tambem na prohibição geral; e a consulta que se fizer, me enviareis, com o vosso parecer.
Marçal da Costa.
JJAS, 1620-1627, p.74.

Cristãos-Novos saiam livremente
Dom Filippe, Rei de Portugal etc. Faço saber..., que El-Rei meu Senhor e Pai, que Santa Gloria haja, em 4 de Abril, e 31 de Julho do anno de 1601, passou duas Cartas, pelas quaes, por respeitos e razões nellas declaradas, revogou a Ordenação e Lei que o Senhor Rei Dom Filippe I, meu Avô fez em 27 do mez de Janeiro do anno de 1587, na qual tinha ordenado que outra Lei, que havia feito El-Rei Dom Sebastião, que Deus tem, e uma Provisão de declaração della, incorporada na mesma Lei, por que se mandava que nenhuma pessoa da nação de christãos novos, assim naturaes como estrangeiros, de qualquer qualidade, condição, e idade que fosse, sahisse fóra dos Reinos, e Senhorios de Portugal, por mar ou por terra, por parte alguma, nem para as Conquistas e Senhorios do Reino de Portugal, sem sua especial licença, ou dando fiança de se tornar em certo tempo, nem vendesse, sem a dita licença, seus bens de raiz, juros, tenças, nem rendas, que tivesse nos ditos Reinos e Senhorios, e em quanto o houvesse por bem, e não mandasse o contrario, se cumprisse e guardasse d'ahi por diante inteiramente, assim e da maneira que nella se continha, sem embargo do dito Rei Dom Sebastião, por causas que a isso o movera, ter revogado a dita sua Lei, e Provisão da declaração della.
E posto que as ditas Cartas de meu Senhor e Pai, dos ditos 4 de Abril e 31 de Julho de 1601, se praticaram e se usou dellas alguns annos; com tudo, tendo o dito Senhor respeito aos inconvenientes que lhe representaram, houve por bem de as revogar, e annular, por uma Provisão sua, passada em de Março de 1610, na qual mandou e ordenou, que, sem embargo das Cartas que tinha passado em os ditos 4 de Abril e 31 de Julho de 1601, se cumprisse guardasse inteiramente a dita Lei do Senhor Rei Dom Filippe, meu Avô,, e a de El-Rei Dom Sebastião, e Provisão de sua declaração, desde os ditos 13 de Março de 1610 em diante, e assignou e revalidou, com todas as clausulas, condições e penas nellas conteudas, que houve por expressas e declaradas, como se nunca fossem revogadas, e annuladas.
E agora, por justas causas e respeitos que a isso me moveram, havendo-o mandado ver, hei por bem e me praz que as pessoas da dita nação dos christãos novos, possam livremente, sem licença minha, nem fiança alguma, irem destes meus Reinos e Senhorios para fóra delles, com casas movidas ou sem ellas, por mar ou por terra; e da mesma maneira possam ir á India, e todas minhas Conquistas, Commercio, e Senhorios destes meus Reinos, e estarem nas ditas partes, sem serem obrigados a fiança, nem a se tornarem em tempo; e que possam outrosim livremente, sem licença alguma, vender seus bens de raiz, juros, tenças e outras rendas.
E isto sem embargo da dita Lei de El-Rei Dom Sebastião, e Provisão da declaração della, e da dita de El-Rei Dom Filippe, meu Senhor e Avô, de 27 de Janeiro de 1587, e da dita Provisão de El-Rei meu Senhor e Pai, de 13 de Março de 1610, e de quaesquer outras Leis e Ordenações destes Reinos, e Regimentos, Provisões e ordens que em contrario haja, que todas e cada uma dellas, com todas as clausulas, condições, e penas nellas conteudas e declaradas, revogo, e hei por revogadas e annulladas, como se de cada uma dellas de seu teor se fizera expressa e especial menção, e assim e da maneira que se contem nas Cartas de El-Rei meu Senhor e Pai, de 4 de Abril e 31 de Julho do dito anno de 1601, que revalido, para que fiquem em sua força e vigor, e se cumpram e guardem, como nellas se contem.
E outrosim hei por bem que as denunciações e causas que estiverem dadas e correrem até ao presente por razão de algumas pessoas da dita nação se haverem ausentado e sahido fóra do Reino, sem minha licença, ou sem fiança, ou por haverem perdido as fianças que tinham dado, ou por haverem vendido suas fazendas, sem licença minha, ou por outro qualquer modo, houverem encontradas as ditas Leis e prohibições, cessem de todo, e não vão mais por diante, nem se recebam outras fundadas nas ditas causas, pondo-se em todas perpetuo silencio, e levantando-se quaesquer sequestros e embargos, feitos por razão das ditas denunciações, e causas pendentes.
E mando aos Juizes e Ministros a que o conhecimento dellas pertencer, e a quaesquer outros, não procedam mais nellas, nem por via alguma conheçam de requerimento que sobre o seguimento dellas se lhes fizer, porque os dou por inhibidos, e lhes tiro toda a jurisdicção para o poderem fazer.
Com declaração que isto se não intenderá nas causas que estiverem sentenceados por sentenças passadas em julgado até 15 do mez de Outubro deste anno de 1629.
O que tudo quero que se cumpra e guarde de meu motu proprio, certa sciencia, poder Real e absoluto, sem embargo de quaesquer Leis, Ordenações, Regimentos, Provisões e outra ordens em contrario.
Pelo que mando etc.
Dada em Madrid, aos 17 dias do mez de Novembro, Francisco Barbosa o fez.  Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesu Christo de 1629. Gabriel de Almeida de Vasconcelos a fez escrever. - El-Rei.
Gabriel Pereira de Castro
JJAS,1627-1633, pp. 158-159.

Ouro e prata levado por cristãos-novos
Em Carta Regia de 28 de Junho de 1630 - Vi uma consulta do Desembargo do Paço sobre a ordem que desse Governo se enviou ao Desembargo do Paço, em razão do ouro, prata, e outras cousas defesas, com que a gente da nação sai desse Reino - e pareceu- me dizer-vos que foi acertado mandardes tirar a devassa que apontaram os ultimos dous votos - e avisar-se-me-ha, como já o tenho ordenado, que logares se signalaram para a sahida desta gente, e do que está disposta para que se intenda que sahiram. (...)
JJAS, 1627-1633, p. 180.

Contributo para a guerra de Pernambuco
Eu El-Rei faço saber..., que eu sou informado haver muitas dizimas para arrecadar, e se não ter posto em effeito pelas comissões que para isso tenho dado, e convir a meu serviço arrecadarem-se as ditas dizimas com toda a brevidade, e sem dilação alguma, para a occasião presente da Armada do socorro do Brazil.
E pela confiança, e bom expediente com que procedeu o Desembargador Cidade de Almeida na arrecadação do que a gente da nação offereceu para socorro de Pernambuco, e pela experiencia que tem destas dizimas, por haver sido Juiz da Chancellaria - hei por bem, que o dito Desembargador, com os Officiaes da Chancellaria da Casa da Supplicação, ponham em arrecadação as dizimas (...).
JJAS, 1627-1633, pp.207-208.

