OS CRISTÂOS - NOVOS
Estilos
da Relação do Porto, que nella deixou
o
Governador Henrique de Sousa
AUTO DA FÉ
214.
No auto de Fé, quando se ajuntam em Relação para sentenciarem os judeus, que
sahem a queimar, pergunta-lhe, o Presidente, tendo a sentença na mão: Como vos
chamam, e de que terra sois? Para certificar ser elle o mesmo, que é relaxado:
ao que o judeu diz: Fulano de tal parte; e logo lhe pergunta: Credes na
Santissima Trindade, Padre, Filho, Espirito Santo, tres pessoas de um só Deus
verdadeiro? e se elle diz: assim o creio, repetindo as mesmas palavras, ou
outras semelhantes, diz-lhe mais: Credes em Christo Jesus, segunda Pessoa da
Santissima Trindade, que nasceu da Virgem Maria Senhora Nossa, e padeceu morte
na Cruz, para redempção do Mundo? elle diz que sim, repetindo o mesmo: Credes
que Christo Senhor nosso é o verdadeiro Messias promettido na Lei, que padeceu
por morte afrontosa? responde que, repetindo-o; pergunta-lhe mais: Em que lei
queres morrer? elle diz na de Cristo crucificado, e Redemptor de todo o Mundo;
então o manda levantar, por estar de joelho, e que o levem para dentro. Nas
sentenças que os Inquesidores entregam ao Corregedor do Crime mais antigo, elle
as dá logo ao seu escrivão, o qual as autua, e diz nellas: Aos tantos dias de
tal mez, em tal Cidade, nas casas de tal, estando ahi em Relação, na forma
costumada, o Regedor da Justiça da Casa da Supplicação, e sendo em outra parte
o presidente F. e os Desembargadores della, ou adjunctos della F. e F. e F.
pelo Corregedor do Crime da Côrte F. me foi dada a sentença dos Inquesidores,
Ordinario, e Deputados do Santo Officio, dada contra F. nella conteudo,
mandando-me a autuasse, a qual é a seguinte. F. que o escrevi.
Conclusão
Accordam
em Relação, etc. vista a sentença junta dos Inquesidores, Ordinario, e
Deputados da Santa Inquesição, e como por ella se mostra o réo preso Fulano ser
herege apostata de Nossa Santa Fé Catholica, e dogmatista no crime de judaismo,
e por tal relaxado á Justiça Secular; e visto a disposição de Direito, em tal
caso, o condemnam a que, com baraço e pregão, pelas ruas publicas, e costumadas
desta Cidade, seja levado a tal parte, aonde afogado morra morte natural, e
depois de morto será queimado, e feito por fogo em pó, de maneira, que nunca de
seu corpo, e sepultura, possa haver memoria; e o condemnam outrosim em
perdimento de seus bens, posto que ascendentes ou descendentes tenha, aos que
declaram por incapazes, e inhabeis, e infames, na fórma de Direito e Ordenação;
e pague as custas destes autos. Dada em tal parte. F. F. e F.
Estatua
Accordam
em Relação etc. vista a sentença junta dos Inquesidores, Ordinario, e Deputados
da Santa Inquesição; e como por ella se mostra o réo F. que morreu no carcere,
ser hereje apostata de nossa Santa Fé Catholica, e por tal relaxado á Justiça
Secular, e disposição de Direito, e Ordenação, em tal caso, o condemnam que
seus ossos, e em seu nome a sua estatua vão pelas ruas publicas, e costumadas,
desta Cidade, e sejam levados a tal parte, aonde serão queimados, e feitos por
fogo em pó, de maneira, que nunca delles, e sua sepultura, possa haver memoria,
etc.; e sendo relapso, accrescenta: e convencido no crime de judaismo, e nelle
relapso, e por tal declarado, etc.
Queimado
vivo
Accordam,
etc. e por tal relaxado á Justiça Secular, e persistir em seu erro, e assim o
declarar neste Senado, declarando, sendo perguntado, que não cria na nossa
Santa Fé Catholicca, senão na de Moysés; o que assim visto, e a disposição de
Direito, em tal caso, condemnam ao réo F. que com baraço e pregão, pelas ruas
publicas, e costumadas, seja levado a tal parte, e ahi seja levantado em um
posto alto, e queimado vivo, e feito por fogo em pó, etc.
Ausentes
Accordam,
etc. que suas estatuas em seu nome etc. e os julgam por banidos, na fórma de
Direito, e os dão por taes, etc. (...)
Nota
Que
parece que os mesmos processos se haviam de remmeter á Relação, para se ver se
os Inquesidores Apostolicos, como Ecclesiasticos, procediam na fórma de Direito
e Ordenação - assim é opinião de Bart. in L. Magistratus de jurisdis. omn.
jud.; porém não é necessario mostrarem-se os processos, por se não
descobrir o segredo do Santo Officio, para o que ha Breves, e Provisões Reaes.
Vide Oliva, de Foro Ecclesiastico, p. 2.ªquaest., 12, n.º 14.
E
porque se não mostram os processos, se fazem aos réos as perguntas primeiras:
donde sois, como vos chamaes, para se verificar ser elle o mesmo, que pela
sentença dos Inquesidores vem remettido ás Justiças Seculares; e as mesmas
perguntas se fazem tambem aos relaxados pelo peccado; e as mais perguntas
tocantes aos misterios da Santa Fé, para se verificar se o réo está pertinaz em
seu erro, para se lhe dar sentença, que seja queimado vivo, ou morto.
A Ord. liv. 5.º tit. 6.º §
13. diz que os que commetem crime de lesa Magestade, seus filhos e netos ficam
infames, e incapazes por tal maldade commetida, e sendo mulheres, seus filhos
sómente, o que se intende tambem, e a fortiori, no crime de lesa Magestade
Divina. O que se julgou, no auto que se fez dos relaxados no anno de 1645, para
o que se deve ver o Cap. Statum 15 de haereticis in 6. et quae
ibi Barb.
Note-se,
que sendo condemnado um judeu a que o queimem vivo, por profitente, em caso que
se reduza na fogueira, em tempo que a Relação está já desfeita, e os Ministros
fóra della, deve ser queimado vivo, por a reducção ser já feita fóra de tempo. Clar.
in § -- haeresis Covar. liv. 2.º ep. 10 n. fin.
Nas
occasiões em que ha relaxados, se deve ordenar ao algoz, que não tire aos
padecentes fato, nem outra cousa alguma, em vida, nem depois de mortos, pela
maldade que se segue de os judeus lh'os comprarem para reliquias.
Judeu,
ou homem de nação não póde ser eleito para officios das Villas, e Cidades, nem
para outro publico, por uma Provisão que ha; e assim se amplia a Ordenação; e
isto está por contracto, porque indo Martim Gonçalves da Camara a Castella, deu
a Sua Magestade 800 U. cruzados, que o Reino pagou, porque revogasse a mercê,
que lhe tinha feito, de os admittir a officios publicos; e não se póde revogar.
JJAS,
1603 -1612, pp. 336 - 338 e 351.
Execução
do Breve
de
perdão geral
Reverendo
Bispo, Inquisidor Geral, Viso-Rei, Amigo - Eu El-Rei vos envio muito saudar.
Fernão de Mattos, meu Secretario, vos dará, com esta minha Carta, o Breve do
perdão geral, que o Santo padre ora concedeu aos christãos novos, naturaes do
Reino de Portugal, descendentes dos hebreus. E tendo vós intendido, do que
sobre esta materia se vos communicou, as mui justas causas, e considerações de
serviço de serviço de Deus e meu, que me moveram a mandar supplicar ao Santo
Padre o concedesse, sem embargo dos inconvenientes, que por parte dos Prelados,
e Inquisidores Apostolicos daquelle Reino me foram representados, hei por
desnecessario torna-los a referir; e somente vos encommendo, e encarrego muito,
que, por vos vir commetida a execução do dito Breve, e não ser conveniente que
corra por outrem, tanto que chegar-des á Cidade de Lisboa, ordeneis como, sem
nenhuma dilação, se publique, e o deis, e o façaes dar, á sua devida execução,
na forma, e com a pontualidade que nelle se dispoem, sem falta nem diminuição
alguma, para que inteiramente se cumpra a vontade de Sua Santidade, e os ditos
christãos novos gozem o beneficio e graça, que lhes concede. E sendo necessario
concorrer-des, como meu Viso-Rei, para o bom e breve effeito de tudo o que toca
a este negocio, o podereis fazer, porque assim o hei por meu serviço; e tereis
particular cuidado de me avisar, por vossa Carta, do que fordes fazendo, para
eu o saber. Escripta em Valhadolid, a 13 de Dezembro, de 1604.- Rei.- Conde de
Ficalho.
JJAS,
1603-1612, pp. 99-100.
Desobrigar a Fazenda Real
do pagamento de 225$000 cruzados
Eu
El-Rei faço saber... que, por parte dos descendentes dos christãos novos da
nação hebréa, naturaes dos Reinos e Senhores de Portugal, me foi offerecido e
dito, que elles eram contentes de desobrigarem, e desobrigavam, a minha
Fazenda, de pagamento de dozentos e vinte e cinco mil cruzados, que dizem serem
devidos ás pessoas da dita nação, por Provisões dos Senhores Reis de Portugal,
meus predecessores, de boa memoria, e se davam por pagos e satisfeitos delles,
tendo respeito á mercê, que lhe fiz, em lhe alcançar do Santo Padre o perdão
geral, que ora lhes concedeu - e em satisfação da perda, que o meu Fisco
recebeu, nas fazendas dos culpados, comprehendidos no dito perdão - e isto além
de um milhão e setecentos mil cruzados, que por o dito respeito me serviram em
dinheiro.
Pelo
que hei por bem, e mando, que por as ditas Provisões, e quaesquer outras
escripturas, que, sobre o pagamento dos ditos dozentos e vinte e cinco mil
cruzados, sejam passadas, se não faça obra, nem tenham força, nem vigor algum;
por quanto, por a dita maneira, fica extincta e satisfeita a obrigação delles.
E
mando que este meu Alvará se registe nos Livros das lembranças do Desembargo do
Paço (...)
Domingos
de Medeiros, em Valladolid, ao 1.ºde Fevereiro de 1605. E eu, o Secretario,
Fernão de Mattos, o fiz escrever. - Rei.
JJAS,
1603-1612, p. 105.
Protecção
Real aos lançadores
do
milhão e setecentos mil cruzados
Dom
Filippe, por Graça de Deos, Rei de Portugal e dos Algarves etc. Faço saber aos
que esta minha Provisão virem, que, havendo respeito aos inconvenientes que
podem succeder de os Lançadores e Repartidores, que tenho nomeados, e outros
que se hão de nomear, para se repartir, por todos os Reinos e Senhorios desta
Corôa de Portugal, o milhão e setecentos mil mil cruzados, de que as pessoas da
nação hebréa me fazem ora serviço, se poderem intimidar, e recear de lançar o
que cabe pagar a alguma pessoas da dita nação, e assim os mias Ministros e
Officiaes, que por meu mandado intenderem na cobrança, execução, e arrecadação
da dita quantia, de fazerem o que são obrigados - e para que uns e outros
procedam neste negocio, sem respeitos particulares, e com a liberdade que
convem - houve por bem mandar passar esta Provisão, pela qual hei por bem de
tomar os ditos Lançadores, Repartidores, e mais Officiaes e Ministros, que, na
cobrança repartição, e execução deste serviço, e suas dependencias, intenderem,
debaixo da minha protecção e amparo Real, para que nenhuma pessoa, de qualquer
condição e estado que seja, os possa ffrontar, offender, ou aggravar, em suas
pessoas ou fazenda; porque, contra os que o contrario fizerem, mandarei
proceder com todo o rigor, ainda que sómente haja indicios, e posto que não
haja prova bastante de culpa; e pelos indicios, serão postos os que nisto
delinquirem, e forem culpados, a que estejam de tormento, sem embargo de
qualquer privilegio que tiverem, e das Leis e Ordenações deste Reino, que o
contrario dispoem, e da Ordenação que diz que se não intenda ser por mim
derogada outra Ordenação, ou Lei alguma, se da substancia della não fizer
expressa menção.
E
mando a todos os Desembargadores, (...).
Sebastião
Pereira a fez, em Lisboa, a 23 de Abril de 1609.João da Costa a fez escrever.
-- Rei.
JJAS,
1603-1612, pp. 125-126.
