OS ESCRAVOS
Todos os navios que sahirem deste
porto para o de Angola, e outras Conquistas quaesquer, para carregarem Negros,
serão nelle arqueados, pelos Ministros e mais Officiaes e pessoas, que mandei
declarar em um Decreto ao Conselho Ultramarino, que inteiramente se cumprirá,
como nelle se contém.
Na Cidade do Porto fará esta
diligencia o Superintendente da Ribeira do Douro, e em sua falta o Juiz da
Alfandega, como Feitor dos Galeões, Patrão-mór, e Mestre da Ribeira; e
parecendo ao dito Superintendente, ou Juiz da Alfandega, chamar de mais uma até
duas pessoas, que ao dito sejam zelosas, e tenham sciencia e pratica desta
materia, o poderão fazer. (...).
Os navios, que do Estado do
Brazil, ou Maranhão, fizerem viagem para os ditos pórtos das Conquistas, serão
igualmente arqueados na Bahia pelo Provedor-mór da Fazenda, e Procurador della,
com assitencia do Patrão-mór, e Mestres da Ribeira; (…).
Os navios, e quaesquer outras
embarcações, que de Angola, Cabo-Verde e S. Thomé, e dos mais portos e
Capitanias, aonde se carregarem Negros, sahirem para um e outro Estado, ou para
este Reino, serão arqueados pelos mesmos Ministros e Officiaes, ainda que já o
tenham sido nos portos donde sahirem; com tal declaração, que se não se não
poderá exceder a arqueação feita; (…).
CAPITULO VI
Para se fazer esta arqueação, se medirão por toneladas todas as ditas embarcações que se quizerem carregar de negros, pelo chão, sem respeito ao ar, tanto nas cobertas e entre pontes, se as tiverem, como em os convezes, camaras, camarotes, tombadilhos, e mais partes superiores. Sendo navios de cobertas, e que nellas tenham portinholas, pelas quaes os Negros possam commodamente receber a viração necessaria, se lotarão dentro dentro nas ditas cobertas sete cabeças em duas toneladas; e não tendo as ditas portinholas, se lotarão sómente em cinco cabeças as mesmas duas toneladas. Nas partes superiores poderão levar, tanto uns como outros, cinco cabeças miudas, de idade e nome de moleques, em cada uma tonelada, sem que por causa alguma se possa accrescentar este numero, ou se possam apertar mais as ditas toneladas.
CAPITULO VII
Serão obrigados os ditos navios e embarcações levar os mantimentos necessarios para darem de comer aos ditos Negros tres vezes no dia, e fazer e levar a agua, que abunde, para lhes darem de beber em cada um dia uma canada infallivelmente.
CAPITULO VIII
A este fim se arquearão e medirão
igualmente os porões, e fazendo-se estimação dos mantimentos e aguadas, que
podem receber, computados de Angola para Pernambuco trinta e cinco dias de
viagem, para a Bahia quarenta, e para o Rio de Janeiro cincoenta, álem dos
mantimentos e agoada que fôr necessaria para a gente dos navios; e o mesmo
computo se fará sempre de dez mais, nos mais portos onde se carregarem Negros,
a respeito do tempo que costuma ser necessario para os portos a que forem
carregados.
O dito computo dos dias se resolverá d'aquelle em que sahirem dos portos, e os mantimentos e agua se repartirão com tal cuidado, que a todos chegue inteira a sua porção, e evitando-se toda a confusão e desperdicio.
CAPITULO X
Adoecendo alguns, se tratará delles com toda a caridade e amor de proximos; e serão levados e separados para aquella parte, onde se lhes possam applicar os remedios necessarios para a vida.
CAPITULO XI
Todos estes navios serão obrigados levar um Sacerdote, que sirva de Capellão para nelles dizer Missa, ao menos os dias Santos, e assistir aos moribundos. A medição das toneladas se fará por arcos de ferro marcados, que o Conselho mandará ter e fazer á sua ordem, pelos que há na Ribeira das Náos desta Cidade, e os fará remetter a todos os Portos de mar nas Conquistas, e aos que há neste Reino, donde se navega para elles, para que em todos se guarde esta disposição, e nenhumas pessoas possam allegar ignorancia nos casos em que a encontrar.
CAPITULO XII
Feita a arqueação dos navios que quizerem carregar, se lançará em Livro, com termo, pelo Escrivão da Provedoria, em que se assignarão todas as pessoas acima nomeadas ; e com esta diligencia se poderá abrir e fazer o despacho dos Negros que forem lotados ao navio, ou embarcação, que se puzer á carga, e nunca se poderão carregar dous juntamente, para que a titulo de ambos não possa algum levar mais que a sua lotação. (…).