Isentos de confisco para formação
de Companhia de Comércio
Eu El-Rei faço saber..., que considerando as justas e urgentissimas razões, que ha para haver de acudir com todos os meios possiveis á defensão destes meus Reinos e Senhorios de Portugal, e segurar as Conquistas delles; e principalmente a pureza e conservação da Fe Catholica nos moradores dellas, que está muito arriscada, com os Hereges do Norte a poderem perder com sua falsa doutrina; e achando que um dos mais poderosos meios para isto se conseguir, é haver neste Reino commercio livre, sem os bens e fazenda de tal commercio ficarem sujeitos a sequestro, confiscação e perdimento delles; e porque as com que pela maior parte se sustentam as dos homens de negocio e gente de nação, assim da que reside e mora no mesmo Reino e suas Conquistas, como nos outros Reinos e Provincias, que com elle tem trato e correspondencia, as quaes, por estarem sujeitas á confiscação, é necessario segurarem-se para o commercio se poder sustentar, proseguir e augmentar.
E representando-se-me, pelos homens de negocio, e gente de nação, fariam uma Companhia, em que elles e os mais Vassallos desta Corôa entrassem com cabedaes e fazendas, que lhes fosse possivel, por conta da qual, sem outro gasto da minha Real Fazenda, andassem no mar trinta e seis Galeões de guerra, que fossem e que viessem às ditas Conquistas, dando guarda ás embarcações e fazendas, que forem e vierem dellas, e as recolham seguras dos inimigos, com evidente utilidade do Reino e Vassallos delle, e direitos de minhas Alfandegas - o que fica sendo serviço de tão grande consideração para o bem commum, que merece, não somente ser acceitado, mas ajudado, e favorecido, com lhes fazer para elle toda a graça, e mercê, que couber debaixo de meu Real poder; e para o que não estiver nelle, lhes dar todo o amparo, ajuda e favor:
E intendendo que o principal meio, com que se poderia augmentar e conservar a dita Companhia, seria não ficarem sujeitas a sequestro, confiscação, e condemnação, as fazendas, e bens dos ditos homens de negocio, e gente de nação, acontecendo que sejam presos, ou condemnados, pelo Santo Officio da Inquisição, pelos crimes de heresia, apostasia, ou jodaismo:
E achando juntamente, que o podia fazer de direito, não sómente por via de graça, e doação, por os ditos bens, desde o dia do crime commettido, pertencerem a meu Real Fisco, mas tambem por modo de contracto oneroso, celebrado com elles, ficando-lhe por esta forma arrendado o commodo e utilidade de tal bens, que me pertencia, pela despesas e obrigação da dita Companhia, como resolveram os maiores Letrados, Theologos, e Juristas, com os quaes os mandei consultar; e como achei que já fizeram, por outras justas razões, que então se offreceram, oa Senhores Reis Dom Manoel, e Dom João o III, e Dom Sebastião, meus Predecessores, mandando que os bens da dita gente de nação, se não confiscassem pelos ditos crimes, em todo, nem em parte.
Por tanto, havendo precedido sobre tudo mui madura consideração, e com parecer dos do meu Conselho, não sendo minha tenção remittir a pena de confiscação, posta pelo Direito canonico aos ditos crimes, nem impedir, em algum modo, o exercicio do Santo Officio nelles, senão, ficando a dita pena sempre salva, e o dito exercicio em seu vigor, largar, e admittir, não por graça, mas por contracto oneroso, o commodo e utilidade dos ditos bens, que pertencia a meu Real Fisco, depois dos crimes commettidos e sentenças dadas, que é o que fica debaixo de meu Real poder:
Hei por bem e me praz, que os bens e fazendas, de qualquer qualidade que sejam, da gente da dita nação, de todos meus Reinos e Senhorios, assim naturaes, como estrangeiros, que forem presas, ou condemnadas pelo Santo Officio pelos ditos crimes de heresia, apostasia, ou judaismo, não sejam sequestradas e inventariadas ao tempo das prisões, nem sejam incorporadas em meu Real Fisco ao tempo das sentenças condemnatorias; não deixando porem de se pôr, e declarar nellas, a pena da confiscação, em que por direito incorreram os delinquentes.
E isto, ou os ditos condemnados e presos estejam presentes, ou ausentes.
Para o que, se necessario é, desde agora para então, lhes dimitto os ditos bens, por via do dito contrato honeroso, e poderão os condemnados dispôr delles livremente, com tanto que seja em favor dos Catholicos. E deste Alvará gozarão todos os que diante forem presos, accusados e condemnados, desde o dia da data delle; excepto sómente aquelles, que morreram impenitentes, com pertinacia em seus erros judaicos, ou heresias, não confessando nossa Santa Fé Catholica; aos quaes, sendo condemnados, como taes, serão então confiscados seus bens, em qualquer poder que estiverem.
E sendo necessario, para maior seguridade do conteudo neste Alvará, impetrar-se authoridade e confirmação delle, da Sé Apostolica, a mandarei impetrar, por meus embaixadores, sendo por ella admitidos; e em quanto o não forem, se as pessoas da dita nação, ou algumas dellas, a quizerm alcançar, a poderão impetrar; e no entretanto que se alcançe, sempre se guardará e ficará em seu vigor.
Notifico-o assim ao Bispo Inquisidor Geral, Dom Francisco de Castro, do meu Conselho de Estado; e lhe encommendo e encarrego, que assim o cumpra e guarde, e faça cumprir e guardar a todos os Deputados do Conselho Geral, e a todos os Inquisidores, Deputados e Officiaes das Inquisições destes Reinos, e faça registar nos Livros dos Secretos dellas este Aalvará; e o mesmo mando ao Juiz e Officiaes do Fisco, para a todos ser notorio e o guardarem.
E assim encommendo e encarrego a todos os Prelados, Dignidades e Justiças Ecclesiasticas, dos meus Reinos e Senhorios, que cumpram e guardem.
E mando ao Presidente do Desembargo do Paço (...) que assim o cumpram e guardem (...) e recrescendo sobre o cumprimento e intendimento delle, algumas duvidas e causas conhecerá dellas privativamente, e as determinará, a pessoa que eu nomear, com inhibição a todas as mais Justiças e Tribunaes.
O que tudo hei por bem que se cumpra e guarde, de minha sciencia, proprio motu, poder Real e absoluto (...).
E hei por suppridas neste Alvará, e postas nelle, todas as solemnidades, de feito e de direito, que necessarias sejam; e derogo e hei para isso derogadas todas e quaesquer Leis, Direitos, Ordenações, e Capitulos de Côrte, que possam ser em contrario, posto que taes sejam, de que fosse necessario fazer expressa e especial menção, de verbo ad verbum, sem embargo da Ordenação do livro 2º. titulo 44, que diz que se não intenda ser por mim derogada Ordenação alguma, se da substancia della se não fizer expressa menção.
E quero e hei por bem, que nos traslados deste meu Alvará, em publica forma, feitos por mandado e authoridade de qualquer Justiça, seja dada tanta fé, como ao proprio original, e que valha, como Carta sem passar pela Chancellaria, sem embargo da Ordenação do livro 2º. titulo 39 e 40.
Antonio dos Santos Freire o fez, em Lisboa, a 6 de Fevereiro de 1649. Fernão Gomes da Gama o fez escrever. - Rei.
JJAS, 1648-1656, pp.27-29.