Não
haja escusa
à
cobrança do empréstimo
Eu
El-Rei faço saber a v´s D. Constantino de Mello, meu nuito amado sobrinho, do
Conselho de Estado, e mais pessoas que assistem na Junta da arrecadação dos um
milhão e setecentos mil cruzados, com que a gente da nação hebréa me serve,
pelo perdão geral, que Sua Santidade lhe concedeu, que por muitos respeitos de
meu serviço, hei por bem de não isentar, por nenhuma via, nem maneira, assim
por via de mercê, ou graça, como por via de contracto, ou remuneração, directa
ou indirecta, a nenhuma pessoa, que fôr tida e havida por da dita nação, para
deixar de pagar o que lhe fôr repartido para a contribuição do dito serviço,
que se me fizer, por respeito do dito perdão geral, e despesas delle, ainda que
seja fazendo-os eu nobres, cavalleiros, ou fidalgos, ou declarando os por taes.
E
qualquer graça, privilegio, ou Provisão, que lhes dér, ou qualquer outro
Alvará, ou Rescripto, ainda que seja via de contracto, e ainda que nelle se
derogue este meu Alvará, se intenderá ser subrepticio e obrepticio, e não
proceder de minha tenção - nem se poderá derogar este dito Alvará, e clausula -
e se cumprirá, como se fosse feito por contracto.
Pelo
que vos mando que não cumpraes, nem guardeis, nenhuma Carta minha, Provisão,
nem Alvará, que seja em contrario do conteudo neste; posto que a tal Carta,
Provisão, ou Alvará, façam expressa menção e derogação delle, e do dia, mez e
anno, em que é feito; porque minha tenção é que este se cumpra inteiramente - e
valerá (...) .
Gaspar
de Abreu de Freitas o fez, em Valhadolid, a 21 de Junho de 1605. O Secretario,
Luiz de Figueiredo, o fez escrever. - Rei.
JJAS,
1603-1612, pp. 139-140.
Outro
Alvará que segue o contexto do Alvará anterior
E por
quanto a minha tenção e vontade foi que o dito Alvará comprehendesse sómente as
pessoas descendentes da dita nação, por linha femenina, e as mulheres filhas de
paes christão velhos, não fossem repartidas, nem pagassem para o dito serviço,
e assim vol-o tenho escripto e mandado que se faça - houve por bem de mandar
passar disto este meu Alvará, para cessarem todas as duvidas, que sobre isso
podia haver.
Pelo,
mando que descendentes, por linha femenina, e as mulheres da dita nação,
casadas com christãos velhos, e as viuvas delles, não possam ser repartidas,
nem paguem cousa alguma para o dito serviço.
O que
assim se cumprirá, sem embargo do dito Alvará acima incorporado e de todas as
clausulas (...).
Domingos
Medeiros o fez, em Madrid, a 27 de Dezembro de 1606. Eu, o Secretario, Fernão
de Mattos, o fiz escrever. - Rei.
JJAS,
1603-1612, p. 186.
Reintegra a U. Coimbra nos seus privilégios
depois de alçada e sentença a tumultos
Dom
Filippe, por Graça de Deus, Rei de Portugal e dos Algarves etc. Faço saber aos
que esta minha Carta virem, que, sendo eu informado, pelo Reitor, Lentes e
Syndico da Universidade de Coimbra, que, pela sentença que se deu, na alçada da
comissão, com que Henrique de Souza, do meu Conselho de Estado, e Governador da
Casa do Porto, foi á dita Cidade, está julgado que, visto como constou, dos
autos e devassas que se tiraram dos excessos e tumultos que nella se fizeram,
quando nella se soltaram os presos da nação hebréa dos carceres do Santo
Officio, em virtude do perdão geral, serem culpados nos ditos excessos e
tumultos muitos Estudantes da dita Universidade, contra os quaes se não
procedeu particularmente, por lhe não saberem os nomes - e que, para se
evitarem semelhantes insultos, e haver delles castigo, da publicação da dita
sentença em diante, em todos os delictos que se commettessem na dita Cidade de
Coimbra e seu termo, por Estudantes d'aquella Universidade, o Corregedor da
Commarca, e Juiz de Fóra, recebessem delles querellas e denunciações, e
inquerissem, e conhecessem dellas, sem as remetter, procedendo contra os
delinquentes, e sentenceando-os, como lhes parecesse justiça, dando appelação e
aggravo de suas sentenças para a Casa da Supplicação, como o houvera de dar o
Conservador da dita Universidade - e que no inquerir, houvesse entre os ditos
Corregedor e Juiz de Fóra e Conservador, logar a prevenção - e que pelo mesmo
modo conhecessem contra elles, quando fossem achados de noite, depois do sino,
com armas, ou em qualquer outro tempo com ellas, sendo defesas, ou andando
embuçados, fossem levados presos, pelos Ministros que os prendessem, ante os
Julgadores, de que os taes Ministros fossem inferiores - os quaes os metteriam
em suas cadêas.
E ora,
por justos respeitos que me a isso movem, e por folgar de fazer mercê á dita
Universidade, hei por bem de lhe concedeer, como por esta minha Carta lhe
concedo, por nova mercê e graça, os privilegios, que pela dita sentença lhe
foram tirados, sem embargo do que por ella está sentenceado, e de ter passado
em cousa julgada - e que a dita Universidade tenha e haja os ditos privilegios,
e goze delles, na mesma fórma que lhe foram concedidos pelos Reis meus
antecessores, e como usava e gozava, antes da dita sentença ser dada.
E
desta nova mercê lhe mandei passar esta Carta, por mim assignada, e sellada com
o sello das Armas Reaes, a qual mando que se cumpra inteiramente, como nella se
contém etc.
Domingos
de Medeiros a fez, em Madrid, a 27 de Maio - Anno do Nascimento de Nosso Senhor
Jesu-Christo de 1607. E eu, Francisco Pereira de Bettencourt, a fiz escrever. -
Rei.
JJAS,
1603-1612, p. 192.
Não se admitam letrados
da nação hebreia
Por Carta Régia de 24 de Maio de 1605 – foi determinado
que se não admitissem letrados, que notoriamente fossem da nação hebréa, por
qualquer via que fosse, nem tão pouco os que fossem casados com christãs novas
inteiras, salvo quando Sua Magestade dispensasse – e que os que já tivessem
sido admitidos, não seriam excluidos, uma vez que não errassem em seu officio.
JJAS, 1603-1612, p. 128.
Licença para profissão de Cavaleiro
Em Carta Regia de 30 de Maio de 1605. - O doutor
Gregorio Rodrigues d'Oliveira me enviou dizer, por sua petição, que, por quanto
elle está occupado na execução do serviço, que os Christãos novos naturaes
desse Reino me tem offerecido, não póde por essa causa fazer ausencia dessa
Cidade de Lisboa fosse servido de lhe conceder licença, para no mosteiro de
Nossa Senhora da Luz receber o habito de Nosso Senhor Jesu-Christo, de que lhe
tenho feito mercê: – e havendo eu a isso respeito, hei por bem que assim se faça;
e vos encomendo que ordeneis, que, tendo elle feito as provanças, na fórma dos
Estatutos e definições da dita Ordem, e do Regimento novo, se lhe passem as
Provisões necessarias, para lhe ser lançado o habito no dito mosteiro, ou se
ponha disso postilla nas que já estiverem feitas, e me venham para eu assignar.
Christovão Soares.
JJAS, 1603-1612, p. 128.
Não se consultem Comendas
nem Hábitos
Por Carta Regia de 26 de Janeiro de 1610 – foi
recomendada a prohibição de consultar Commendas ou Habitos das Ordens Militares
em quem tivesse raça da nação hebréa.
JJAS, 1603-1612, p- 285.
Não
haja contrato
sobre
os bens a confiscar
Reverendo
Bispo, Inquisidor Geral, Amigo - Eu El-Rei vos envio muito saudar. - Vi a
consulta do Conselho Geral do Santo Officio da Inquisição, sobre a pertenção,
que ahi se intendeu que os christãos novos, naturaes desse Reino, tinham, de
contractar os bens, que o Direito dispõe, que se confisquem aos que por suas
culpas o merecem, e o mais que sobre esta materia me escrevestes; e tudo me
pareceu bem considerado, e mui conforme ao cuidado e vigilancia, com que
atendeis á obrigação de vosso cargo, e se procede naquelle Tribunal; e assim
vol-o agradeço muito, e me hei nisto por muito bem servido de vós, e dos do
dito Conselho, a que me pareceu significal-o tambem, pela minha Carta, que aqui
irá para elles, com copia della, para verdes o que ácerca disto lhes digo, e
como de vós hão de intender a resolução que nesta materia tenho tomado.
E
porque, antes da dita consulta e vossa carta me chegarem, tinha eu presentes e
intendidas razões que ha para se não admittir a pertenção desta gente, e
assentado, conforme a isto, que por nenhum casso se fizesse; vendo todavia o
que me representaes, hei por bem que, não só se cumpra o que, como fica dito, tenho
resoluto, mas que se ponha neste negocio, agora e para sempre, silencio
perpetuo. (...)
Escripta
em Madrid a 2 de Outubro de 1607. - Rei.
JJAS,
1603- 1612, p. 207.
Limitações
á saída
Eu
El-Rei faço saber..., que eu passei, a cinco do mez de Junho do anno passado de
mil seiscentos e cinco, outro meu Alvará, pelo qual mandei que nenhuma pessoa
descendente da nação hebréa se podesse sahir para fóra dos meus Reinos de
Portugal, sem licença e Provisão minha, por mim assignada ou por Dom
Constantino de Mello, meu muito amado sobrinho, do meu Conselho de Estado, e
Presidente da Junta do serviço do milhão e setecentos mil cruzados, com que
dita nação me tem servido; na qual licença declararia como as pessoas que se
fossem tinham pago ou dado fiança segura a pagar o que lhes era repartido.
E
porque eu sou ora informado que, sem embargo que por o dito Alvará tenho
mandado, se vão algumas das ditas pessoas, sem pagar nem dar fiança; e que, por
parte de minhas Justiças, se não tem nisso o cuidado e vigilancia devida, o que
é muito contra meu serviço; e querendo n'isso prover - hei por bem que nenhuma
pessoa, que fôr tida e havida por da dita nação, se possa sahir dos ditos meus
Reinos de Portugal, sem ter com effeito pago o que dever do que já lhe fôr
repartido, e sem dar fiança, a satisfação da dita Junta, a pagar o que lhe fôr
repartido nos prazos delle ao diante.
E que
todas e quaesquer das ditas pessoas, que, sem isto haver precedido, se forem
(da feitura deste em diante) para fóra do Reino, incorram em perdimento de toda
sua fazenda e bens, e os percam para minha Corôa; e da mesma maneira os que se
acharem embarcados, ou nos pórtos de terra firme para sahirem.
E será
a terça parte das ditas fazendas e bens para o denunciador, ou Ministro da
Justiça, que achar que as ditas pessoas se foram ou vão para fóra do Reino,
pela maneira que fica dito.
E nas
mesmas penas hei por bem que incorram todos e quaesquer Ministros meus, que
forem comprehendidos de haver deixado sahir as pessoas, contra fórma desta
minha Provisão, ou de se haverem para esse efeito concertado com ellas, além de
serem castigados com as mais penas crimes, que eu houver por meu serviço; … e
que tambem das fazendas destes haja a terça parte, o denunciador.
E
mando a todos os Corregedores, etc.
Domingos
de Medeiros o fez, em Madrid, a 27 de Dezembro de 1606. E eu, o Secretario,
Fernão de Mattos o fiz escrever. - Rei.
JJAS,1603-1612,
p. 185.
Sobre
a licença de saída
Dom
Filippe por Graça de Deus etc. Faço saber... que El-Rei meu senhor e Pai que
Santa Gloria haja, fez uma Ordenação e Lei, a 27 dias do mez de Janeiro de 1587
annos, por que houve por bem e mandou, pelas acusas e respeitos nella
declarados, que outra Lei, que havia feito o Senhor Dom Sebastião, meu Primo,
que Deus tem, e uma Provisão de declaração della, incorporadas na mesma Lei,
por que mandava que nenhuma pessoa da nação dos christãos novos, assim
naturaes, como estrangeiros, de qualquer qualidade, condição e idade que
fossem, se não saissem fóra dos Reinos e Senhorios de Portugal, por mar nem por
terra, nem para a India, nem para nenhuma das Ilhas, nem partes da Guiné, nem
para o Brazil, sem sua especial licença, ou dando fiança - nem vendessem, sem a
dita licença, seus bens de raiz, tenças, nem rendas de cada anno, que tivessem
nos ditos Reinos e Senhorios - e isto, em quanto elle houvesse por bem, e não
mandasse o contrario, se comprisse e guardasse d'ahi por diante inteiramente,
assim e da maneira que nella se continha - sem embargo do dito Rei Dom
Sebastião, por causas e respeitos que então a isso o moveram, ter revogado, por
um seu Alvará, a dita sua Lei, e Provisão em que a declarava.
