Tratado de Transacção sobre o Assento dos Negros da Companhia Real da Guiné,
celebrado entre El-Rei o Senhor Dom Pedro II e Dom Filippe V Rei de Hespanha
Por estar estipulado no artigo segundo do Tratado da nova alliança e garantia do testamento de Dom Carlos II, Rei Catholico de Hespanha na parte que respeita a sucessão em todos os seus Estados e Dominios o muito alto e muito poderoso Principe Dom Filippe V, por Graça de Deos, Rei Catholico de Hespanha celebrado com o muito alto e muito poderoso Principe Dom Pedro II, outro sim por Graça de Deus, Rei de Portugal, que se reparariam todos damnos que haviam resultado á Companhia do Assento dos Negros das Indias pelas vexações e pouca observancia com que os Ministros de Sua Magestade Catholica haviam cumprido as condições do contrato; pareceu conveniente a ambas as Magestades se fizesse em Artigos separados uma amigavel Transacção de todos os direitos, acções e pertenções, que a uma e outra Magestade podiam resultar, e aos interessados na Companhia, por qualquer cousa que fosse, para que se tirasse toda a occazião que pudesse ser de menor satisfação a ambas as Magestades havendo pleitos, de que se seguiriam dillações e prejuizos; (...) para a conclusão e ajuste da qual deram Suas Magestades plenipotencias, a saber; Sua Magestade Catholica, pela sua parte, ao Senhor de Rouillé, Presidente no Grande Conselho de Sua Magestade Christianissima, e Seu Embaixador nesta Corte de Lisboa, e Sua Magestade de Portugal pela sua parte, aos Senhores, Manoel Telles da Silva, Marquez de Alegrete (…), Francisco de Tavora, Conde de Alvor (…) e ao Senhor Mendo de Foyos Pereira, Commendador de Comenda de Santa Maria do Massão da Ordem de Christo (…). Os quaes ditos Plenipotenciarios, usando dos poderes que lhes são concedidos, celebrarão e ajustarão entre si amigavelmente a Transacção abaixo escripta, que contem quatorze Artigos separados (…).
Que
Sua magestade Catholica cede de todas as acções que tem e pode ter contra a
Companhia do Assento dos Negros, que lhe competem e possam competir por
qualquer causa, razões, fundamentos, fraudes e contravenções que tenha havido
no tempo da Obrigação deste Contracto, ficando Sua Magestade Catholica cedendo
de todas como se não fossem acontecidas.
Que
Sua Magestade Catholica dá por extinto e acabado que havia de durar da sua
obrigação, desde o dia de que se ajusta esta Transacção. E porque no intervalo
do tempo, que precisamente há de haver para chegarem a Indias as ordens de Sua
Magestade Catholica em que assim o mande declarar, poderão ter chegado algumas
embarcações a Indias que levassem negros para o provimento deste assento na
forma da Condição XI, se há de praticar, com estas embarcações e na venda dos
negros, o mesmo que se tivessem chegado no tempo que existia a obrigação do
contrato, guardando-se-lhes todas as isenções, liberdades, e franquezas nelle
estipuladas. E havendo alguns negros que pela obrigação do Assento se tenham
introduzido nas Indias e estiverem por vender, se guardará com elles o disposto
na condição XXVIII.
Que
Sua Magestade Catholica mandará pôr em sua inteira liberdade ao Administrador
do Assento Gaspar de Andrade, como tambem a todas as mais pessoas portuguezas
que serviram no Assento, que se acham embargadas ou prezas por qualquer cousa
que seja, sem poderem ser obrigadas nem executadas por condemnações ou despezas
algumas feitas por causa ou occasião de suas prisões ou processos. (… ) E se
mandará dar passagem para este Reino em navios portugueses, castelhanos, ou
francezes para as suas pessoas, como tambem para as fazendas e generos
procedidos dos effeitos da Companhia, sendo a escolha dos Navios das mesmas
pessoas; e sendo em portuguezes, poderão vir em direitura aos Portos de
Portugal (…); e vindo em navios castelhanos gosarão de tudo o que pela dita
condição lhes era permitido, se o Contrato durasse: e o mesmo se lhe concederá
vindo em navios francezes aos Portos de Castella e Portugal.(...)