Édito do Santo Ofício
Os do Conselho Geral do Santo Officio da Inquisição contra a heretica gravidade e apostasia nestes Reinos e Senhorios de Portugal, etc. Fazemos saber aos que a presente virem, ou della tiverem noticia, que mandando El-Rei nosso Senhor, que Santa Gloria haja, no mez de Maio de 1647, remetter ao Illustrissimo Senhor Bispo Inquisidor Geral, que Deus tem, um papel no qual se havia proposto a Sua Magestade, que, para conservação e augmento deste seu Reino e Senhorios, era precisamente necessario augmentar o commercio e navegação, o que se não podia conseguir senão libertando Sua Magestade todo o dinheiro e fazenda que nella entrasse da pena da confiscação em que se incorresse por qualquer crime de lesa Magestade, Divina ou humana, com ordem para nol o communicar, e darmos na materia nosso parecer. E sendo por nós vista com toda a ponderação, assim a proposta como os fundamentos, com que se pertendia justificar, pareceu que não cabia debaixo do poder Real a faculdade de isentar os hereges da pena de confiscação estabelecida contra elles pelos Sagrados Canones, a cuja disposição não podiam contravir os Principes temporaes, direita ou indireitamente, por suas leis ou estatutos, por cahir aquella pena sobre materia espiritual, e ser punitiva de peccado mortal, e a que mais enfreava aos judaizantes, em cuja opinião todas as mais eram vãas. E que quando, estando esta em sua observancia havia (por nossos peccados) grassado tanto o judaismo neste Reino, que seria vendo-se livre della? De que se formou uma consulta, que em resposta d'aquelle papel se deu a Sua Magestade em 25 de Junho d'aquelle anno.
E tendo-se intendido que o dito Senhor a communicava em segredo a algumas pessoas, as quaes lhe aconselhavam que podia coa consciencia conceder aos hereges aquella isenção, desejando o dito Senhor Bispo satisfazer á obrigação do logar em que a Santa Sé Apostolica o havia posto, e por o ceder com a justificação e acerto que pedia uma materia de tanta consideração, a mandou tambem communicar aos tres Tribunaes do Santo Officio do Reino, e todos uniformemente concordaram com o mesmo que havia parecido ao Conselho, e alcançando que Sua Magestade continuava com a mesma pratica, se resolveu em ir pessoalmente á sua Real presença, acompanhado de seus Conselheiros, como o fez em Janeiro de 1649. E depois de alli presentar a Sua Magestade a cópia de um Assento tomado em caso semelhante, em tempo do senhor Senhor Rei Dom Sebastião, sendo Inquisidor Geral o Senhor Cardeal Infante, depois Rei Dom Henrique, pelos maiores Letrados que então se achavam na Côrte, uns do nosso mesmo Conselho e outros Desembargadores do Paço, no qual resolveram então o mesmo que agora nos parecia, pedio com toda a submissão a Sua Magestade fosse servido mandar ver o tal Assento, e não se resolver em negocio de tanta consideração e escrupulo sem ouvir seus Tribunaes, e em particular o do Conselho Geral, a quem principalmente tocava aconselhar a Sua Magestade em casos semilhantes.
E havendo Sua Magestade por bem de nos querer ouvir em outro dia, tornando nós á sua presença com o mesmo Senhor Bispo, em 6 de Fevereiro seguinte, nos mandou ver um Alvará, pelo qual havia por bem que não só os bens e fazenda que entrassem no commercio, mas geralmente todos os da gente de nação, assim naturaes de seu Reino e Senhorios, como estrangeiros, que fossem presos ou condemnados pelo Santo Officio, pelos crimes de heresias e apostasia, ou judaismo, não fossem sequestrados, ou inventariados ao tempo das prisões, nem encorporados no fisco Real ao tempo das sentenças condemnatorias, e que os condemnados podessem dispor delles livremente, limitando só que fosse em favor de catholicos.
E sendo por nós lido, representámos a Sua Magestade, com todo o decoro devido a sua Real pessoa, quanto sobre esta materia se nos offereceu. - Ao que Sua Magestade respondeu que nos agradecia o zelo com que o aconselhavamos em cumprimento de nossa obrigação, porém, que tambem estava aconselhado por homens letrados, que lhe diziam que, sem escrupulo podia abraçar aquelle meio, e que com seu parecer segurava sua consciencia.
E publicado o dito Alvará na Casa da Supplicação em os 25 dias daquelle mez, foi remmetida por de Sua Magestade a copia delle ao dito Senhor Bispo, com ordem para o fazer executar pelos Tribunaes do Santo Officio.
E sendo visto por nós em Conselho, pareceu que por uma Consulta se declarasse a Sua Magestade quanto de Palavra se lhe havia dito, e assim se fez, accrescentando as deformidades que se offereciam em sua execução, que em substancia vinham a ser, que sendo tenção de Sua Magestade conservar nas Conquistas desta sua Côroa a pureza de nossa Santa Fè, era aquella liberdade o mais ordenado meio para de todo a perderem seus habitadores, pois sendo pela maior parte de nação hebrea, e vivendo já então com tanta soltura como a Sua Magestade era notorio, que seria d'alli em diante, vendo-se livres de perder a fazenda? E que sendo a concessão geral para todos, o Alvará os não obrigava a nada, e sem fazerem serviço algum a Sua Magestade, ficariam gozando d'aquella graça, a qual não era so para os hereges penitentes reconciliados com a Igreja, mas também para os que ella lança de si, e relaxa á Curia Secular, concedendo a estes taes, que podessem fazer testamento solemne como se morreram com os Sacramentos da Igreja, sendo por todos os direitos incapazes de testar, e que causaria grande escandalo em toda a Christandade o vêr-se, que estando imposta por Direito a pena de confiscação a tantos outros crimes, por aquelle Alvará só ficava izento o de heresia e judaismo, sendo o que mais se devia reprimir, como mais offensivo da Divina Magestade, pedindo-se em conclusão a Sua Magestade fosse servido tornar a mandar considerar aquella materia, em dar-nos licença para dar conta della ao Summo Pontifice, sem cuja authoridade não podia o Santo Officio alterar a antiga disposição dos Sagrados Canones e Breves Apostolicos.
E não se movendo Sua Magestade de nossas razões, se ordenou uma carta para o Summo Pontifice, pela qual se lhe dava conta do Alvará, e se lhe pedia nos mandasse declarar o como o Santo Officio se devia de haver na materia delle; e com uma de 3 de Setembro seguinte, demos a cópia da dita carta a Sua Magestade, dizendo-lhe como a enviavamos ao Papa, por nos acharmos a isso obrigados, e que por elle se veria que a tenção do Santo Officio não era outra mais que satisfazer a sua obrigação, e desejar servir a Sua Magestade. A esta carta respondeu o Summo Pontifice com um seu Breve dirigido ao dito Senhor Bispo Inquisidor, que traduzido em nossa lingua vulgar é o seguinte:

Breve do Papa Inocêncio X
Ao Veneravel Irmão, Bispo da Guarda, Inquisidor de Portugal, Innocencio Papa X. Veneravel Irmão, Saude e Benção Apostolica. Conforme a obrigação de nosso cuidado pastoral, e nossa paternal caridade para com esse Reino, não sem grave molestia de animo, ouvimos de Vossa carta o que agora ahi se innovou, com grande detrimento da Santa Inquisição, mas o que neste neste novo edicto se contem, a saber: que os bens dos condemnados pelos crimes de heresia, apostasia, ou judaismo, não venham ao Fisco, já de muito nos ensinou o uso nesse mesmo Reino, que não só não conduzia para conversão e penitencia dos homens maus, mas ainda lhes dava occasião a delinquir mais livremente, e seguirem com mais pertinacia seus erros, de maneira que aquelles mesmos, que levados da esperança de maior bem e proveito seu, alguma ora vieram em semelhante concessão, mas ainda com instancia pediram á Sé Apostolica que houvesse por de não conceder aos taes cousas alguma sobre esta materia. Pelo que nós, seguindo as pisadas de nossos predecessores Pio V. e Gregorio XIII, condemnamos o tal indulto, e por nossa Authoridade Apostolica determinamos e declaramos que, quaesquer Decretos, Edictos, ou (como se diz) Alvarás por quem quer que forem feitos, debaixo de qualquer côr, pretexto, e authoridade (como contrarios aos Sagrados Canones, e oppostos ao bem da Religião Catholica) são nullos, invalidos, e de nenhum momento, não obstante quaesquer causas em contrario. E louvamos muito em o Senhor (Veneravel Irmão) vossa liberdade e valor, e dos outros Inquisidores de Portugal, em reprovar uma cousa de tão grande prejuizo e vos admoestamos e exhorbitamos uma e muitas vezes, que com todas vossas forças procureis sustentar a mesma constancia e defender estrenuamente a jurisdicção do Santo Officio, que é a que guarda a pureza e inteireza da Religião Catholica (como verdadeiramente o fazeis) e com grande benevolencia vos damos a Bençao Apostolica. Dada em Roma, em Santa Maria Maior, debaixo do Annel do Pescador, aos 17 dias do mez de Maio de 1650.

Anno Sexto do nosso Pontificado.
E chegado este Breve em 16 de Outubro de 1650, ficando no Santo Officio a copia authentica delle, presentámos o original a Sua Magestade em 19 de Novembro seguinte, com uma nossa consulta, pela qual, com a humildade e acatamento devido, representámos a Sua Magestade a razão que o Santo Officio tinha de acudir a sua obrigação, e se conformar com a resolução de Sua Santidade. E porque Sua Magestade nos mandou responder que não fôra ouvido de Sua Santidade, que era força que o ouvisse, lhe representámos por outra consulta de 26 de Janeiro de 1651, que o dito Breve não continha disposição alguma nova, para que fosse necessario ser Sua Magestade primeiro ouvido, nem o Santo Officio fundava nelle seu procedimento, e que era uma simples resposta da carta que por maior veneração e respeito das ordens de Sua Magestade se lhe havia escripto, sem embargo de estarmos certos, que sem nova declaração da Sé Apostolica, era o Santo Officio obrigado a executar o que dispunham os Sagrados Canones, na fórma que sempre o executára até á publicação daquele Alvará, pelo que lhe era forçado declarar ultimamente a Sua Magestade, que sem embargo delle mandava com effeito proceder contra as pessoas culpadas no crime de heresia, na fórma que o Direito dispunha, e sempre procederá, esperando com grande confiança da misericordia de Deus Nosso Senhor, e piedade de Sua Magestade, que não consentiria que este procedimento se impedisse de algum modo, sendo tanto em serviço do mesmo Senhor, como de Sua Magestade.
A que Sua Magestade foi servido mandar responder em 17 de Fevereiro que a ordem de Sua Santidade continuasse conforme a disposição ordinaria de Direito, até que houvesse tempo para Sua Santidade ser melhor informado, visto ser concedido o Alvará com clausula de que sendo necessario o approvaria, e confirmaria Sua Santidade. E posto que logo depois desta resposta vimos passar os varios Decretos a ella contrarios, dando contudo logar a que Sua Magestade mandasse recorrer ao Summo Pontifice, foi o Santo Officio dissimulando, não sem esperança de que Sua Magestade melhor informado de sua razão, e dando attenção, ao que que os tres Braços do Reino juntos nas ultimas Côrtes, levados do zêlo da Fé, e do bem publico, lhe representaram sobre a materia, desistiria de sustentar sua primeira resolução.
E por a morte o atalhar, recorremos a El-Rei Nosso Senhor que Deus Guarde, e por duas Consultas de 5 e 22 de Dezembro passado, lhe fizemos presente o estado deste negocio, pedindo a Sua Magestade com instancia houvesse por maior serviço seu, e feliz principio de seu Reinado mandar que o dito Alvará se não praticasse, e aos juizes do dessem a sua devida execução ás sentenças do Santo Officio.
E por quanto nos não tem mandar responder até o presente, e o escrupulo e receio de incorrer nas penas de Direito que nos obriga acudir á obrigação de nossos cargos, como tambem nos encarrega Sua Santidade pelo dito Breve, estimulam grandemente nossas consciencias - Mandamos que sem embargo de quaesquer ordens em contrario se proceda na materia das confiscações, pelo crime de heresia, apostasia, e judaismo, na fórma que os Sagrados Canones dispoem, e como sempre se procedeu no Santo Officio.
E para que por uma parte conste aos fieis christãos da justificação com que o Santo Officio se tem havido nesta materia, e que só trata de reprimir a liberdade do judaismo, pelos meios e penas do Direito, e de acudir á conservação da pureza da Santa Fé Catholica, e ao que mais convém ao serviço e descargo de consciencia d'Elrei Nosso Senhor. E desejando por outra remediar as consciencias das pessoas que concorreram n'aquella resolução, mandamos passar a presente com verdadeira relação de todo o procedimento passado, e declaramos, Authoritate Apostolica, que todos aquelles que aconselharam, persuadiram, ajudaram ou moveram, ou de qualquer outro modo concorreram na disposição do Alvará, cujos nomes e cognomes aqui havemos por expressos, e declarados, incorreram nas censuras e mais penas impostas em Direito, Breves Apostolicos e Bulla da Cea do Senhor, contra os impedimentos do ministro do Santo Officio e fautores de hereges, e com caridade paternal os exhortamos em o Senhor procurem o saudavel remedio da absolvição, e se apartem de tão errada opinião, e ahi mesmo onde deram conselho, desistam delle, e declarem seu enganos, pois o Breve de Sua Santidade tão claramente o condemna e desengana, sendo certos que não o fazendo assim e constando-me quem são, e que persistem em sua contumacia, mandaremos aggravar contra elles os mais procedimentos de Direito, para o que os citamos e chamamos, e havemos por citados e chamados. E para que o possa fazer com inteiro conhecimento. Mandamos outro sim com pena de excommunhão ipso facto incurrenda, cuja absolvição a nós reservamos, a todas as pessoas assim exclesiasticas, como seculares, de qualquer qualidade e preheminencia que sejão, que souberem, quem aconselhou, ou que por qualquer outro algum modo concorreu para a resolução do dito Alvará, ou persuade ainda agora, depois da declaração expressa de Sua Santidade, que se sustente, o venha denunciar á Mesa do Santo Officio dentro de seis dias primeiros seguintes, que lhes damos e assignamos pelas tres Canonicas admoestações termo preciso e peremptorio, dando lhes repartidamente dous dias por cada admoestação. E sob a mesma pena mandamos a qualquer Clerigo, ou Notario Apostolico, que no dia que lhe for ordenado a lêa e publique do pulpito da Igreja que lhe ordenarmos, e depois de publicada a fixe nas portas principaes das mesmas Igrejas, donde sem nosso especial mandado não será tirada sob a mesma pena de excommunhão.
Dada em Lisboa sob nossos signaes, e sêllo do Coselho Geral, aos 18 de Janeiro de 1657. Diogo Velho secretario do mesmo Conselho a fiz escrever. - Pedro da Silva de Faria. - Francisco Cardoso deTorres. - Pantaleão Rodrigues Pacheco. - Diogo de Sousa. - Frei Pedro de Magalhães. - Luiz Alvarez da Rocha.
JJAS, 1675-1680 (1640-1683),pp. 230-233.