E
posto que a dita Lei d'El-Rei, meu Senhor e Pai, se praticou, e se usou della,
por alguns annos; todavia, no de mil seiscentos e um, me pediram os ditos
christãos novos lhes fizesse mercê de a mandar revogar, e as que fizeram os
Senhores Reis seus predecessores, sobre a mesma materia - o que mandei ver
pelos de meu Conselho, e outras pessoas doutas, e examinar as causas e razões
que para isso allegaram, e tomar as mais informações necessarias:
E por
parecer então que nas ditas Leis, e execução dellas, receberiam os ditos
christãos novos grande vexação, e que seria justo livra los della, e que assim
cumpria ao bom governo dos ditos meus Reinos - e por intender que saberiam
conhecer a mercê que nisto lhes fazia, e que procederiam de maneira, que
merecessem estas e outras mercês e favores:
Houve
por bem revogar as ditas Leis, pelas quaes lhes estava prohibido sahirem dos
ditos Reinos, e venderem suas fazendas de raiz, sem licença minha - e de lhes
fazer mercê que, d'ahi em diante, se podessem ir para fóra delles, com suas
familias e casas movidas, ou sem ellas, e tornarem a entrar, sem poderem ser
accusados de se haverem sahido sem licença - e que outrosim podessem vender as
ditas suas fazendas, cada vez que quizessem, livremente, sem para isso lhes ser
necessario licença alguma - com outras clausulas e condições, conteudas na
Carta que disso lhes mandei passar, a quatro dias do mez de Abril do dito anno
de seiscento e um.
E
porque depois da dita licença, e mercê, que pelas ditas razões lhes fiz, fui
informado, por diffrentes vias, que os ditos christãos novos usavam mal della,
e que resultavam disso grandes inconvenientes (que em particular me foram
representados) contra o serviço de Deus, pureza de nossa Santa Fé, e em damno
de suas almas e consciencias - e que chegava isto a termos, que obrigava a se
lhes acudir com prompto e efficaz remedio, antes do damno ir mais por diante:
Movido
destas tão graves e urgentes causas - mandei ver a materia, juntamente com a
Carta da dita mercê e licença, aos maiores Tribunaes, por pessoas de grande
confiança, do meu Conselho, e de muitas letras e experiencias de negocios.
E
depois de se haver visto tudo - resolvi que não convinha, nem devia passar
adiante a dita licença.
E
assim fundado nas justas considerações, causas e razões, que para isso ha - hei
por bem e me praz de revogar e annullar, e com effeito, de meu proprio motu e
certa sciencia, revogo e annullo a Carta que della se passou aos ditos
christãos novos, e a hei por revogada e annullada, não só em quanto tem força
de Lei, mas em quanto tem razão de contracto - e que se não della, nem faça de
nenhuma maneira mais obra por ella, pelo assim haver por muito serviço de Deus
e meu, e bem da dita gente da nação, e de suas almas. (...).
Pelo
que mando a todos os meus Desembargadores etc.
Dada
em Valhadolid, a 13 dias de Março de 1610. Afonso Rodrigues de Guevara a fez. E
eu Fernão de Mattos a fiz escrever. Rei.
JJAS,
1603-1612, pp. 286-288.
Reverendo
Bispo Inquesidor Geral, Amigo. - Vi a consulta do Conselho Geral do Santo
Officio, que me enviastes em 21 de Fevereiro passado, sobre a licença que está
concedida aos christãos novos, descendentes da nação hebréa, naturaes desse
Reino, para se poderem sahir delle com suas fazendas e familias. E assim o que
contém a dita consulta, como o que na vossa carta (com que ella veio) se diz
sobre esta materia, me pareceu tudo mui bem considerado, e mui conforme, e
proprio do zêlo e devido cuidado, com que ahi se tracta do que convem para se
conseguir o maior serviço de Deus e pureza de nossa Santa Fé; e assim vol-o
agradeço muito, e vos encomendo que o mesmo digaes de minha parte aos do dito
Conselho. A resolução deste negocio intendereis do Marquez Viso-Rei, e o mais
para execução della se lhe escreve que vos communique. E porque importa, quanto
considerareis, que se não perca nisto nenhum tempo, agradecer-vos-hei muito a
proveitar delle assim por vossa parte. E não me pareceu necessario, para
effeito do que está assentado, nem conveniente, tratar-se do Breve que
apontaes. Escripta em Madrid, a 12 de Fevereiro de 1610. Rei.
JJAAS,
1603- 1612, p. 290.
Reverendo
Bispo, Inquesitor Geral, Amigo: - Eu El-Rei vos envio muito saudar etc. - Eu
tenho algumas infomações sobre a concessão feita aos christãos novos, naturaes
desse Reino, para poderem sahir livremente delle, com suas familias e fazendas
(pela qual me serviram com 200 mil cruzados) que obrigam a mandar ver que
inconvenientes resultam ou podem resultar da dita concessão; e se são taes, que
convenha revogar-se, e em que fórma se poderá justamente fazer, e ficar firme,
suppostas as clausulas que a dita concessão tem; e considerando eu a noticia
que no Conselho Geral da Inquesição haverá desta materia, e vosso zelo, e dos
Ministros que n'aquelle Tribunal assistem, me pareceu encomendar-vos (como
faço) que conforme a muita importancia de que é, ordeneis se tracte delle,
vendo-se particularmente o Alvará ou Provisão desta concessão, e que se faça
consulta em que se diga o que se offerecer sobre cada um dos pontos referidos,
a qual me enviareis com toda a brevidade possivel, avisando-me juntamente de
vosso parecer.
Escripta
em Madrid, em 14 de Janeiro de 1609. - Henrique de Sousa - Rei.
JJAS,
1603-1612, p. 296.
Derroga a Provisão
de 30 de Junho de 1567
Eu
El-Rei Faço saber aos que este Alvará virem, que, havendo respeito ao Senhor
Rei Dom Sebastião, que está em Gloria, ter defeso, por Provisão passado em 30
de Junho de 1567, que está incorporada na Extravagante, que nenhuma pessoa da
nação hebréa podesse ir, por mar, fóra destes Reinos, sem sua licença, ou dar
fiança, ao menos, de quinhentos cruzados, de tornar a elle dentro em um anno, e
não tornando dentro delle, a perder:
E
depois, por outra Provisão e Apostilla, passadas em 15 e 20 de Março de 1568,
defender que não podessem ir, nem fossem, ás partes da India, sem licença, por
elle assignada, sob pena dos que o contrario fizessem serem presos, e perderem
todas suas fazendas, ametade para quem os acusasse, e a outra para sua Camara:
E
havendo outro sim respeito aos porque as ditas Provisões foram passadas, e ao
que é disposto pela Lei moderna, e por outros justos respeitos, que a isso me
movem:
Hei
por bem (sem embargo do que contem na dita Provisão, passada no anno de 1567,
sobre o darem fianças) que nenhuma pessoa da dita nação hebréa possa ir, nem vá,
as ditas partes da India, e ás mais ultramarinas, sem minha licença, por mim
assignada - sob as penas e pela maneira declarada na dita Provisão, passada no
anno de 1568:
Com
declaração que isto se não intenderá nos que não foram obrigados a pagar a
finta do perdão geral, que se concedeu aos da dita nação.
E
mando que, tanto que as náos, que em cada um anno forem para as ditas partes da
India, sahirem da barra desta Cidade, o Capitão- mór e Capitães dellas, cada um
na sua, tire devassa se vão nellas algumas pessoas da dita nação - e as que
acharem, as mandem prender e meter, com os mantimentos que levarem, nos navios
que encontrarem, que forem para os logares ultramarinos, entregues aos Mestres
delles, com seus precatorios, em que se declare a causa da sua prisão, para os
Capitães, e Justiças, aonde forem, os enviarem presos a este Reino - fazendo-se
autos das entregas, que ficarão em poder dos ditos Capitães - os quaes levarão
nas mesmas náos a fazenda que as taes pessoas levarem nellas, entregue a
depositario.
E não
achando na viagem navio em que enviem as ditas pessoas, pela maneira que dito
é, ou não o podendo fazer com commodidade, as levem á India, e entreguem ao
dito Ouvidor Geral - o qual proceda contra ellas, na fórma da dita Provisão,
passada no anno de 1568 - e as faça embarcar para este Reino, nas náos da
Armada do anno seguinte, com procedido das fazendas, enviando com ellas a cópia
da devassa, inventário, e autos, dirigidos no Conselho da India, ficando-lhe lá
os originaes, para os casos que podem succeder. (...)
E este
Alvará se cumprirá (...).
Francisco
Ferreira o fez, em Lisboa, a 9 de Fevereiro de 1612. João Travassos da Costa o
fez escrever. - Rei.
JJAS,
1603-1612, p. 324.
Repartição
dos empréstimos
pelos
cristãos-novos das Índias de Castela
Em
Carta Regia de 4 de Fevereiro de 1615. - Ordenareis que no Desembargo do Paço
se veja o que em consciencia estou obrigado a fazer sobre o que cabia repartir
aos christãos novos que vivem nas Indias de Castella e Aragão, para o serviço
que a nação delles me fez, pelo perdão geral que se lhes concedeu - e que do
que parecer, se faça consulta, que me enviareis.
Christovão
Soares
JJAS,
1613-1619, p. 114.
St.º
Ofício exige relação dos ausentes
Importa
ao serviço de Deus e do Santo Officio saber das pessoas da nação hebrea, que
dessa Igreja de V. M. e suas anexas se tem ausentado, destes Reinos e Senhorios
de Portugal: pelo que lhe requeremos, da parte da Santa Sé Apostolica, e da
nossa pedimos, que com a brevidade possivel, cautella e segredo, inquira e
saiba de todas as pessoas da nação, que se tem ausentado desses ditos seus
logares, e dos mais que na margem desta lhe fôr encommendado, assim homens como
mulheres, com declaração de seus nomes, idades, officios, tratos e
respondencias que tinham, donde foram naturaes, moradores, e se ausentaram, e
para que partes, e aonde ao presente residem, e em que tempo se foram, e por
que causas, e se com casa movida, e com quantas pessoas, que feições tem do
corpo, se altos, se baixos, se grossos, se magros, se alvos, se pretos, que côr
de rosto, barba, olhos, se são casados, e com quem, se viuvos, que mulheres
tiveram, se solteiros cujos filhos, e com todos os mais signaes e confrontações
que se poderem alcançar para se vir em melhor conhecimento das ditas pessoas
ausentadas.
E do que
achar mandará lista, nas costas desta Carta, que tornará a enviar á pessoa por
cuja via e ordem lhe fôr dada, e assignada nella, ao pé dos nossos signaes, por
pessoa certa que se lhe obrigue a entregal-a com fidelidade, para que, não o
fazendo assim, depois se possa obrigar a dar conta della, e V. M. ter por onde
fique desobrigado disso - e a brevidade lhe encommendamos mui particularmente.
E authoritate
apostolica, de que usamos nesta parte, mandamos e admoestamos, uma pelas
tres canonicas admoestações que guarde o segredo disto, sob pena de excommunhão
maior, aliás, se haja por excommungado - a qual sentença de excommunhão em V. M.
como contumaz, se fizer o contrario, nós D. Francisco de Menezes, e Ruy
Fernandes de Saldanha, Inquisidores Apostolicos, pomos nestes escriptos,
reservando para nós a absolvição della, se porventura a incorrer - e lhe
commetemos podel-a tambem pôr ás pessoas de que fôr precisamente necessario
inquiririr e informar-se nesta diligencia - e assim lhe pedimos e encommendamos
que de todas as mais pessoas da nação, que pelo tempo em diante se forem
ausentando, na mesma conformidade e segredo, nos vá avisando por carta sua.
Deus
Guarde a V. M. Coimbra, hoje 20 de Novembro de 1613. - D. Francisco de Menezes.
- Ruy Fernandes Saldanha.
JJAS,
1613-1619, pp.65-66.
Proibição
de saída
e
venda da fazenda
Em
Carta Regia de 19 de Fevereiro de 1619 - Tenho intendido que alguns mercadores
da nação hebréa, dos mais ricos desse Reino, pertendem ausentar-se delle, como
outros o tem já feito, pela licença geral que dizem lhes está concedida, e as
razões em que se fundam - e pareceu-me dizer vos que, por quanto não ha licença
geral, por onde elles o possam fazer, antes está em seu vigor a Lei por que se
lhes prohibio poderem sahir desse Reino, e vender as fazendas que nelle
tiverem, e que pelo muito que importa observar-se, vos hei por muito
encarregado ordenardes que se tenha particular cuidado em os vigiar,
encarregando os Corregedores das Commarcas que, se succeder ausentarem-se
algumas pessoas da nação, que nellas viveram, enviem em seu seguimento
precatorios para serem presas nos logares por onde houverem de passar, e m'o
avisem tambem, por via do Conselho dessa Corôa, que reside nesta Côrte, para
que se procure evitar-lhe a entrada pelos portos de França - e demais das
diligencias referidas, vereis que outro se poderá aplicar, para que se cerre de
todo a porta á saida desta gente, e m'o aviseis. - Christovão Soares.
