Dom Pedro, por Graça de Deus, Rei
de Portugal e dos Algarves, etc. Faço saber ao que esta Lei virem, que,
desejando que em todos os Dominios da minha Corôa, e para com todos os
Vassallos e subditos della se guardem os dictames da razão, e da justiça, sendo
informado que na conducção dos Negros captivos de Angola para o Estado do
Brazil obram os Carregadores e Mestres dos Navios a violencia de os trazerem tão
apertados e unidos uns com os outros, que não sómente lhes falta o desafogo
necessario para a vida, cuja conservação é commum e natural para todos, ou
sejam livres, ou escravos; mas do aperto, com que vem, succede maltratarem-se
de maneira, que, morrendo muitos, chegam impiamente lastimosos os que ficam
vivos – mandando considerar esta materia
por pessoas de toda a satisfação, doutas, práticas, e intelligentes nella, e
querendo provêr de remedio a tão grande damno, como é conveniente ao serviço de
Deus Nosso Senhor e meu, tanto pelo que a experiencia tem mostrado em os navios
que carregam Negros em Angola, como pelo que pode succeder em os que costumam
tambem carregar em Cabo-Verde, em S. Thomé, e nas mais Conquistas, fui servido
resolver que d'aqui em diante se não possam carregar alguns Negros em Navios e
quaesquer outras embarcações, sem que primeiro em todos e cada um delles se
faça arqueação das toneladas que podem levar, com respeito dos agasalhados e
cobertas para a gente, e do porão para as agoadas e mantimentos, tudo na fórma
seguinte:
Todos os navios que sahirem deste
porto para o de Angola, e outras Conquistas quaesquer, para carregarem Negros,
serão nelle arqueados, pelos Ministros e mais Officiaes e pessoas, que mandei
declarar em um Decreto ao Conselho Ultramarino, que inteiramente se cumprirá,
como nelle se contém.
Na Cidade do Porto fará esta
diligencia o Superintendente da Ribeira do Douro, e em sua falta o Juiz da
Alfandega, como Feitor dos Galeões, Patrão-mór, e Mestre da Ribeira; e
parecendo ao dito Superintendente, ou Juiz da Alfandega, chamar de mais uma até
duas pessoas, que ao dito sejam zelosas, e tenham sciencia e pratica desta
materia, o poderão fazer. (...).
Os navios, que do Estado do Brazil,
ou Maranhão, fizerem viagem para os ditos pórtos das Conquistas, serão
igualmente arqueados na Bahia pelo Provedor-mór da Fazenda, e Procurador della,
com assitencia do Patrão-mór, e Mestres da Ribeira; (…).
Os navios, e quaesquer outras embarcações,
que de Angola, Cabo-Verde e S. Thomé, e dos mais portos e Capitanias, aonde se
carregarem Negros, sahirem para um e outro Estado, ou para este Reino, serão
arqueados pelos mesmos Ministros e Officiaes, ainda que já o tenham sido nos
portos donde sahirem; com tal declaração, que se não se não poderá exceder a
arqueação feita; (…).
CAPITULO VI
Para se fazer esta arqueação, se
medirão por toneladas todas as ditas embarcações que se quizerem carregar de
negros, pelo chão, sem respeito ao ar, tanto nas cobertas e entre pontes, se as
tiverem, como em os convezes, camaras, camarotes, tombadilhos, e mais partes
superiores. Sendo navios de cobertas, e que nellas tenham portinholas, pelas quaes
os Negros possam commodamente receber a viração necessaria, se lotarão dentro
dentro nas ditas cobertas sete cabeças em duas toneladas; e não tendo as ditas
portinholas, se lotarão sómente em cinco cabeças as mesmas duas toneladas. Nas
partes superiores poderão levar, tanto uns como outros, cinco cabeças miudas,
de idade e nome de moleques, em cada uma tonelada, sem que por causa alguma se
possa accrescentar este numero, ou se possam apertar mais as ditas toneladas.
Serão obrigados os ditos navios e
embarcações levar os mantimentos necessarios para darem de comer aos ditos
Negros tres vezes no dia, e fazer e levar a agua, que abunde, para lhes darem
de beber em cada um dia uma canada infallivelmente.