Revoga a isenção de confisco
(6 FEV1649)
Eu El-Rei faço saber..., que, querendo El-Rei, meu Senhor e Pai (que Deus tem), atalhar o damno, que a Religião Catholica Romana padecia no Estado do Brazil, com perda de tantas Igrejas e perigo de tantas almas, e evitar os roubos e prejuizos, que os Vassalos d'aquellas recebiam continuamente, no Mar e na Terra, dos hereges do Norte instituindo para este effeito uma Companhia com cabedal para ajudar as forças d'aquella Conquista, e navegar em Frotas as drogas e provimento della, lhe concedeu (entre outros) o privilegio de que os homens da nação dos christãos novos, que fossem condemnados pelo crime de Judaismo, não perdessem seus bens; intendo-se que havia de constar delles, assim dos que vivem dentro, como fóra do Reino, a maior parte do cabedal da Companhia.
E porque a experiencia mostrou, que os homens da nação, de fóra do Reino, não acudiram com dinheiro algum, e os do Reino o fizeram em pouca quantia, e essa por execuções e prisões de muitos, que foi a razão porque a Companhia não cumprio o que prometteu, quando se formou, com tantas queixas dos Vassalos destes Reinos, e dos d'aquelle Estado, que são motivos bastantes para eu poder justamente revogar o dito privilegio; principalmente que, sendo passado com clausula de se haver approvação da Sé Apostolica, consta que, sabendo delle a Santidade Innocencio X, o prohibio com penas e censuras:
E esperando El-Rei, meu Senhor, informar melhor a Santidade de Alexandre VII, por Innocencio haver tomado aquella resolução, sem o ouvir, nem ao Reino, e Vassalos, interessados na Companhia, deu Sua Santidade a mesma resposta de seu Antecessor, pouco tempo antes do fallecimento d'El-Rei.
Pelas quaes razões, tendo respeito ao que elle determinava fazer nesta materia, ao que sobre ella lhe representou o Reino, junto em Côrtes, e ao que me representou, logo que tomei o Governo, o meu Conselho de Estado, e outras pessoas, zelosas do serviço de Deus e meu, e bem de meus Reinos:
Resolvi, por um Despacho de 3 de Janeiro passado, valer-me dos ditos bens dos homens da nação, condemnados pelo Santo Officio, em quantia de cento e vinte mil cruzados, para as necessides da India; e por outro Despacho de 17 do dito mez, de outra tanta quantia, para as mesmas necessidades; sem embargo do dito privilegio e Alvará, por que se concedeu, que foi passado em 6 de Fevereiro do anno de 1649 - e quebrando-o aquella parte, como já determinava quebrar em todo:
Hei por bem e mando se não use do dito Alvará, pelo que toca ao referido; e o revogo e annulo, para se não poder fazer obra por elle, nem agora, nem em tempo algum.

E os Ministros do Santo Officio, os do Fisco, e todos os mais de meus Senhorios, procederão nas materias da confiscação, assim e da maneira, que o faziam ao tempo que se passou o dito Alvará, e antes delle, guardando-se nesta parte o Direito Canonico, Breves Apostolicos, Regimentos e estilos do Santo Officio; tendo o Inquisidor Geral, e em seu defeito o Conselho, a admnistração dos bens do Fisco, na fórma do Regimento nos Capitulos XXVI e XXVIII, sem embargo de quaesquer Decretos, Ordens, ou Provisões, passadas em contrario, que todas hei por derogadas, como se aqui fizera dellas particular e expressa menção, de meu motu proprio, certa sciencia, Poder Real e absoluto, no melhor modo e fórma, que de Direito posso e devo.
E este valerá, como Carta, e como Lei, começada em meu nome, passada por minha Chancellaria, sellada do meu Sello pendente, sem embargo da Ordenação do livro 2.º titulo 40 que diz : Que as cousas, cujo effeito houver de durar mais de um anno, passem por Cartas, e passando por Alvará, não valham, nem se guardem: e quero que se registe nos Livros dos Tribunaes de meus Reinos, se publique na Chancellaria, e se imprima, e remetta pelo Chanceller-mórás Commarcas, na fórma costumada.
Luiz Teixeira de Carvalho o fez, em Lisboa, a 2 de Fevereiro de 1657. Pedro Vieira de Castro o fez escrever. - Rainha.
* D. João IV faleceu em 8 de Novembro de 1656. Durante o seu reinado venceu e sobreviveu a uma conspiração em 1641 e a tentativa frustrada de regicídio em 1647. Terá morrido excomungado.
JJAS, 1657-1674, pp. 1-2.

O miserável governo passado

AUTO DAS CORTES DE 1668
Sessão XI                                                                         
Em 28 de Fevereiro vieram a esta Junta do Estado Ecclesiastico o Marquez de Nisa e D. Verissimo de Alemcastre, da parte da Junta da Nobres, e trouxeram as copias de tres papeis que se deram na Junta d'aquelle Estado, do qual disseram os haviam remettido a Vossa Magestade, para Vossa Magestade mandar tomar nelles a resolução que fosse servido. (...)
E logo na mesma junta se assentou que se fizesse uma consulta a Sua Magestade, sobre os homens da nação hebréa não haverem ter honras, dignidades, officios, habitos e commendas, nem logares nos Tribunaes, e que sobre isso se mandassem guardar inviolavelmente as Leis e Provisões passadas sobre esta materia, porque do contrario se seguia grande destruicção do Reino, e Nobreza delle, e muitos inconvenientes no serviço de Deus Nosso Senhor, e de sua Igreja - de que se fez a consulta seguintte, que se mandou communicar aos Estados da Nobreza e Povos.