JJAS,
1613-1619, pp 347-348.
Por Carta Regia de 10 de Novembro de 1621
- foi determinado que se cumprissem as ordens dadas para não sahir do Reino
gente da nação dos christãos novos, como era de esperar intentassem muitos, por
temor dos Autos da Fé que se tinham mandado fazer.
JJAS,
1620-1627, p. 57.
Em Carta Regia de 17 de Julho de 1624 -
com carta de 29 do mez passado enviastes uma consulta do Desembargo do Paço,
sobre a licença que pediam os homens de negocio da nação hebrea naturaes desse
Reino, para irem ás Conquistas, e venderem suas fazendas, sem embargo das
prohibições em contrario - e havendo-a visto, hei por bem, conformando-me com o
que pareceu, e com as razões que se apontaram, que se lhes não defira - Christovão
Soares.
JJAS,
1620-1627, p. 124.
Perdão
aos christãos-novos
que
se denunciassem e abjurassem
Eu
El-Rei faço saber..., que, havendo mandado tratar, com particular cuidado e
attenção, do remedio que se podia dar aos grandes damnos que o Reino de
Portugal padece, por causa do judaismo que nelle com tanta soltura vai
lavrando, e com o parecer do Inquisidor, e dos meus Governadores, e Deputados
do Conselho Geral do Santo Officio, ordenei que a materia se visse tambem nesta
Côrte, por Ministros, e outras pessoas de letras e confiança; e depois de
conferido tudo, com a ponderação que requer a muita importancia de que é, e
consultado comigo, esperando que será Deus servido de ajudar o zêlo e intento
que tenho de se acertar:
Pareceu
se devia conceder a todos os descendentes da nação hebréa, naturaes do dito
Reino de Portugal, Edito de graça, na fórma costumada:
E por
o Bispo D. Fernão Martins Mascarenhas, Inquisidor Geral em os meus Reinos e
Senhorios de Portugal, haver de passar o dito Edito de graça, pedindo-me
houvesse por bem de perdoar e remetter os bens e fazendas a todas as ditas
pessoas da nação hebréa, naturaes do dito Reino, que dentro do tempo da graça,
que lhe fôr concedido pelo dito Inquisidor Geral, se vierem voluntariamente,
ante os Inquisidores e Ministros por elle para isso deputados, reconciliar, e
pedir perdão de suas culpas de heresia e apostasia, que tiverem commetido:
E
querendo eu, como Catholico Rei, que as ditas heresias sejam estirpadas dos
ditos meus Reinos de Portugal, e nossa Santa Fé seja exaltada, para que as
pessoas que forem culpadas nos taes erros e crimes mais facilmente se confessem,
e peçam perdão delles, e se convertam á nossa Santa Fé Catholica, sem recearem
que pela tal confissão hão-de perder suas fazendas; o que por ventura não
confessariam, com temor de as perder:
E por
quanto as ditas fazendas, em caso que as perdessem pelos erros e culpas, se
haviam, por Direito e minhas Ordenações, de confiscar para o Fisco e Corôa de
meus Reinos, e por outros respeitos de serviço de Deus Nosso Senhor, que a isso
me movem:
Hei
por bem e me praz que todos as ditas pessoas da nação hebréa, naturaes do dito
Reino de Portugal, que dentro do tempo da graça, que pelo dito Inquisidor Geral
lhe fôr assignado, se vierem, perante, perante os Inquisidores do Santo Officio
e Ministros por elle para isso deputados, accusar voluntariamente de seus erros,
e confessarem suas culpas, não percam por razão delles seus bens, e fazendas,
nem lhe sejam por isso embargados, escriptos, nem sequestrados, e que
livremente os possam haver e possuir, e possuam, em sua vida, e por seu
falecimento fiquem a seus herdeiros e successores, assim e da maneira que lhe
houveram de ficar, se não commeterem as ditas culpas e delictos; porque, usando
com elles de graça, lhes faço mercê dos ditos bens e fazendas.
E
mando a todos os meus Desembargadores (…).
Manoel
Dias da Costa o fez, em Lisboa, aos 7 de Agosto de 1627 annos. Simão Lopes o
subscrevi. - Rei.
N. B.
Em virtude deste Alvará, publicou o Inquisidor Geral o Edicto de graça, em 10
de Setembro do mesmo anno, aprazando o termo de tres mezes para os presentes, e
de seis para os ausentes, a contar da sua publicação, e promettendo aos que
verdadeiramente confessassem seus crimes e erros allivio de toda a pena
corporal e penitencia publica.
JJAS,
1620-1627, pp.71-72.
Saída
do Reino
dos
Clérigos da Nação
Em
Carta Regia de 20 de Julho de 1620 - Enviastes nos despachos de 18 de Dezembro
e 22 de Janeiro passados duas consultas do Desembargo do Paço uma sobre (...)
Outra
sobre se evitar aos Clerigos da nação a sahida desse Reino - e para se
responder a esta, ordenareis que o Desembargo do Paço veja e declare se os
Clerigos se comprehendem tambem na prohibição geral; e a consulta que se fizer,
me enviareis, com o vosso parecer.
Marçal
da Costa.
JJAS,
1620-1627, p.74.
Cristãos-Novos
saiam livremente
Dom
Filippe, Rei de Portugal etc. Faço saber..., que El-Rei meu Senhor e Pai, que
Santa Gloria haja, em 4 de Abril, e 31 de Julho do anno de 1601, passou duas
Cartas, pelas quaes, por respeitos e razões nellas declaradas, revogou a Ordenação
e Lei que o Senhor Rei Dom Filippe I, meu Avô fez em 27 do mez de Janeiro do
anno de 1587, na qual tinha ordenado que outra Lei, que havia feito El-Rei Dom
Sebastião, que Deus tem, e uma Provisão de declaração della, incorporada na
mesma Lei, por que se mandava que nenhuma pessoa da nação de christãos novos,
assim naturaes como estrangeiros, de qualquer qualidade, condição, e idade que
fosse, sahisse fóra dos Reinos, e Senhorios de Portugal, por mar ou por terra,
por parte alguma, nem para as Conquistas e Senhorios do Reino de Portugal, sem
sua especial licença, ou dando fiança de se tornar em certo tempo, nem
vendesse, sem a dita licença, seus bens de raiz, juros, tenças, nem rendas, que
tivesse nos ditos Reinos e Senhorios, e em quanto o houvesse por bem, e não
mandasse o contrario, se cumprisse e guardasse d'ahi por diante inteiramente,
assim e da maneira que nella se continha, sem embargo do dito Rei Dom
Sebastião, por causas que a isso o movera, ter revogado a dita sua Lei, e
Provisão da declaração della.
E
posto que as ditas Cartas de meu Senhor e Pai, dos ditos 4 de Abril e 31 de
Julho de 1601, se praticaram e se usou dellas alguns annos; com tudo, tendo o
dito Senhor respeito aos inconvenientes que lhe representaram, houve por bem de
as revogar, e annular, por uma Provisão sua, passada em de Março de 1610, na
qual mandou e ordenou, que, sem embargo das Cartas que tinha passado em os
ditos 4 de Abril e 31 de Julho de 1601, se cumprisse guardasse inteiramente a
dita Lei do Senhor Rei Dom Filippe, meu Avô,, e a de El-Rei Dom Sebastião, e
Provisão de sua declaração, desde os ditos 13 de Março de 1610 em diante, e
assignou e revalidou, com todas as clausulas, condições e penas nellas
conteudas, que houve por expressas e declaradas, como se nunca fossem revogadas,
e annuladas.
E
agora, por justas causas e respeitos que a isso me moveram, havendo-o mandado
ver, hei por bem e me praz que as pessoas da dita nação dos christãos novos,
possam livremente, sem licença minha, nem fiança alguma, irem destes meus Reinos
e Senhorios para fóra delles, com casas movidas ou sem ellas, por mar ou por
terra; e da mesma maneira possam ir á India, e todas minhas Conquistas,
Commercio, e Senhorios destes meus Reinos, e estarem nas ditas partes, sem
serem obrigados a fiança, nem a se tornarem em tempo; e que possam outrosim
livremente, sem licença alguma, vender seus bens de raiz, juros, tenças e
outras rendas.
E isto
sem embargo da dita Lei de El-Rei Dom Sebastião, e Provisão da declaração
della, e da dita de El-Rei Dom Filippe, meu Senhor e Avô, de 27 de Janeiro de
1587, e da dita Provisão de El-Rei meu Senhor e Pai, de 13 de Março de 1610, e
de quaesquer outras Leis e Ordenações destes Reinos, e Regimentos, Provisões e
ordens que em contrario haja, que todas e cada uma dellas, com todas as
clausulas, condições, e penas nellas conteudas e declaradas, revogo, e hei por
revogadas e annulladas, como se de cada uma dellas de seu teor se fizera
expressa e especial menção, e assim e da maneira que se contem nas Cartas de
El-Rei meu Senhor e Pai, de 4 de Abril e 31 de Julho do dito anno de 1601, que
revalido, para que fiquem em sua força e vigor, e se cumpram e guardem, como
nellas se contem.
E
outrosim hei por bem que as denunciações e causas que estiverem dadas e
correrem até ao presente por razão de algumas pessoas da dita nação se haverem
ausentado e sahido fóra do Reino, sem minha licença, ou sem fiança, ou por
haverem perdido as fianças que tinham dado, ou por haverem vendido suas
fazendas, sem licença minha, ou por outro qualquer modo, houverem encontradas
as ditas Leis e prohibições, cessem de todo, e não vão mais por diante, nem se
recebam outras fundadas nas ditas causas, pondo-se em todas perpetuo silencio,
e levantando-se quaesquer sequestros e embargos, feitos por razão das ditas
denunciações, e causas pendentes.
E
mando aos Juizes e Ministros a que o conhecimento dellas pertencer, e a
quaesquer outros, não procedam mais nellas, nem por via alguma conheçam de
requerimento que sobre o seguimento dellas se lhes fizer, porque os dou por
inhibidos, e lhes tiro toda a jurisdicção para o poderem fazer.
Com
declaração que isto se não intenderá nas causas que estiverem sentenceados por
sentenças passadas em julgado até 15 do mez de Outubro deste anno de 1629.
O que
tudo quero que se cumpra e guarde de meu motu proprio, certa sciencia, poder
Real e absoluto, sem embargo de quaesquer Leis, Ordenações, Regimentos,
Provisões e outra ordens em contrario.
Pelo
que mando etc.
Dada
em Madrid, aos 17 dias do mez de Novembro, Francisco Barbosa o fez. Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesu
Christo de 1629. Gabriel de Almeida de Vasconcelos a fez escrever. - El-Rei.
Gabriel
Pereira de Castro
JJAS,1627-1633,
pp. 158-159.
Ouro
e prata levado por cristãos-novos
Em
Carta Regia de 28 de Junho de 1630 - Vi uma consulta do Desembargo do Paço
sobre a ordem que desse Governo se enviou ao Desembargo do Paço, em razão do
ouro, prata, e outras cousas defesas, com que a gente da nação sai desse Reino -
e pareceu- me dizer-vos que foi acertado mandardes tirar a devassa que
apontaram os ultimos dous votos - e avisar-se-me-ha, como já o tenho ordenado,
que logares se signalaram para a sahida desta gente, e do que está disposta
para que se intenda que sahiram. (...)
JJAS,
1627-1633, p. 180.
Contributo
para a guerra de Pernambuco
Eu
El-Rei faço saber..., que eu sou informado haver muitas dizimas para arrecadar,
e se não ter posto em effeito pelas comissões que para isso tenho dado, e
convir a meu serviço arrecadarem-se as ditas dizimas com toda a brevidade, e
sem dilação alguma, para a occasião presente da Armada do socorro do Brazil.
E pela
confiança, e bom expediente com que procedeu o Desembargador Cidade de Almeida
na arrecadação do que a gente da nação offereceu para socorro de Pernambuco, e
pela experiencia que tem destas dizimas, por haver sido Juiz da Chancellaria -
hei por bem, que o dito Desembargador, com os Officiaes da Chancellaria da Casa
da Supplicação, ponham em arrecadação as dizimas (...).
JJAS,
1627-1633, pp.207-208.