Sem
embargo de que pela Condição I, do Contrato, se obrigou a Companhia no tempo da
sua duração, a introduzir em Indias dez mil tonelladas de negros regulados, na
fórma da mesma Condição e da VII, e havendo-se de pagar a Sua Magestade
Catholica os direitos dos negros que faltassem, para a introdução das ditas dez
mil tonelladas, como se com effeito se tivessem vendido e introduzido em
Indias; pelas justas causas que que move a Sua Magestade Catholica, concede á
Companhia que não pague direitos mais que dos negros que real e inteiramente
introduzio e vendeu nas Indias, fazendo-se
a conta dos negros pelas tonelladas na fórma da referida Codição VII.
Que
Sua Magestade Catholica mandará passar as ordens necessarias para, no tempo de
dous mezes peremtorios, se cobre effectivamente tudo o que se deve nas Indias á
Companhia; (…).
Que
Sua Magestade Catholica se obriga a mandar pagar as 200:000 patacas de
anticipação que se lhes fez, como tambem os reditos dellas de oito por cento,
na fórma que se declara na Condição IV; os quaes reditos se hão de contar e
vencer desde o dia em que as 200.000 patacas se entregaram, até áquelle em que
forem pagas em Castellas á pessoa que tiver os poderes necessarios para as
cobrar.
Que
Sua Magestade Catholica mandará executar promptamente a Condição XXXIV do
Assento sobre os bens que ficaram de D. Bernardo Francisco Marinho, para
satisfação da nossa divida, que na mesma Condição se declara.
Que
Sua Magestade Catholica há de dar 300.000 cruzados de moeda portugueza, que
neste Reino vale 400 réis, á Companhia em satisfação dos damnos recebidos, e de
todas acções que a dita Companhia podia ter contra a Fazenda de Sua Magestade
Catholica pelos ditos damnos, ou outra qualquer causa, pertencentes ao Assento
dos Negros, porque de todas se dá por paga e satisfeita com a quantia referida.
Os quaes 300.000 cruzados serão pagos em Castella na vinda da primeira frota,
ou frotilha, ou galiões que chegarem; e da mesma sorte as 200.000 patacas de
anticipação, e seus reditos até á real entrega, na fórma da Condição III e IV,
serão pagas em Castella nas segundas embarcações que chegarem, sendo da frota,
frotilha, ou galiões; de sorte que este pagamento se faça em dous prazos
subsequentes nas primeiras duas chegadas dos galiões, frota ou frotilha. E todo
este dinheiro destes dous pagamentos se poderão trazer moeda, barras de prata
ou de ouro, para Portugal.
Que
Sua Magestade de Portugal, em seu nome e de todos os interessados na Companhia,
de todas acções que lhe pertenciam e podiam pertencer contra a Fazenda de Sua
Magestade Catholica, assim e da mesma maneira, que Sua Magestade Catholica cede
das acções que lhe competiam no Artigo I, com todas as clausulas e condições
nelle declaradas.
(…)
Que
ambas as Magestades serão obrigadas a cumprir e guardar inteiramente o ajustado
nesta Transacção como parte do Tratado que se faz da nova alliança, e mandar
passar todas as ordens necessarias para ter devido effeito. E no caso que por
alguma das partes se falte ao promettido, se terá por contravenção ao dito,
como se faltasse ao que nelle se contém.
Lisboa,
aos 18 de Junho de 1701.
( L .
S . ) Marquez de Alegrete.
( L .
S .) Conde de Alvor.
( L .
S . ) Mendo de Foyos Pereira.
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