Consulta
No anno de 1482, achando-se os Reis Catholicos, Dom Fernando e Dona Isabel muito embaraçados com a muita quantidade de judeus que havia em os Reinos de Hespanha, resolveram de lançar por uma vez de todos os seus Reinos esta gente para não arriscarem a pureza de nossa Religião Catholica com taes hospedes. - Desta expulsão geral coube então grande parte ao nosso Reino de Portugal, porque consta das Chronicas d'aquelle tempo que entraram nelle mais de vinte mil casaes, a que El-Rei Dom João II deu licença sómente para deste Reino se embacarem para outras partes e não ficarem nelle.
Porem depois, ou obrigados do amor de Espanha, onde nasceram e se criaram, ou da commodidade da terra para seus tratos e commercios, ou da piedade do Senhor Rei Dom Manoel, que succedeu a no Reino ao Senhor Rei Dom João II, que deixou ficar os que quizessem baptisar e ser christão, tomaram muitos o Santo Sacramento do Baptismo, e ficaram entre nós - e tem mostrado a experiencia o irreparavel damno e grande prejuizo que se seguio desta communicação, pois elles não melhoraram na fé que fingiram abraçar, e infecionaram o Reino, da maneira que, tanto, tanto á nossa custa, temos experimentado, não ensinando e espalhando a sua falsa Lei de Moisés, pervertendo a muitos com esta doutrina, senão çujando com seu sangue os moradores deste Reino, e ainda muita gente da Nobreza delle; de que sempre muitas pessoas zelosas, e de verdade e letras, tiveram grande sentimento, procurando-lhe remedio  conveniente, mas como o damno cresceu tanto, e nesta gente tanto as riquezas, e a industria nunca se pôde achar, e sempre elles acharam os favores e as valias dos mais poderosos, para contrastar tudo que contra elles se intentava, não só nas Côrtes dos Principes Seculares, senão na do Supremo Principe da Igreja Catholica.
Com tudo no anno de 1629 ou 1630 se juntaram, por ordem de D. Filippe IV Rei Catholico, que então governava este Reino, na Villa de Thomar, os Prelados todos que então havia nelle, e sobre esta materia gastaram muito estudo, e não resultou outra cousa d'aquelle Congresso senão uma Provisão do mesmo Rei Catholico, passada em Madrid em 12 de Abril de 1633, na qual se ordena que as Leis e Provisões que se haviam passado contra esta gente da nação dos christãos novos, para não terem honras, dignidades, officios de Justiça ou Fazenda, habitos, commendas, e outras cousas semilhantes, se guardassem e observassem muito exactamente, e que todos os Tribunaes as fizessem executar.
Porem a disposição, assim desta Lei, como das mais que de antes havia nesta materia, foi sómente para terror, por que depois dellas tiveram os christãos novos mais honras e mais officios e dignidades, sem nenhuma differença dos christãos velhos; e nestes nossos tempos mais proximos, o miseravel Governo passado, cresceu tanto a nossa desgraça neste particular, que em quasi todos os Tribunaes maiores tiveram entrada; cousa nunca mais vista, ainda no de Reis estrangeiros, sem embargo dos exemplos tão continuos das prisões, e relaxações á Justiça Secular de semilhantes sugeitos, como é notorio, pois ainda no Auto da Fé proximo passado de Évora foi queimado um, só confitente de christão novo, fidalgo honrado pelas outras partes, e com posto muito honrado na guerra -  e no Auto da Fé passado, que se celebrou nesta Cidade, foi queimado outro, ainda que inferior na qualidade, muito superior no posto da guerra, e com habito de Christo, e uma larga tença.
Deste e de outros semilhantes successos nasce a opinião que tem todos os portuguezes pelo Mundo todo, assim em Italia, França e Alemmanha, como ainda em Castella, que o mesmo é ouvir a um homem portuguez, que marcal-o por de nação hebréa; e o mesmo é ver a uma pessoa com a insignia do habito de Christo, que tel-o por christão novo - e sendo isto assim, não procuramos o remedio de nossa fama e opinião, e da prova de nosso sangue, e da conservação da vossa antiga nobreza, antes cada dia mais engrandecemos esta gente, e a honramos com postos na paz e na guerra, e com habitos e commendas, officios e logares nos Tribunaes, entregando-lhe até os Archivos onde se conservam as cousas tocantes á nossa Santa Fé e Sagrado Tribunal do Santo Officio, e as mais da nossa Sagrada Religião Catholica, quando nos mais Reinos do Mundo (excepto os de Castella) se usa com elles outro differente trato.
A experiencia tem mostrado que a clemencia e piedade que se usa com esta gente é mais prejudicial que proveitosa, e que não se abstem de suas herezias, mas que mais afoutamente as commetem e assim não se deve fazer nenhum caso d'elles, antes honrar muito os christãos velhos para todos os tractos e commercios, e fazer-lhe muito favores, para que applicando-se a elles, vão pouco a pouco enfranquecendo-se os christãos novos.
Esta materia é muito grande e de ruins consequencias para o futuro, por que já agora vemos o Reino todo tão aparentado com esta gente, que é uma lastima grande, e pelo tempo adiante não haverá quem tenha a limpesa que se requer para os cargos e officios publicos, nem ainda para os do Santo Officio da Inquisição. Porem os remedios, Senhor, que já se tem em varios tempos muito difficultosos e por ora pareceo á Junta representar a Vossa Magestade, que se deviam mandar guardar inviolavelmente as provisões e ordens passadas contra esta gente para que não tenham honras, dignidades, officios, nem habitos ou commendas, nem logares em tribunaes, e que nesta materia se não admittam - dispensações nem de Vossa Magestade nem de Sua Santidade, e que outro sim peça ao Summo Pontifice, que em nenhum caso passe breve a favor desta gente para se ordenarem de Clerigos, nem para beneficios  ainda que simples e sem cura de almas que não aprendam letras  nas Universidades, para que não sejam juristas nem medicos, por que sendo isto assim se applicarão mais os christãos velhos a estas sciencias, e se evitarão os damnos que se seguem de os christãos novos as estudarem e
executarem, e nos tribunaes se não devem admittir os christãos novos em nenhum caso, que é cousa de muito mao exemplo e de grande escandalo, e que nunca se vio se não neste miseravel governo passado.
E supostas riquezas que os homens desta Nação tem adquiridas com o commercio e com os assentos e contractos com a fazenda Real, e obrigação que lhes toca acodirem ás necessidades publicas do Reino, pois com esse contracto e condicção ficaram nelle ao principio, pareceo que Vossaa Magestade lhes devia impôr a obrigação de contribuirem para os presidios da gente de guerra que ficou no Reino depois da publicação da paz, com aquella quantia que parecer conveniente que elles entrem, se repartirão todos annos com a igualdade correspondente ás possibilidades de cada um; porque com isto ficará o Reino mais aliviado, e Vossa Magestade mais bem servido. Lisboa 3 de Março de 1668.