Isentos
de confisco para formação
de
Companhia de Comércio
Eu
El-Rei faço saber..., que considerando as justas e urgentissimas razões, que ha
para haver de acudir com todos os meios possiveis á defensão destes meus Reinos
e Senhorios de Portugal, e segurar as Conquistas delles; e principalmente a
pureza e conservação da Fe Catholica nos moradores dellas, que está muito
arriscada, com os Hereges do Norte a poderem perder com sua falsa doutrina; e
achando que um dos mais poderosos meios para isto se conseguir, é haver neste
Reino commercio livre, sem os bens e fazenda de tal commercio ficarem sujeitos
a sequestro, confiscação e perdimento delles; e porque as com que pela maior
parte se sustentam as dos homens de negocio e gente de nação, assim da que
reside e mora no mesmo Reino e suas Conquistas, como nos outros Reinos e
Provincias, que com elle tem trato e correspondencia, as quaes, por estarem
sujeitas á confiscação, é necessario segurarem-se para o commercio se poder
sustentar, proseguir e augmentar.
E
representando-se-me, pelos homens de negocio, e gente de nação, fariam uma
Companhia, em que elles e os mais Vassallos desta Corôa entrassem com cabedaes
e fazendas, que lhes fosse possivel, por conta da qual, sem outro gasto da
minha Real Fazenda, andassem no mar trinta e seis Galeões de guerra, que fossem
e que viessem às ditas Conquistas, dando guarda ás embarcações e fazendas, que
forem e vierem dellas, e as recolham seguras dos inimigos, com evidente
utilidade do Reino e Vassallos delle, e direitos de minhas Alfandegas - o que
fica sendo serviço de tão grande consideração para o bem commum, que merece,
não somente ser acceitado, mas ajudado, e favorecido, com lhes fazer para elle
toda a graça, e mercê, que couber debaixo de meu Real poder; e para o que não
estiver nelle, lhes dar todo o amparo, ajuda e favor:
E
intendendo que o principal meio, com que se poderia augmentar e conservar a
dita Companhia, seria não ficarem sujeitas a sequestro, confiscação, e
condemnação, as fazendas, e bens dos ditos homens de negocio, e gente de nação,
acontecendo que sejam presos, ou condemnados, pelo Santo Officio da Inquisição,
pelos crimes de heresia, apostasia, ou jodaismo:
E
achando juntamente, que o podia fazer de direito, não sómente por via de graça,
e doação, por os ditos bens, desde o dia do crime commettido, pertencerem a meu
Real Fisco, mas tambem por modo de contracto oneroso, celebrado com elles,
ficando-lhe por esta forma arrendado o commodo e utilidade de tal bens, que me
pertencia, pela despesas e obrigação da dita Companhia, como resolveram os
maiores Letrados, Theologos, e Juristas, com os quaes os mandei consultar; e
como achei que já fizeram, por outras justas razões, que então se offreceram,
oa Senhores Reis Dom Manoel, e Dom João o III, e Dom Sebastião, meus Predecessores,
mandando que os bens da dita gente de nação, se não confiscassem pelos ditos
crimes, em todo, nem em parte.
Por
tanto, havendo precedido sobre tudo mui madura consideração, e com parecer dos
do meu Conselho, não sendo minha tenção remittir a pena de confiscação, posta
pelo Direito canonico aos ditos crimes, nem impedir, em algum modo, o exercicio
do Santo Officio nelles, senão, ficando a dita pena sempre salva, e o dito
exercicio em seu vigor, largar, e admittir, não por graça, mas por contracto
oneroso, o commodo e utilidade dos ditos bens, que pertencia a meu Real Fisco,
depois dos crimes commettidos e sentenças dadas, que é o que fica debaixo de
meu Real poder:
Hei
por bem e me praz, que os bens e fazendas, de qualquer qualidade que sejam, da
gente da dita nação, de todos meus Reinos e Senhorios, assim naturaes, como
estrangeiros, que forem presas, ou condemnadas pelo Santo Officio pelos ditos
crimes de heresia, apostasia, ou judaismo, não sejam sequestradas e
inventariadas ao tempo das prisões, nem sejam incorporadas em meu Real Fisco ao
tempo das sentenças condemnatorias; não deixando porem de se pôr, e declarar
nellas, a pena da confiscação, em que por direito incorreram os delinquentes.
E
isto, ou os ditos condemnados e presos estejam presentes, ou ausentes.
Para o
que, se necessario é, desde agora para então, lhes dimitto os ditos bens, por
via do dito contrato honeroso, e poderão os condemnados dispôr delles
livremente, com tanto que seja em favor dos Catholicos. E deste Alvará gozarão
todos os que diante forem presos, accusados e condemnados, desde o dia da data
delle; excepto sómente aquelles, que morreram impenitentes, com pertinacia em
seus erros judaicos, ou heresias, não confessando nossa Santa Fé Catholica; aos
quaes, sendo condemnados, como taes, serão então confiscados seus bens, em
qualquer poder que estiverem.
E
sendo necessario, para maior seguridade do conteudo neste Alvará, impetrar-se
authoridade e confirmação delle, da Sé Apostolica, a mandarei impetrar, por
meus embaixadores, sendo por ella admitidos; e em quanto o não forem, se as
pessoas da dita nação, ou algumas dellas, a quizerm alcançar, a poderão
impetrar; e no entretanto que se alcançe, sempre se guardará e ficará em seu
vigor.
Notifico-o
assim ao Bispo Inquisidor Geral, Dom Francisco de Castro, do meu Conselho de
Estado; e lhe encommendo e encarrego, que assim o cumpra e guarde, e faça
cumprir e guardar a todos os Deputados do Conselho Geral, e a todos os
Inquisidores, Deputados e Officiaes das Inquisições destes Reinos, e faça
registar nos Livros dos Secretos dellas este Aalvará; e o mesmo mando ao Juiz e
Officiaes do Fisco, para a todos ser notorio e o guardarem.
E
assim encommendo e encarrego a todos os Prelados, Dignidades e Justiças
Ecclesiasticas, dos meus Reinos e Senhorios, que cumpram e guardem.
E
mando ao Presidente do Desembargo do Paço (...) que assim o cumpram e guardem
(...) e recrescendo sobre o cumprimento e intendimento delle, algumas duvidas e
causas conhecerá dellas privativamente, e as determinará, a pessoa que eu
nomear, com inhibição a todas as mais Justiças e Tribunaes.
O que
tudo hei por bem que se cumpra e guarde, de minha sciencia, proprio motu, poder
Real e absoluto (...).
E hei
por suppridas neste Alvará, e postas nelle, todas as solemnidades, de feito e
de direito, que necessarias sejam; e derogo e hei para isso derogadas todas e
quaesquer Leis, Direitos, Ordenações, e Capitulos de Côrte, que possam ser em
contrario, posto que taes sejam, de que fosse necessario fazer expressa e
especial menção, de verbo ad verbum, sem embargo da Ordenação do livro
2º. titulo 44, que diz que se não intenda ser por mim derogada Ordenação
alguma, se da substancia della se não fizer expressa menção.
E
quero e hei por bem, que nos traslados deste meu Alvará, em publica forma,
feitos por mandado e authoridade de qualquer Justiça, seja dada tanta fé, como
ao proprio original, e que valha, como Carta sem passar pela Chancellaria, sem
embargo da Ordenação do livro 2º. titulo 39 e 40.
Antonio
dos Santos Freire o fez, em Lisboa, a 6 de Fevereiro de 1649. Fernão Gomes da
Gama o fez escrever. - Rei.
JJAS,
1648-1656, pp.27-29.
Édito
do Santo Ofício
Os do
Conselho Geral do Santo Officio da Inquisição contra a heretica gravidade e
apostasia nestes Reinos e Senhorios de Portugal, etc. Fazemos saber aos que a
presente virem, ou della tiverem noticia, que mandando El-Rei nosso Senhor, que
Santa Gloria haja, no mez de Maio de 1647, remetter ao Illustrissimo Senhor
Bispo Inquisidor Geral, que Deus tem, um papel no qual se havia proposto a Sua
Magestade, que, para conservação e augmento deste seu Reino e Senhorios, era
precisamente necessario augmentar o commercio e navegação, o que se não podia
conseguir senão libertando Sua Magestade todo o dinheiro e fazenda que nella
entrasse da pena da confiscação em que se incorresse por qualquer crime de lesa
Magestade, Divina ou humana, com ordem para nol o communicar, e darmos na
materia nosso parecer. E sendo por nós vista com toda a ponderação, assim a
proposta como os fundamentos, com que se pertendia justificar, pareceu que não
cabia debaixo do poder Real a faculdade de isentar os hereges da pena de
confiscação estabelecida contra elles pelos Sagrados Canones, a cuja disposição
não podiam contravir os Principes temporaes, direita ou indireitamente, por
suas leis ou estatutos, por cahir aquella pena sobre materia espiritual, e ser
punitiva de peccado mortal, e a que mais enfreava aos judaizantes, em cuja
opinião todas as mais eram vãas. E que quando, estando esta em sua observancia
havia (por nossos peccados) grassado tanto o judaismo neste Reino, que seria
vendo-se livre della? De que se formou uma consulta, que em resposta d'aquelle
papel se deu a Sua Magestade em 25 de Junho d'aquelle anno.
E
tendo-se intendido que o dito Senhor a communicava em segredo a algumas
pessoas, as quaes lhe aconselhavam que podia coa consciencia conceder aos
hereges aquella isenção, desejando o dito Senhor Bispo satisfazer á obrigação
do logar em que a Santa Sé Apostolica o havia posto, e por o ceder com a justificação
e acerto que pedia uma materia de tanta consideração, a mandou tambem
communicar aos tres Tribunaes do Santo Officio do Reino, e todos uniformemente
concordaram com o mesmo que havia parecido ao Conselho, e alcançando que Sua
Magestade continuava com a mesma pratica, se resolveu em ir pessoalmente á sua
Real presença, acompanhado de seus Conselheiros, como o fez em Janeiro de 1649.
E depois de alli presentar a Sua Magestade a cópia de um Assento tomado em caso
semelhante, em tempo do senhor Senhor Rei Dom Sebastião, sendo Inquisidor Geral
o Senhor Cardeal Infante, depois Rei Dom Henrique, pelos maiores Letrados que
então se achavam na Côrte, uns do nosso mesmo Conselho e outros Desembargadores
do Paço, no qual resolveram então o mesmo que agora nos parecia, pedio com toda
a submissão a Sua Magestade fosse servido mandar ver o tal Assento, e não se
resolver em negocio de tanta consideração e escrupulo sem ouvir seus Tribunaes,
e em particular o do Conselho Geral, a quem principalmente tocava aconselhar a
Sua Magestade em casos semilhantes.
E
havendo Sua Magestade por bem de nos querer ouvir em outro dia, tornando nós á
sua presença com o mesmo Senhor Bispo, em 6 de Fevereiro seguinte, nos mandou
ver um Alvará, pelo qual havia por bem que não só os bens e fazenda que
entrassem no commercio, mas geralmente todos os da gente de nação, assim
naturaes de seu Reino e Senhorios, como estrangeiros, que fossem presos ou
condemnados pelo Santo Officio, pelos crimes de heresias e apostasia, ou
judaismo, não fossem sequestrados, ou inventariados ao tempo das prisões, nem
encorporados no fisco Real ao tempo das sentenças condemnatorias, e que os
condemnados podessem dispor delles livremente, limitando só que fosse em favor
de catholicos.
E
sendo por nós lido, representámos a Sua Magestade, com todo o decoro devido a
sua Real pessoa, quanto sobre esta materia se nos offereceu. - Ao que Sua
Magestade respondeu que nos agradecia o zelo com que o aconselhavamos em
cumprimento de nossa obrigação, porém, que tambem estava aconselhado por homens
letrados, que lhe diziam que, sem escrupulo podia abraçar aquelle meio, e que
com seu parecer segurava sua consciencia.
E
publicado o dito Alvará na Casa da Supplicação em os 25 dias daquelle mez, foi
remmetida por de Sua Magestade a copia delle ao dito Senhor Bispo, com ordem
para o fazer executar pelos Tribunaes do Santo Officio.