A este fim se arquearão e medirão
igualmente os porões, e fazendo-se estimação dos mantimentos e aguadas, que
podem receber, computados de Angola para Pernambuco trinta e cinco dias de
viagem, para a Bahia quarenta, e para o Rio de Janeiro cincoenta, álem dos
mantimentos e agoada que fôr necessaria para a gente dos navios; e o mesmo
computo se fará sempre de dez mais, nos mais portos onde se carregarem Negros,
a respeito do tempo que costuma ser necessario para os portos a que forem
carregados.
O dito computo dos dias se
resolverá d'aquelle em que sahirem dos portos, e os mantimentos e agua se
repartirão com tal cuidado, que a todos chegue inteira a sua porção, e
evitando-se toda a confusão e desperdicio.
Adoecendo alguns, se tratará
delles com toda a caridade e amor de proximos; e serão levados e separados para
aquella parte, onde se lhes possam applicar os remedios necessarios para a
vida.
Todos estes navios serão obrigados
levar um Sacerdote, que sirva de Capellão para nelles dizer Missa, ao menos os
dias Santos, e assistir aos moribundos. A medição das toneladas se fará por
arcos de ferro marcados, que o Conselho mandará ter e fazer á sua ordem, pelos
que há na Ribeira das Náos desta Cidade, e os fará remetter a todos os Portos
de mar nas Conquistas, e aos que há neste Reino, donde se navega para elles,
para que em todos se guarde esta disposição, e nenhumas pessoas possam allegar
ignorancia nos casos em que a encontrar.
Feita a arqueação dos navios que quizerem
carregar, se lançará em Livro, com termo, pelo Escrivão da Provedoria, em que
se assignarão todas as pessoas acima nomeadas ; e com esta diligencia se poderá
abrir e fazer o despacho dos Negros que forem lotados ao navio, ou embarcação,
que se puzer á carga, e nunca se poderão carregar dous juntamente, para que a
titulo de ambos não possa algum levar mais que a sua lotação. (…).
Nos taes portos, em que se fizer a
dita carga, se destinarão os barcos necessarios para lá se fazer, e se mandará
lançar bando, pelos Governadores, do tempo que a dita carga há de durar, e do
dia em que os navios hão de sahir; e que nenhum outro barco, dentro do dito
tempo, até os navios lançarem fóra, possa chegar a elle, com comminação de pena
do perdimento dos barcos aos que o contrario fizere, e de quinhentos cruzados
de pena aos Mestres e Capitães dos navios, que, sem causa justificada, deixarem
de sahir ao dito dia. E para se evitar este inconveniente, mandará o Governador
de Angola a sua lancha, ou qualquer outra com um Cabo de confiança, e os
soldados que lhe parecer, que acompanharem os ditos navios, até duas e quatro
legoas ao mar, em que possam ir bem mareados, e livres dos ditos barcos lhes
chegarem.
Os mais Governadores observarão
esta mesma ordem; e em Angola se fará uma Casa de recebimento, como o
Governador intender que é convenientemente, que contigua á Casa do despacho, na
qual se possam recolher os Negros que houverem de despachar, e donde, sem outro
divertimento, se possam carregar nos navios, logo que forem despachados.
E havendo nos portos das outras Conquistas, em que se carregam Negros, igual conveniencia da que se considera em Angola, se farão Casas semelhantes para o dito effeito. Poderão levar de frete os Mestres e senhores dos navios, e quaesquer outras embarcações, por cada um Negro, ou seja grande, ou pequeno, até cinco mil réis, e mais não; e a esse respeito poderão levar os que sahirem dos outros portos, até dez tostões mais do que até agora levavam.
E supposto que se accrescente nesta Lei o numero de pessoas que hã de fazer as ditas arqueações, nem por isso os ditos Mestres e senhores dos navios darão mais para ellas, do que eram costumados, quando as pessoas eram menos; e pagarão sómente por cada tonelada aquella quantia que lhes derem os Regimentos, e em falta delles, conforme ao estilo que se achar mais antigo, e approvado por longo uso e costume, sob pena de serem castigados os ditos Ministros e mais Officiaes o contrario fizerem, ou consentirem, como o devem ser pelos erros que commeterem em seus officios.