Sessão XVI
Em os 16 do mez de Março, em S. Domingos de Lisboa, na Junta Ecclesiastica (...)
E que tambem haviam feito outra Consulta sobre se proceder contra o Conde de Castello-Melhor e Henrique Amigos, e se tomaram seus bens para as necessidades presentes - e outra sobre o levantamento do preço das moedas de ouro - e outra sobre se não darem honras e dignidades aos christãos novos - conformando-se em tudo neste particular com a consulta do desta Junta do Estado Ecclesiastico. (...)
JJAS, 1675-1680, (Sup. 1640-1683), pp. 115-116 e 124.

Expulsão de Cristãos-Novos por judaísmo
Eu o Principe, Sucessor, Governador e Regente dos Reinos de Portugal e Algarves, etc. Faço saber aos que esta minha Lei virem, que, considerando que a piedade, que os Reis meus antepassados usaram com a gente de Nação Hebrea, admittindo a muitos nestes Reinos, e procurando sempre que perseverassem na verdadeira Fé de Jesu Christo, que todos os primeiros voluntariamente abraçaram, e prometteram seguir; e posto que muitos desta nação se vio o desejado effeito da conversão, vivendo continuando, como verdadeiros Catholicos; com tudo sempre houve alguns que renovaram os erros que seus antepassados abjuraram; e tambem os Reis, com todo o cuidado e zelo da Fé e de suas almas lhes buscaram sempre o remedio, assim pelo rigor, como pela clemencia, pedindo ao Summo Pontifice o Tribunal da Inquisição para vigiar sobre estes damno, e extirpar seus erros, como com tão notorio zelo sempre fez, e ainda depois de alguns annos, alcançando-lhes o perdão geral, e fazendo-lhes outros muitos favores, para seu bem espiritual e temporal; não foi porem com tudo bastante, para alguns não continuassem, e se experimentasse nelles crescer e contumacia e perfidia, com grande detrimento dos bons da mesma nação, e ainda do mesmo Reino, ao qual por semelhante gente se prejudica na opinião com as nações estrangeiras.
E considerando eu, e mandando considerar e ponderar esta materia por Ministros dos Tribunaes e do Santo Officio, e outras pessoas de auctoridade e experiencia, e ultimamente no meu Conselho de Estado, parecendo-me que se devia applicar novo remedio a este damno; pois os applicados não foram de todo efficazes, fui servido resolver, e hei por bem e me praz, que todas as pessoas d'aqui por diante convicta, e em suas sentenças declaradas por incursas no crime de judaismo, heresia, ou apostasia de nossa Santa Fé (comprehendendo já as que sahirem neste Acto, que proximamente se ha de celebrar em 8 deste presente mez de Agosto) sejam exterminadas, e saiam destes meus Reinos e suas Conquistas dentro de dous mezes, que se começarão a contar, depois de findo o tempo que o Santo Officio lhes signalar para a sua instrucção, e não tornarão mais a elles em tempo algum, com cominação, que os que não sahirem dentro do dito tempo, ou depois de sahidos tornarem a estes Reinos, ou Conquistas delle, incorrerão em pena de morte natural; e os que os occultarem, e não denunciarem, sabendo-o, em pena de confiscação de seus bens, dos quaes será ametade para os denunciantes: na qual pena de confiscação de seus bens, dos quaes será ametade para os denunciantes . na qual pena de confiscação (alem da imposta por esta Lei) serão tambem comprehendidos os mesmos christãos novos, que tornarem pelos bens, que trouxerem, ou de novo se lhes acharem, dos quaes será ametade para os que os delatarem; e na mesma fórma serão exterminados os Clerigos Seculares, incursos nos sobreditos crimes: e quando deixem de ir,ou tornem ao Reino, serão mandados para uma das Conquistas, com ordem, que de lá os façam passar para as Terras visinhas, que não sejam do Dominio desta Corôa.
E quanto ás mulheres e maridos, que não forem culpadas, ou sejam Christãos Novos, os Christãos Velhos, se não quizerem ir com os exterminados, se não poderão obrigar, ou impedir, ficando-lhes este ponto na sua escolha. - Com declaração, que lhes não deixarão levar os filhos, menores de sete annos; salvo se os pais os pedirem, depois de constar que estão em parte, aonde vivem como Catholicos; e aos filhos, maiores de sete annos, lhes será licito o irem, ou ficarem.
E mando ao Regedor da Casa da Supplicação, Governador da Casa do Porto, Desembargadores etc.
Miguel Vieira de Sousa a fez, em Lisboa, a 5 de Agosto do Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesu Christo de 1683.
Francisco Pereira de Castel-Branco a fez escrever. - Principe.
JJAS, 1675-1680, (Sup. 1640-1683), p.91.

Sustento dos presos pobres da Inquisição
Eu El-Rei faço saber ..., sendo-me representado que não ha consignação para a despesa que se faz nas Inquições do Reino com os presos pobres a quem se não acharam bens de que se possam alimentar no tempo de sua prisão; e sendo justo acudir com remedio a esta falta, mandei consultar este particular com pessoas de letras e experiencia, e resolvi que os presos pobres se devem alimentar na prisão por conta das pessoas a quem se restituem seus bens, por mercê e beneficio do Alvará que se passou em 6 de Fevereiro de 1649, ácerca dos bens que antes delle se perdiam para o Fisco Real.
Por bem do que mando aos Depositarios das pessoas que se prenderem pelo Santo Officio, nesta Côrte, e nas Cidades de Evora e Coimbra, que ao presente são, e ao diante forem, cada qual em seu districto, que do dia em que este Alvará lhes fôr mostrado a diante, acudam ao sustento das pessoas presas que não tem bens proprios com que se alimentem, dando para cada pessoa vinte mil réis cada anno - mas sem embargo disto, sendo que seja necessario mais alguma cousa, alem dos vinte mil réis para cada preso pobre, se poderá pedir, na mesma conformidade que está dito; o que farão, pela mesma ordem, fórma e estilo, e com a mesma arrecadação de papeis, que tem e usam quando acodem ao sustento das pessoas que se alimentam de seus bens.
E a quantidade necessaria para o sustento dos presos pobres supprirão os ditos Depositarios, dos bens que tiverem em seu poder, tomando-os por emprestimo, até se tratar da entrega delles, em que o satisfarão.
E para o poderem fazer, de fórma, que se guarde neste encargo igualdade e justiça, os ditos Depositarios, no tempo em que se fizerem inventarios, em qualquer parte que seja, mandarão logo vir a si o tralado delles, para que, quando se faça o Auto da Fé na Inquisição do seu districto, com as pessoas que sahirem ao dito Aauto, ajustarão a quantidade que tem despendida com os presos pobres até aquelle tempo; e esta quantia repartirão pelo valor dos bens que montarem os inventarios das pessoas que sahirem no dito Auto, cujos bens foram condemnados, e se lhes restituem do Fisco Real a que tocavam, por mercê minha, e beneficio do Alvará acima referido - e feita a dita repartição, descontarão a cada qual dos interessados a rata quantidade que lhe tocar.
E para que esta repartição se faça com toda a clareza, e noticia de que nella não houve descaminho, ordeno e mando que os Depositarios façam a dita repartição, com assistencia de duas pessoas, que nomearão as mesmas pessoas a que tocar o prejuizo della.
E por esta forma se irá acudindo sempre ao sustento dos presos pobres que houver nas Inquisições, provendo-o os Depositarios, e para esse effeito tomando-o por emprestimo, dos mais promptos que tiverem em seu poder, e satisfazendo-o pela repartição, feita na fórma referida.
E o Juiz do Fisco fará cobrar do Depositario que lhe parecer os alimentos necessario para os presos pobres - e aonde houver dinheiro mais prompto, desse se valerá - e ao tempo das entregas conferirão os Depositarios o dinheiro que tem dado, e se fará a restituição, na fórma deste Alvará, que se cumprirá, tão inteiramente como nelle se contem.
João Pereira o fez, em Lisboa, a 26 de Outubro de 1655 annos. E eu Francisco Gomes de Pina o fiz escrever. -Rei.
JJAS,1648-1656, p. 381.