E
sendo visto por nós em Conselho, pareceu que por uma Consulta se declarasse a
Sua Magestade quanto de Palavra se lhe havia dito, e assim se fez, accrescentando
as deformidades que se offereciam em sua execução, que em substancia vinham a
ser, que sendo tenção de Sua Magestade conservar nas Conquistas desta sua Côroa
a pureza de nossa Santa Fè, era aquella liberdade o mais ordenado meio para de
todo a perderem seus habitadores, pois sendo pela maior parte de nação hebrea,
e vivendo já então com tanta soltura como a Sua Magestade era notorio, que
seria d'alli em diante, vendo-se livres de perder a fazenda? E que sendo a
concessão geral para todos, o Alvará os não obrigava a nada, e sem fazerem
serviço algum a Sua Magestade, ficariam gozando d'aquella graça, a qual não era
so para os hereges penitentes reconciliados com a Igreja, mas também para os
que ella lança de si, e relaxa á Curia Secular, concedendo a estes taes, que
podessem fazer testamento solemne como se morreram com os Sacramentos da
Igreja, sendo por todos os direitos incapazes de testar, e que causaria grande
escandalo em toda a Christandade o vêr-se, que estando imposta por Direito a
pena de confiscação a tantos outros crimes, por aquelle Alvará só ficava izento
o de heresia e judaismo, sendo o que mais se devia reprimir, como mais
offensivo da Divina Magestade, pedindo-se em conclusão a Sua Magestade fosse
servido tornar a mandar considerar aquella materia, em dar-nos licença para dar
conta della ao Summo Pontifice, sem cuja authoridade não podia o Santo Officio
alterar a antiga disposição dos Sagrados Canones e Breves Apostolicos.
E não
se movendo Sua Magestade de nossas razões, se ordenou uma carta para o Summo
Pontifice, pela qual se lhe dava conta do Alvará, e se lhe pedia nos mandasse
declarar o como o Santo Officio se devia de haver na materia delle; e com uma
de 3 de Setembro seguinte, demos a cópia da dita carta a Sua Magestade,
dizendo-lhe como a enviavamos ao Papa, por nos acharmos a isso obrigados, e que
por elle se veria que a tenção do Santo Officio não era outra mais que
satisfazer a sua obrigação, e desejar servir a Sua Magestade. A esta carta
respondeu o Summo Pontifice com um seu Breve dirigido ao dito Senhor Bispo
Inquisidor, que traduzido em nossa lingua vulgar é o seguinte:
Breve do Papa Inocêncio X
Ao
Veneravel Irmão, Bispo da Guarda, Inquisidor de Portugal, Innocencio Papa X.
Veneravel Irmão, Saude e Benção Apostolica. Conforme a obrigação de nosso
cuidado pastoral, e nossa paternal caridade para com esse Reino, não sem grave
molestia de animo, ouvimos de Vossa carta o que agora ahi se innovou, com
grande detrimento da Santa Inquisição, mas o que neste neste novo edicto se contem,
a saber: que os bens dos condemnados pelos crimes de heresia, apostasia, ou
judaismo, não venham ao Fisco, já de muito nos ensinou o uso nesse mesmo Reino,
que não só não conduzia para conversão e penitencia dos homens maus, mas ainda
lhes dava occasião a delinquir mais livremente, e seguirem com mais pertinacia
seus erros, de maneira que aquelles mesmos, que levados da esperança de maior
bem e proveito seu, alguma ora vieram em semelhante concessão, mas ainda com
instancia pediram á Sé Apostolica que houvesse por de não conceder aos taes
cousas alguma sobre esta materia. Pelo que nós, seguindo as pisadas de nossos
predecessores Pio V. e Gregorio XIII, condemnamos o tal indulto, e por nossa
Authoridade Apostolica determinamos e declaramos que, quaesquer Decretos,
Edictos, ou (como se diz) Alvarás por quem quer que forem feitos, debaixo de
qualquer côr, pretexto, e authoridade (como contrarios aos Sagrados Canones, e
oppostos ao bem da Religião Catholica) são nullos, invalidos, e de nenhum
momento, não obstante quaesquer causas em contrario. E louvamos muito em o
Senhor (Veneravel Irmão) vossa liberdade e valor, e dos outros Inquisidores de
Portugal, em reprovar uma cousa de tão grande prejuizo e vos admoestamos e
exhorbitamos uma e muitas vezes, que com todas vossas forças procureis
sustentar a mesma constancia e defender estrenuamente a jurisdicção do Santo
Officio, que é a que guarda a pureza e inteireza da Religião Catholica (como verdadeiramente
o fazeis) e com grande benevolencia vos damos a Bençao Apostolica. Dada em
Roma, em Santa Maria Maior, debaixo do Annel do Pescador, aos 17 dias do mez de
Maio de 1650.
Anno Sexto do nosso Pontificado.
E
chegado este Breve em 16 de Outubro de 1650, ficando no Santo Officio a copia
authentica delle, presentámos o original a Sua Magestade em 19 de Novembro
seguinte, com uma nossa consulta, pela qual, com a humildade e acatamento
devido, representámos a Sua Magestade a razão que o Santo Officio tinha de
acudir a sua obrigação, e se conformar com a resolução de Sua Santidade. E
porque Sua Magestade nos mandou responder que não fôra ouvido de Sua Santidade,
que era força que o ouvisse, lhe representámos por outra consulta de 26 de
Janeiro de 1651, que o dito Breve não continha disposição alguma nova, para que
fosse necessario ser Sua Magestade primeiro ouvido, nem o Santo Officio fundava
nelle seu procedimento, e que era uma simples resposta da carta que por maior
veneração e respeito das ordens de Sua Magestade se lhe havia escripto, sem
embargo de estarmos certos, que sem nova declaração da Sé Apostolica, era o
Santo Officio obrigado a executar o que dispunham os Sagrados Canones, na fórma
que sempre o executára até á publicação daquele Alvará, pelo que lhe era
forçado declarar ultimamente a Sua Magestade, que sem embargo delle mandava com
effeito proceder contra as pessoas culpadas no crime de heresia, na fórma que o
Direito dispunha, e sempre procederá, esperando com grande confiança da misericordia
de Deus Nosso Senhor, e piedade de Sua Magestade, que não consentiria que este
procedimento se impedisse de algum modo, sendo tanto em serviço do mesmo
Senhor, como de Sua Magestade.
A que
Sua Magestade foi servido mandar responder em 17 de Fevereiro que a ordem de
Sua Santidade continuasse conforme a disposição ordinaria de Direito, até que
houvesse tempo para Sua Santidade ser melhor informado, visto ser concedido o
Alvará com clausula de que sendo necessario o approvaria, e confirmaria Sua
Santidade. E posto que logo depois desta resposta vimos passar os varios Decretos
a ella contrarios, dando contudo logar a que Sua Magestade mandasse recorrer ao
Summo Pontifice, foi o Santo Officio dissimulando, não sem esperança de que Sua
Magestade melhor informado de sua razão, e dando attenção, ao que que os tres
Braços do Reino juntos nas ultimas Côrtes, levados do zêlo da Fé, e do bem
publico, lhe representaram sobre a materia, desistiria de sustentar sua
primeira resolução.
E por
a morte o atalhar, recorremos a El-Rei Nosso Senhor que Deus Guarde, e por duas
Consultas de 5 e 22 de Dezembro passado, lhe fizemos presente o estado deste
negocio, pedindo a Sua Magestade com instancia houvesse por maior serviço seu,
e feliz principio de seu Reinado mandar que o dito Alvará se não praticasse, e
aos juizes do dessem a sua devida execução ás sentenças do Santo Officio.
E por
quanto nos não tem mandar responder até o presente, e o escrupulo e receio de
incorrer nas penas de Direito que nos obriga acudir á obrigação de nossos
cargos, como tambem nos encarrega Sua Santidade pelo dito Breve, estimulam
grandemente nossas consciencias - Mandamos que sem embargo de quaesquer ordens
em contrario se proceda na materia das confiscações, pelo crime de heresia,
apostasia, e judaismo, na fórma que os Sagrados Canones dispoem, e como sempre
se procedeu no Santo Officio.
E para
que por uma parte conste aos fieis christãos da justificação com que o Santo
Officio se tem havido nesta materia, e que só trata de reprimir a liberdade do
judaismo, pelos meios e penas do Direito, e de acudir á conservação da pureza
da Santa Fé Catholica, e ao que mais convém ao serviço e descargo de
consciencia d'Elrei Nosso Senhor. E desejando por outra remediar as
consciencias das pessoas que concorreram n'aquella resolução, mandamos passar a
presente com verdadeira relação de todo o procedimento passado, e declaramos,
Authoritate Apostolica, que todos aquelles que aconselharam, persuadiram,
ajudaram ou moveram, ou de qualquer outro modo concorreram na disposição do
Alvará, cujos nomes e cognomes aqui havemos por expressos, e declarados,
incorreram nas censuras e mais penas impostas em Direito, Breves Apostolicos e
Bulla da Cea do Senhor, contra os impedimentos do ministro do Santo Officio e
fautores de hereges, e com caridade paternal os exhortamos em o Senhor procurem
o saudavel remedio da absolvição, e se apartem de tão errada opinião, e ahi
mesmo onde deram conselho, desistam delle, e declarem seu enganos, pois o Breve
de Sua Santidade tão claramente o condemna e desengana, sendo certos que não o
fazendo assim e constando-me quem são, e que persistem em sua contumacia,
mandaremos aggravar contra elles os mais procedimentos de Direito, para o que
os citamos e chamamos, e havemos por citados e chamados. E para que o possa
fazer com inteiro conhecimento. Mandamos outro sim com pena de excommunhão ipso
facto incurrenda, cuja absolvição a nós reservamos, a todas as pessoas
assim exclesiasticas, como seculares, de qualquer qualidade e preheminencia que
sejão, que souberem, quem aconselhou, ou que por qualquer outro algum modo
concorreu para a resolução do dito Alvará, ou persuade ainda agora, depois da
declaração expressa de Sua Santidade, que se sustente, o venha denunciar á Mesa
do Santo Officio dentro de seis dias primeiros seguintes, que lhes damos e
assignamos pelas tres Canonicas admoestações termo preciso e peremptorio, dando
lhes repartidamente dous dias por cada admoestação. E sob a mesma pena mandamos
a qualquer Clerigo, ou Notario Apostolico, que no dia que lhe for ordenado a
lêa e publique do pulpito da Igreja que lhe ordenarmos, e depois de publicada a
fixe nas portas principaes das mesmas Igrejas, donde sem nosso especial mandado
não será tirada sob a mesma pena de excommunhão.
Dada
em Lisboa sob nossos signaes, e sêllo do Coselho Geral, aos 18 de Janeiro de
1657. Diogo Velho secretario do mesmo Conselho a fiz escrever. - Pedro da Silva
de Faria. - Francisco Cardoso deTorres. - Pantaleão Rodrigues Pacheco. - Diogo
de Sousa. - Frei Pedro de Magalhães. - Luiz Alvarez da Rocha.
JJAS,
1675-1680 (1640-1683),pp. 230-233.
Revoga
a isenção de confisco
(6
FEV1649)
Eu
El-Rei faço saber..., que, querendo El-Rei, meu Senhor e Pai (que Deus tem),
atalhar o damno, que a Religião Catholica Romana padecia no Estado do Brazil,
com perda de tantas Igrejas e perigo de tantas almas, e evitar os roubos e
prejuizos, que os Vassalos d'aquellas recebiam continuamente, no Mar e na
Terra, dos hereges do Norte instituindo para este effeito uma Companhia com
cabedal para ajudar as forças d'aquella Conquista, e navegar em Frotas as
drogas e provimento della, lhe concedeu (entre outros) o privilegio de que os
homens da nação dos christãos novos, que fossem condemnados pelo crime de
Judaismo, não perdessem seus bens; intendo-se que havia de constar delles,
assim dos que vivem dentro, como fóra do Reino, a maior parte do cabedal da
Companhia.
E
porque a experiencia mostrou, que os homens da nação, de fóra do Reino, não
acudiram com dinheiro algum, e os do Reino o fizeram em pouca quantia, e essa
por execuções e prisões de muitos, que foi a razão porque a Companhia não
cumprio o que prometteu, quando se formou, com tantas queixas dos Vassalos
destes Reinos, e dos d'aquelle Estado, que são motivos bastantes para eu poder
justamente revogar o dito privilegio; principalmente que, sendo passado com
clausula de se haver approvação da Sé Apostolica, consta que, sabendo delle a
Santidade Innocencio X, o prohibio com penas e censuras:
E
esperando El-Rei, meu Senhor, informar melhor a Santidade de Alexandre VII, por
Innocencio haver tomado aquella resolução, sem o ouvir, nem ao Reino, e
Vassalos, interessados na Companhia, deu Sua Santidade a mesma resposta de seu
Antecessor, pouco tempo antes do fallecimento d'El-Rei.