E porque toda esta disposição não
poderá ter a execução ordenada, se os Ministros, aos quaes pertence o cuidado
della, o não tiverem mui vigilante em a cumprir e fazer guardar, como pede
materia tão relevante; e maior severidade nos que, desprezando, ou encontrando
as minhas ordens, forem occasião de se commeterem os abominaveis erros, que até
agora se usavam, e que ordinariamente aconteciam; ordeno e mando que o
Provedor-mór da Bahia, e os mais Provedores da Fazenda, que, por culpa,
negligencia, ou omissão, deixarem carregar, ou permittirem que se carreguem
mais Negros, d'aquelles que forem lotados aos Navios, por suas arqueações, ou
que consentirem que as ditas se façam em outra forma, da que é disposta nesta
Lei, incorram em perdimento de seus officios, e na pena do dobro do valor dos
Negros, que de mais forem carregados, e em seis annos de degredo para o Estado
da India; que os Patrões-móres, e Mestres da Ribeira, percam os seus officios,
e sejam degradados dez annos para o mesmo Estado da India; e que todos com as
suas culpas formadas, sejam remettidos presos a esta Côrte, para nella serem
sentenceados, como tambem as mais pessoas que assistirem ás ditas arqueações,
havendo-se com dólo, e commetendo nellas erros de culpa notoria.
E sendo comprehendidos os
Ouvidoures Geraes das ditas Capitanias, me darão conta os Governadores, com os
documentos que para isso tiverem, para eu mandar proceder contra elles com
tanta severidade por esta culpa como ella merecer: e havendo-se com dólo, nas
arqueações que fizerem, e a que assistirem, os Officiaes deste Reino, e das
Conquistas, nas quaes se não carregam negros, supposto que da sua culpa se não
siga immediatamente o damno das outras conquistas, e dos outros portos, com
tudo, por que della se pode seguir a desobediencia e transgressão desta Lei,
incorrerão por ella na pena de perdimento de seus officios, para não entrar
mais em meu serviço.
Os Mestres e Capitães dos navios e
embarcações, que carregarem mais Negros de sua lotação e arqueação, pagarão
dous mil cruzados de penas e o dobro do valor dos ditos Negros, ametade para
minha Fazenda, e a outra metade para quem os denunciar, ou accusar, e serão degradados
dez annos para o Estado da India; e esta mesma pena haverão os senhores dos
barcos, e carregadores, que levarem os ditos Negros aos navios e embarcações.
Os Guardas, que forem postos nos
ditos navios e embarcações, e forem scientes, ou complices do dito crime, serão
degradados toda a vida para o mesmo Estado da India: e tanto para com uns, como
para com outros reus, e para os mais referidos, serão admittidos por
denunciantes e accusadoress os socios da mesma culpa; e não sómente serão
relevados della, mas terão o mesmo premio dos mais denunciantes, como se a não
tivessem commettido.
Logo que os ditos navios e
embarcações chegarem aos portos, para os quaes foram carregados, sem alguma
demora se visitarão pelos Provedores da Fazenda, ou aquelles Officiaes que
estiverem mais promptos, e succederem em seu logar, quando elles estejam
impedidos, ou ausentes, para examinarem a carga que trazem, pela certidão dos
portos donde sahirem; e sendo conforme, os deixarão descarregar livremente; e
não o sendo, procederão contra os Mestres e Capitães.
Os Ouvidores Geraes, e
Provedor-mór da Bahia, e os mais Provedores da Fazenda, tirarão devassa de
todos os ditos navios e embarcações (...) darão conta ao Governador, para elle enviar
as taes devassas ao Conselho Ultramarino, e remetter os presos a este Côrte, na
fórma referida.
Aos Governadores encarrego muito
particularmente a exacção e cumprimento da Lei; e espero se hajam na
observancia della com tal cuidado, que tenha muito que lhes agradecer; porque
do contrario me haverei por mal servido delles: e quando a encontrarem em algum
caso, ou de alguma e qualquer maneira, mandarei proceder contra elles, como
desobedientes a minhas ordens.
Pelo que ordeno que nos Capitulos
de residencias, que se tirarem aos ditos Governadores, Ouvidores, e mais
Ministros, aos quaes o conhecimento e execução desta Lei deve pertencer, se
accrescente aos Sindicantes, especialmente perguntem, se elles a cumpriram e
guardaram, como nella se contém.
E mando ao meu Chanceller mór a
faça logo publicar na Chancellaria (… ).
Dada na Cidade de Lisboa a 18 de
Março de 1684. Rei.
JJAS, 1683 – 1700, pp. 8 – 11.
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