Cobrança e aplicação do legado
deixado aos pobres da nação hebreia
do concelho de Lamego
Eu El-Rei faço saber a vós Provedor da Commarca da Cidade de Lamego, que, havendo respeito ao que na petição escripta na outra meia desta folha dizem os pobres da gente da nação, moradores, nessa Cidade, e visto as causas que allegam, e o que constou de vossa informação, e parecer que me destes.
Hei por bem e vos mando, que, tanto que vos este fôr dado, antes de outra cousa, sequestreis, e depositeis em mão de pessoa segura e abonada, toda a fazenda que ficou por morte do Deão da Sé dessa Cidade, D. Antonio de Faria, na dita petição nomeado, pelo legado pio, que deixou D. Antonio da Fonseca, natural que foi della, que faleceu em Roma, que constava de um conto de réis, consignados em juro na Alfandega desta Cidade de Lisboa, de que na dita petição fazem menção, como principipalmente obrigada a divida tão privilegiada:
E logo tomareis contas do que elle cobrou e despendeu do dito legado, em quanto o administrou, citando-se os herdeiros do dito Deão para ellas, ou dando-se curador á herança, não a querendo elles acceitar.
E privativa e summariamente, com derogação de quaesquer privilegios, posto que sejam do Santo Officio, conhecereis das cousas tocantes ao dito legado.
E tomadas as ditas contas, que serão havidas por sentença, fareis logo execução na fazenda do dito Deão, e na dos mais devedores, pelo nellas ficarem alcançados:
E que della se não possa appelar nem aggravar, senão para a Mesa do Desembargo do Paço, na qual, por Ministros della para isso deputados, se determinará tudo, por assim convir a negocio de tanta importancia, e de serviço de Deus e meu - mandando de todo fazer os autos e papeis necessarios, cumprindo este Alvará, e as mais Justiças, Officiaes e pessoas, a que fôr mostrado (...). João Pimentel o fez, em Lisboa, a 26 de Setembro de 1644. João da Costa Travassos o fez escrever. - Rei.
JJAS, 1640-1647, p. 253.

REGIMENTO
do
SANTO OFICIO DA INQUISIÇÃO DOS REINOS DE PORTUGAL
Titulo III
Que o Edital da Fé se publique todos os annos,
no primeiro Domingo da Quaresma

XI. Todos os annos, no primeiro Domingo da Quaresma, mandarão os Inquisidores publicar em todos os Conventos, e Parochias de seu districto, o Edital da Fé, formado na maneira que vai escripto no fim deste Regimento, ordenando a todos os Priores, Abbades, e mais Parochos, que o publiquem em suas Igrejas, e passem certidão nas costas delle de como assim o publicaram, e a remettam ao Santo Officio

EDITAL DA FÉ
E Monitório Geral, De Que Se Faz
Menção no Livro I Titulo III § XI

Os Inquisidores Apostolicos, contra a heretica pravidade, e apostasia, em esta Cidade, e Arcebispado de... e seu districto, etc. Fazemos saber aos que a presente virem, ou della por qualquer via tiverem noticia, que, considerando nós a obrigação que nos corre, de procurar reprimir, e extirpar todo o delicto, e crime de heresia, e apostasia, para maior conservação dos bons costumes, e pureza de nossa Santa Fé Catholica; e sendo informados, por não terem perfeito conhecimento dos casos que pertencem ao Santo Officio, deixam de vir denunciar de alguns delles, e que não está sufficiente mente provido a  este inconveniente, com se publicarem só nas occasiões, em que se celebram os Autos da Fé, pela pouca applicação, com que se ouvem n'aquella occasião os editaes, em que os ditos casos se relatam; e desejando achar meio, para que os fieis christãos não fiquem com suas consciencias encarregadas, e illaqueados com as excommunhões, que se fulminam nos ditos editaes; nos pareceu mandar publicar de novo todos os ditos casos com esta nossa Carta monitoria, pela qual, Authoritate Apostolica, mandamos a todas e quaesquer pesseoas ecclesiasticas, seculares, e regulares, de qualquer grau, estado, preeminencia, ordem, e condição que sejam, isenta e não isentas, em virtude da santa obediencia, e sob pena de excomunhão maior, ipso facto incorrenda,cuja absolvição a nós reservamos, que em termo de trinta dias primeiros seguintes, que lhes assignamos pelas tres canonicas admoestações, termo preciso e peremptorio, dando-jhes repartidamente dez dias por cada admoestação, venham denunciar, e manifestar ante nós, o que souberem, dos casos que abaixo vão declarados.
 (...)
Que alguma pessoa, depois de ser baptizada, tenha, ou haja tido crença na Lei de Moyses, depois do ultimo perdão geral, que se publicou em cinco dias do mez de Janeiro de 1605, não reconhecendo a Christo Jesus Nosso Redentor por verdadeiro Deus, e Messias promettido aos Patriarchas, e prophetizado pelos Prophetas, fazendo os ritos, e ceremonias judaicas, a saber, não trabalhando nos sabbados, mas antes vestindo-se nelles de festa, começando a guarda da sexta-feira á tarde, abstendo-se sempre de comer carne de porco, lebre, coelho, e peixe sem escama, e as mais cousas prohibidas na lei velha, jejuando o jejum do dia grande, que vem no mez de Setembro, com os mais que os judeus costumam jejuar, solemnisando suas Paschoas, rezando orações judaicas, banhando seus defunctos, e amortalhando-os com camisa comprida de panno novo, e pondo-lhes em cima uma mortalha dobrada, e calçando-lhes calções de linho, e enterrando-os em letra em terra virgem, e covas mui fundas, e chorando com suas lyterias, cantando como fazem os judeus, e pondo-lhes na boca grãos de aljofar, ou dinheiro de ouro, ou prata, e cortando-lhes as unhas, e guardando-as, e comendo em mesas baixas, e pondo-se detraz da porta por dó, ou fazendo outro algum acto, que pareça ser em observancia da dita Ley de Moysés.
(...) Dada em Lisboa, no Santo Officio, sob nosso signal sómente, aos 22 dias dias do mez de Outubro de 1640 annos. Diogo Velho, Secretario do Conselho Geral, o fez escrever.
O Bispo Dom Francisco de Castro
JJAS. 1634-1640, pp.258, 375-376.