Pelas
quaes razões, tendo respeito ao que elle determinava fazer nesta materia, ao
que sobre ella lhe representou o Reino, junto em Côrtes, e ao que me representou,
logo que tomei o Governo, o meu Conselho de Estado, e outras pessoas, zelosas
do serviço de Deus e meu, e bem de meus Reinos:
Resolvi,
por um Despacho de 3 de Janeiro passado, valer-me dos ditos bens dos homens da
nação, condemnados pelo Santo Officio, em quantia de cento e vinte mil
cruzados, para as necessides da India; e por outro Despacho de 17 do dito mez,
de outra tanta quantia, para as mesmas necessidades; sem embargo do dito
privilegio e Alvará, por que se concedeu, que foi passado em 6 de Fevereiro do
anno de 1649 - e quebrando-o aquella parte, como já determinava quebrar em
todo:
Hei
por bem e mando se não use do dito Alvará, pelo que toca ao referido; e o
revogo e annulo, para se não poder fazer obra por elle, nem agora, nem em tempo
algum.
E os
Ministros do Santo Officio, os do Fisco, e todos os mais de meus Senhorios,
procederão nas materias da confiscação, assim e da maneira, que o faziam ao
tempo que se passou o dito Alvará, e antes delle, guardando-se nesta parte o
Direito Canonico, Breves Apostolicos, Regimentos e estilos do Santo Officio;
tendo o Inquisidor Geral, e em seu defeito o Conselho, a admnistração dos bens
do Fisco, na fórma do Regimento nos Capitulos XXVI e XXVIII, sem embargo de
quaesquer Decretos, Ordens, ou Provisões, passadas em contrario, que todas hei
por derogadas, como se aqui fizera dellas particular e expressa menção, de meu
motu proprio, certa sciencia, Poder Real e absoluto, no melhor modo e fórma,
que de Direito posso e devo.
E este
valerá, como Carta, e como Lei, começada em meu nome, passada por minha
Chancellaria, sellada do meu Sello pendente, sem embargo da Ordenação do livro
2.º titulo 40 que diz : Que as cousas, cujo effeito houver de durar mais de
um anno, passem por Cartas, e passando por Alvará, não valham, nem se guardem:
e quero que se registe nos Livros dos Tribunaes de meus Reinos, se publique na
Chancellaria, e se imprima, e remetta pelo Chanceller-mórás Commarcas, na fórma
costumada.
Luiz
Teixeira de Carvalho o fez, em Lisboa, a 2 de Fevereiro de 1657. Pedro Vieira
de Castro o fez escrever. - Rainha.
* D.
João IV faleceu em 8 de Novembro de 1656. Durante o seu reinado venceu e
sobreviveu a uma conspiração em 1641 e a tentativa frustrada de regicídio em
1647. Terá morrido excomungado.
JJAS,
1657-1674, pp. 1-2.
O
miserável governo passado
AUTO DAS CORTES DE 1668
Sessão XI
Em 28
de Fevereiro vieram a esta Junta do Estado Ecclesiastico o Marquez de Nisa e D.
Verissimo de Alemcastre, da parte da Junta da Nobres, e trouxeram as copias de
tres papeis que se deram na Junta d'aquelle Estado, do qual disseram os haviam
remettido a Vossa Magestade, para Vossa Magestade mandar tomar nelles a
resolução que fosse servido. (...)
E logo
na mesma junta se assentou que se fizesse uma consulta a Sua Magestade, sobre
os homens da nação hebréa não haverem ter honras, dignidades, officios, habitos
e commendas, nem logares nos Tribunaes, e que sobre isso se mandassem guardar
inviolavelmente as Leis e Provisões passadas sobre esta materia, porque do
contrario se seguia grande destruicção do Reino, e Nobreza delle, e muitos
inconvenientes no serviço de Deus Nosso Senhor, e de sua Igreja - de que se fez
a consulta seguintte, que se mandou communicar aos Estados da Nobreza e Povos.
Consulta
No
anno de 1482, achando-se os Reis Catholicos, Dom Fernando e Dona Isabel muito
embaraçados com a muita quantidade de judeus que havia em os Reinos de
Hespanha, resolveram de lançar por uma vez de todos os seus Reinos esta gente
para não arriscarem a pureza de nossa Religião Catholica com taes hospedes. -
Desta expulsão geral coube então grande parte ao nosso Reino de Portugal,
porque consta das Chronicas d'aquelle tempo que entraram nelle mais de vinte
mil casaes, a que El-Rei Dom João II deu licença sómente para deste Reino se
embacarem para outras partes e não ficarem nelle.
Porem
depois, ou obrigados do amor de Espanha, onde nasceram e se criaram, ou da
commodidade da terra para seus tratos e commercios, ou da piedade do Senhor Rei
Dom Manoel, que succedeu a no Reino ao Senhor Rei Dom João II, que deixou ficar
os que quizessem baptisar e ser christão, tomaram muitos o Santo Sacramento do
Baptismo, e ficaram entre nós - e tem mostrado a experiencia o irreparavel
damno e grande prejuizo que se seguio desta communicação, pois elles não
melhoraram na fé que fingiram abraçar, e infecionaram o Reino, da maneira que,
tanto, tanto á nossa custa, temos experimentado, não ensinando e espalhando a
sua falsa Lei de Moisés, pervertendo a muitos com esta doutrina, senão çujando
com seu sangue os moradores deste Reino, e ainda muita gente da Nobreza delle;
de que sempre muitas pessoas zelosas, e de verdade e letras, tiveram grande
sentimento, procurando-lhe remedio
conveniente, mas como o damno cresceu tanto, e nesta gente tanto as
riquezas, e a industria nunca se pôde achar, e sempre elles acharam os favores
e as valias dos mais poderosos, para contrastar tudo que contra elles se
intentava, não só nas Côrtes dos Principes Seculares, senão na do Supremo
Principe da Igreja Catholica.
Com
tudo no anno de 1629 ou 1630 se juntaram, por ordem de D. Filippe IV Rei
Catholico, que então governava este Reino, na Villa de Thomar, os Prelados
todos que então havia nelle, e sobre esta materia gastaram muito estudo, e não
resultou outra cousa d'aquelle Congresso senão uma Provisão do mesmo Rei
Catholico, passada em Madrid em 12 de Abril de 1633, na qual se ordena que as
Leis e Provisões que se haviam passado contra esta gente da nação dos christãos
novos, para não terem honras, dignidades, officios de Justiça ou Fazenda,
habitos, commendas, e outras cousas semilhantes, se guardassem e observassem
muito exactamente, e que todos os Tribunaes as fizessem executar.
Porem
a disposição, assim desta Lei, como das mais que de antes havia nesta materia,
foi sómente para terror, por que depois dellas tiveram os christãos novos mais
honras e mais officios e dignidades, sem nenhuma differença dos christãos
velhos; e nestes nossos tempos mais proximos, o miseravel Governo passado,
cresceu tanto a nossa desgraça neste particular, que em quasi todos os
Tribunaes maiores tiveram entrada; cousa nunca mais vista, ainda no de Reis
estrangeiros, sem embargo dos exemplos tão continuos das prisões, e relaxações
á Justiça Secular de semilhantes sugeitos, como é notorio, pois ainda no Auto
da Fé proximo passado de Évora foi queimado um, só confitente de christão novo,
fidalgo honrado pelas outras partes, e com posto muito honrado na guerra - e no Auto da Fé passado, que se celebrou
nesta Cidade, foi queimado outro, ainda que inferior na qualidade, muito
superior no posto da guerra, e com habito de Christo, e uma larga tença.
Deste
e de outros semilhantes successos nasce a opinião que tem todos os portuguezes pelo
Mundo todo, assim em Italia, França e Alemmanha, como ainda em Castella, que o
mesmo é ouvir a um homem portuguez, que marcal-o por de nação hebréa; e o mesmo
é ver a uma pessoa com a insignia do habito de Christo, que tel-o por christão
novo - e sendo isto assim, não procuramos o remedio de nossa fama e opinião, e
da prova de nosso sangue, e da conservação da vossa antiga nobreza, antes cada
dia mais engrandecemos esta gente, e a honramos com postos na paz e na guerra,
e com habitos e commendas, officios e logares nos Tribunaes, entregando-lhe até
os Archivos onde se conservam as cousas tocantes á nossa Santa Fé e Sagrado Tribunal
do Santo Officio, e as mais da nossa Sagrada Religião Catholica, quando nos
mais Reinos do Mundo (excepto os de Castella) se usa com elles outro differente
trato.
A
experiencia tem mostrado que a clemencia e piedade que se usa com esta gente é
mais prejudicial que proveitosa, e que não se abstem de suas herezias, mas que
mais afoutamente as commetem e assim não se deve fazer nenhum caso d'elles,
antes honrar muito os christãos velhos para todos os tractos e commercios, e
fazer-lhe muito favores, para que applicando-se a elles, vão pouco a pouco
enfranquecendo-se os christãos novos.
Esta
materia é muito grande e de ruins consequencias para o futuro, por que já agora
vemos o Reino todo tão aparentado com esta gente, que é uma lastima grande, e
pelo tempo adiante não haverá quem tenha a limpesa que se requer para os cargos
e officios publicos, nem ainda para os do Santo Officio da Inquisição. Porem os
remedios, Senhor, que já se tem em varios tempos muito difficultosos e por ora
pareceo á Junta representar a Vossa Magestade, que se deviam mandar guardar
inviolavelmente as provisões e ordens passadas contra esta gente para que não
tenham honras, dignidades, officios, nem habitos ou commendas, nem logares em
tribunaes, e que nesta materia se não admittam - dispensações nem de Vossa
Magestade nem de Sua Santidade, e que outro sim peça ao Summo Pontifice, que em
nenhum caso passe breve a favor desta gente para se ordenarem de Clerigos, nem
para beneficios ainda que simples e sem
cura de almas que não aprendam letras
nas Universidades, para que não sejam juristas nem medicos, por que
sendo isto assim se applicarão mais os christãos velhos a estas sciencias, e se
evitarão os damnos que se seguem de os christãos novos as estudarem e
executarem,
e nos tribunaes se não devem admittir os christãos novos em nenhum caso, que é
cousa de muito mao exemplo e de grande escandalo, e que nunca se vio se não
neste miseravel governo passado.
E
supostas riquezas que os homens desta Nação tem adquiridas com o commercio e
com os assentos e contractos com a fazenda Real, e obrigação que lhes toca
acodirem ás necessidades publicas do Reino, pois com esse contracto e condicção
ficaram nelle ao principio, pareceo que Vossaa Magestade lhes devia impôr a
obrigação de contribuirem para os presidios da gente de guerra que ficou no
Reino depois da publicação da paz, com aquella quantia que parecer conveniente
que elles entrem, se repartirão todos annos com a igualdade correspondente ás
possibilidades de cada um; porque com isto ficará o Reino mais aliviado, e
Vossa Magestade mais bem servido. Lisboa 3 de Março de 1668.
Sessão
XVI
Em os
16 do mez de Março, em S. Domingos de Lisboa, na Junta Ecclesiastica (...)
E que
tambem haviam feito outra Consulta sobre se proceder contra o Conde de
Castello-Melhor e Henrique Amigos, e se tomaram seus bens para as necessidades
presentes - e outra sobre o levantamento do preço das moedas de ouro - e outra
sobre se não darem honras e dignidades aos christãos novos - conformando-se em
tudo neste particular com a consulta do desta Junta do Estado Ecclesiastico.
(...)
JJAS,
1675-1680, (Sup. 1640-1683), pp. 115-116 e 124.
Expulsão
de Cristãos-Novos por judaísmo
Eu o
Principe, Sucessor, Governador e Regente dos Reinos de Portugal e Algarves,
etc. Faço saber aos que esta minha Lei virem, que, considerando que a piedade,
que os Reis meus antepassados usaram com a gente de Nação Hebrea, admittindo a
muitos nestes Reinos, e procurando sempre que perseverassem na verdadeira Fé de
Jesu Christo, que todos os primeiros voluntariamente abraçaram, e prometteram
seguir; e posto que muitos desta nação se vio o desejado effeito da conversão,
vivendo continuando, como verdadeiros Catholicos; com tudo sempre houve
alguns que renovaram os erros que seus antepassados abjuraram; e tambem os
Reis, com todo o cuidado e zelo da Fé e de suas almas lhes buscaram sempre o
remedio, assim pelo rigor, como pela clemencia, pedindo ao Summo Pontifice o
Tribunal da Inquisição para vigiar sobre estes damno, e extirpar seus erros,
como com tão notorio zelo sempre fez, e ainda depois de alguns annos,
alcançando-lhes o perdão geral, e fazendo-lhes outros muitos favores, para seu
bem espiritual e temporal; não foi porem com tudo bastante, para alguns não
continuassem, e se experimentasse nelles crescer e contumacia e perfidia, com
grande detrimento dos bons da mesma nação, e ainda do mesmo Reino, ao qual por
semelhante gente se prejudica na opinião com as nações estrangeiras.
E
considerando eu, e mandando considerar e ponderar esta materia por Ministros
dos Tribunaes e do Santo Officio, e outras pessoas de auctoridade e
experiencia, e ultimamente no meu Conselho de Estado, parecendo-me que se devia
applicar novo remedio a este damno; pois os applicados não foram de todo
efficazes, fui servido resolver, e hei por bem e me praz, que todas as pessoas
d'aqui por diante convicta, e em suas sentenças declaradas por incursas no
crime de judaismo, heresia, ou apostasia de nossa Santa Fé (comprehendendo já
as que sahirem neste Acto, que proximamente se ha de celebrar em 8 deste
presente mez de Agosto) sejam exterminadas, e saiam destes meus Reinos e suas
Conquistas dentro de dous mezes, que se começarão a contar, depois de findo o tempo
que o Santo Officio lhes signalar para a sua instrucção, e não tornarão mais a
elles em tempo algum, com cominação, que os que não sahirem dentro do dito
tempo, ou depois de sahidos tornarem a estes Reinos, ou Conquistas delle,
incorrerão em pena de morte natural; e os que os occultarem, e não denunciarem,
sabendo-o, em pena de confiscação de seus bens, dos quaes será ametade para os
denunciantes: na qual pena de confiscação de seus bens, dos quaes será ametade
para os denunciantes . na qual pena de confiscação (alem da imposta por esta
Lei) serão tambem comprehendidos os mesmos christãos novos, que tornarem pelos
bens, que trouxerem, ou de novo se lhes acharem, dos quaes será ametade para os
que os delatarem; e na mesma fórma serão exterminados os Clerigos Seculares,
incursos nos sobreditos crimes: e quando deixem de ir,ou tornem ao Reino, serão
mandados para uma das Conquistas, com ordem, que de lá os façam passar para as
Terras visinhas, que não sejam do Dominio desta Corôa.
E
quanto ás mulheres e maridos, que não forem culpadas, ou sejam Christãos Novos,
os Christãos Velhos, se não quizerem ir com os exterminados, se não poderão
obrigar, ou impedir, ficando-lhes este ponto na sua escolha. - Com declaração,
que lhes não deixarão levar os filhos, menores de sete annos; salvo se os pais
os pedirem, depois de constar que estão em parte, aonde vivem como Catholicos;
e aos filhos, maiores de sete annos, lhes será licito o irem, ou ficarem.
E
mando ao Regedor da Casa da Supplicação, Governador da Casa do Porto,
Desembargadores etc.
Miguel
Vieira de Sousa a fez, em Lisboa, a 5 de Agosto do Anno do Nascimento de Nosso
Senhor Jesu Christo de 1683.
Francisco
Pereira de Castel-Branco a fez escrever. - Principe.
JJAS,
1675-1680, (Sup. 1640-1683), p.91.
Sustento
dos presos pobres da Inquisição
Eu
El-Rei faço saber ..., sendo-me representado que não ha consignação para a
despesa que se faz nas Inquições do Reino com os presos pobres a quem se não
acharam bens de que se possam alimentar no tempo de sua prisão; e sendo justo
acudir com remedio a esta falta, mandei consultar este particular com pessoas
de letras e experiencia, e resolvi que os presos pobres se devem alimentar na
prisão por conta das pessoas a quem se restituem seus bens, por mercê e
beneficio do Alvará que se passou em 6 de Fevereiro de 1649, ácerca dos bens
que antes delle se perdiam para o Fisco Real.
Por
bem do que mando aos Depositarios das pessoas que se prenderem pelo Santo
Officio, nesta Côrte, e nas Cidades de Evora e Coimbra, que ao presente são, e
ao diante forem, cada qual em seu districto, que do dia em que este Alvará lhes
fôr mostrado a diante, acudam ao sustento das pessoas presas que não tem bens
proprios com que se alimentem, dando para cada pessoa vinte mil réis cada anno -
mas sem embargo disto, sendo que seja necessario mais alguma cousa, alem dos
vinte mil réis para cada preso pobre, se poderá pedir, na mesma conformidade
que está dito; o que farão, pela mesma ordem, fórma e estilo, e com a mesma
arrecadação de papeis, que tem e usam quando acodem ao sustento das pessoas que
se alimentam de seus bens.
E a
quantidade necessaria para o sustento dos presos pobres supprirão os ditos
Depositarios, dos bens que tiverem em seu poder, tomando-os por emprestimo, até
se tratar da entrega delles, em que o satisfarão.
E para
o poderem fazer, de fórma, que se guarde neste encargo igualdade e justiça, os
ditos Depositarios, no tempo em que se fizerem inventarios, em qualquer parte
que seja, mandarão logo vir a si o tralado delles, para que, quando se faça o
Auto da Fé na Inquisição do seu districto, com as pessoas que sahirem ao dito
Aauto, ajustarão a quantidade que tem despendida com os presos pobres até
aquelle tempo; e esta quantia repartirão pelo valor dos bens que montarem os
inventarios das pessoas que sahirem no dito Auto, cujos bens foram condemnados,
e se lhes restituem do Fisco Real a que tocavam, por mercê minha, e beneficio
do Alvará acima referido - e feita a dita repartição, descontarão a cada qual
dos interessados a rata quantidade que lhe tocar.
E para
que esta repartição se faça com toda a clareza, e noticia de que nella não
houve descaminho, ordeno e mando que os Depositarios façam a dita repartição,
com assistencia de duas pessoas, que nomearão as mesmas pessoas a que tocar o
prejuizo della.
E por
esta forma se irá acudindo sempre ao sustento dos presos pobres que houver nas
Inquisições, provendo-o os Depositarios, e para esse effeito tomando-o por
emprestimo, dos mais promptos que tiverem em seu poder, e satisfazendo-o pela
repartição, feita na fórma referida.
E o
Juiz do Fisco fará cobrar do Depositario que lhe parecer os alimentos
necessario para os presos pobres - e aonde houver dinheiro mais prompto, desse
se valerá - e ao tempo das entregas conferirão os Depositarios o dinheiro que tem
dado, e se fará a restituição, na fórma deste Alvará, que se cumprirá, tão
inteiramente como nelle se contem.
João
Pereira o fez, em Lisboa, a 26 de Outubro de 1655 annos. E eu Francisco Gomes
de Pina o fiz escrever. -Rei.
JJAS,1648-1656,
p. 381.
Cobrança
e aplicação do legado
deixado
aos pobres da nação hebreia
do
concelho de Lamego
Eu
El-Rei faço saber a vós Provedor da Commarca da Cidade de Lamego, que, havendo
respeito ao que na petição escripta na outra meia desta folha dizem os pobres
da gente da nação, moradores, nessa Cidade, e visto as causas que allegam, e o
que constou de vossa informação, e parecer que me destes.
Hei
por bem e vos mando, que, tanto que vos este fôr dado, antes de outra cousa,
sequestreis, e depositeis em mão de pessoa segura e abonada, toda a fazenda que
ficou por morte do Deão da Sé dessa Cidade, D. Antonio de Faria, na dita
petição nomeado, pelo legado pio, que deixou D. Antonio da Fonseca, natural que
foi della, que faleceu em Roma, que constava de um conto de réis, consignados
em juro na Alfandega desta Cidade de Lisboa, de que na dita petição fazem
menção, como principipalmente obrigada a divida tão privilegiada:
E logo
tomareis contas do que elle cobrou e despendeu do dito legado, em quanto o
administrou, citando-se os herdeiros do dito Deão para ellas, ou dando-se
curador á herança, não a querendo elles acceitar.
E
privativa e summariamente, com derogação de quaesquer privilegios, posto que
sejam do Santo Officio, conhecereis das cousas tocantes ao dito legado.
E
tomadas as ditas contas, que serão havidas por sentença, fareis logo execução
na fazenda do dito Deão, e na dos mais devedores, pelo nellas ficarem
alcançados:
E que
della se não possa appelar nem aggravar, senão para a Mesa do Desembargo do
Paço, na qual, por Ministros della para isso deputados, se determinará tudo,
por assim convir a negocio de tanta importancia, e de serviço de Deus e meu -
mandando de todo fazer os autos e papeis necessarios, cumprindo este Alvará, e
as mais Justiças, Officiaes e pessoas, a que fôr mostrado (...). João Pimentel
o fez, em Lisboa, a 26 de Setembro de 1644. João da Costa Travassos o fez
escrever. - Rei.
JJAS,
1640-1647, p. 253.
REGIMENTO
do
SANTO
OFICIO DA INQUISIÇÃO DOS REINOS DE PORTUGAL
Titulo
III
Que
o Edital da Fé se publique todos os annos,
no
primeiro Domingo da Quaresma
XI.
Todos os annos, no primeiro Domingo da Quaresma, mandarão os Inquisidores
publicar em todos os Conventos, e Parochias de seu districto, o Edital da Fé,
formado na maneira que vai escripto no fim deste Regimento, ordenando a todos
os Priores, Abbades, e mais Parochos, que o publiquem em suas Igrejas, e passem
certidão nas costas delle de como assim o publicaram, e a remettam ao Santo
Officio
EDITAL
DA FÉ
E
Monitório Geral, De Que Se Faz
Menção
no Livro I Titulo III § XI
Os
Inquisidores Apostolicos, contra a heretica pravidade, e apostasia, em esta
Cidade, e Arcebispado de... e seu districto, etc. Fazemos saber aos que a
presente virem, ou della por qualquer via tiverem noticia, que, considerando
nós a obrigação que nos corre, de procurar reprimir, e extirpar todo o delicto,
e crime de heresia, e apostasia, para maior conservação dos bons costumes, e
pureza de nossa Santa Fé Catholica; e sendo informados, por não terem perfeito
conhecimento dos casos que pertencem ao Santo Officio, deixam de vir denunciar
de alguns delles, e que não está sufficiente mente provido a este inconveniente, com se publicarem só nas
occasiões, em que se celebram os Autos da Fé, pela pouca applicação, com que se
ouvem n'aquella occasião os editaes, em que os ditos casos se relatam; e
desejando achar meio, para que os fieis christãos não fiquem com suas
consciencias encarregadas, e illaqueados com as excommunhões, que se fulminam
nos ditos editaes; nos pareceu mandar publicar de novo todos os ditos casos com
esta nossa Carta monitoria, pela qual, Authoritate Apostolica, mandamos a todas
e quaesquer pesseoas ecclesiasticas, seculares, e regulares, de qualquer grau,
estado, preeminencia, ordem, e condição que sejam, isenta e não isentas, em
virtude da santa obediencia, e sob pena de excomunhão maior, ipso facto
incorrenda,cuja absolvição a nós reservamos, que em termo de trinta dias
primeiros seguintes, que lhes assignamos pelas tres canonicas admoestações,
termo preciso e peremptorio, dando-jhes repartidamente dez dias por cada
admoestação, venham denunciar, e manifestar ante nós, o que souberem, dos casos
que abaixo vão declarados.
(...)
Que
alguma pessoa, depois de ser baptizada, tenha, ou haja tido crença na Lei de
Moyses, depois do ultimo perdão geral, que se publicou em cinco dias do mez de
Janeiro de 1605, não reconhecendo a Christo Jesus Nosso Redentor por verdadeiro
Deus, e Messias promettido aos Patriarchas, e prophetizado pelos Prophetas,
fazendo os ritos, e ceremonias judaicas, a saber, não trabalhando nos sabbados,
mas antes vestindo-se nelles de festa, começando a guarda da sexta-feira á
tarde, abstendo-se sempre de comer carne de porco, lebre, coelho, e peixe sem
escama, e as mais cousas prohibidas na lei velha, jejuando o jejum do dia
grande, que vem no mez de Setembro, com os mais que os judeus costumam jejuar, solemnisando
suas Paschoas, rezando orações judaicas, banhando seus defunctos, e
amortalhando-os com camisa comprida de panno novo, e pondo-lhes em cima uma
mortalha dobrada, e calçando-lhes calções de linho, e enterrando-os em letra em
terra virgem, e covas mui fundas, e chorando com suas lyterias, cantando como
fazem os judeus, e pondo-lhes na boca grãos de aljofar, ou dinheiro de ouro, ou
prata, e cortando-lhes as unhas, e guardando-as, e comendo em mesas baixas, e
pondo-se detraz da porta por dó, ou fazendo outro algum acto, que pareça ser em
observancia da dita Ley de Moysés.
(...) Dada
em Lisboa, no Santo Officio, sob nosso signal sómente, aos 22 dias dias do mez
de Outubro de 1640 annos. Diogo Velho, Secretario do Conselho Geral, o fez
escrever.
O
Bispo Dom Francisco de Castro
JJAS.
1634-1640, pp.258, 375-376.
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