CAPITULO XIV
Nos taes portos, em que se fizer a dita carga, se destinarão os barcos necessarios para lá se fazer, e se mandará lançar bando, pelos Governadores, do tempo que a dita carga há de durar, e do dia em que os navios hão de sahir; e que nenhum outro barco, dentro do dito tempo, até os navios lançarem fóra, possa chegar a elle, com comminação de pena do perdimento dos barcos aos que o contrario fizere, e de quinhentos cruzados de pena aos Mestres e Capitães dos navios, que, sem causa justificada, deixarem de sahir ao dito dia. E para se evitar este inconveniente, mandará o Governador de Angola a sua lancha, ou qualquer outra com um Cabo de confiança, e os soldados que lhe parecer, que acompanharem os ditos navios, até duas e quatro legoas ao mar, em que possam ir bem mareados, e livres dos ditos barcos lhes chegarem.
CAPITULO XV
Os mais Governadores observarão esta mesma ordem; e em Angola se fará uma Casa de recebimento, como o Governador intender que é convenientemente, que contigua á Casa do despacho, na qual se possam recolher os Negros que houverem de despachar, e donde, sem outro divertimento, se possam carregar nos navios, logo que forem despachados.
CAPITULO XVI
E havendo nos portos das outras
Conquistas, em que se carregam Negros, igual conveniencia da que se considera
em Angola, se farão Casas semelhantes para o dito effeito. Poderão levar de
frete os Mestres e senhores dos navios, e quaesquer outras embarcações, por
cada um Negro, ou seja grande, ou pequeno, até cinco mil réis, e mais não; e a
esse respeito poderão levar os que sahirem dos outros portos, até dez tostões
mais do que até agora levavam.
E supposto que se accrescente
nesta Lei o numero de pessoas que hã de fazer as ditas arqueações, nem por isso
os ditos Mestres e senhores dos navios darão mais para ellas, do que eram
costumados, quando as pessoas eram menos; e pagarão sómente por cada tonelada aquella
quantia que lhes derem os Regimentos, e em falta delles, conforme ao estilo que
se achar mais antigo, e approvado por longo uso e costume, sob pena de serem
castigados os ditos Ministros e mais Officiaes o contrario fizerem, ou
consentirem, como o devem ser pelos erros que commeterem em seus officios.
E porque toda esta disposição não poderá ter a execução ordenada, se os Ministros, aos quaes pertence o cuidado della, o não tiverem mui vigilante em a cumprir e fazer guardar, como pede materia tão relevante; e maior severidade nos que, desprezando, ou encontrando as minhas ordens, forem occasião de se commeterem os abominaveis erros, que até agora se usavam, e que ordinariamente aconteciam; ordeno e mando que o Provedor-mór da Bahia, e os mais Provedores da Fazenda, que, por culpa, negligencia, ou omissão, deixarem carregar, ou permittirem que se carreguem mais Negros, d'aquelles que forem lotados aos Navios, por suas arqueações, ou que consentirem que as ditas se façam em outra forma, da que é disposta nesta Lei, incorram em perdimento de seus officios, e na pena do dobro do valor dos Negros, que de mais forem carregados, e em seis annos de degredo para o Estado da India; que os Patrões-móres, e Mestres da Ribeira, percam os seus officios, e sejam degradados dez annos para o mesmo Estado da India; e que todos com as suas culpas formadas, sejam remettidos presos a esta Côrte, para nella serem sentenceados, como tambem as mais pessoas que assistirem ás ditas arqueações, havendo-se com dólo, e commetendo nellas erros de culpa notoria.
CAPITULO XVII
E sendo comprehendidos os Ouvidoures Geraes das ditas Capitanias, me darão conta os Governadores, com os documentos que para isso tiverem, para eu mandar proceder contra elles com tanta severidade por esta culpa como ella merecer: e havendo-se com dólo, nas arqueações que fizerem, e a que assistirem, os Officiaes deste Reino, e das Conquistas, nas quaes se não carregam negros, supposto que da sua culpa se não siga immediatamente o damno das outras conquistas, e dos outros portos, com tudo, por que della se pode seguir a desobediencia e transgressão desta Lei, incorrerão por ella na pena de perdimento de seus officios, para não entrar mais em meu serviço.
CAPITULO XVIII
Os Mestres e Capitães dos navios e embarcações, que carregarem mais Negros de sua lotação e arqueação, pagarão dous mil cruzados de penas e o dobro do valor dos ditos Negros, ametade para minha Fazenda, e a outra metade para quem os denunciar, ou accusar, e serão degradados dez annos para o Estado da India; e esta mesma pena haverão os senhores dos barcos, e carregadores, que levarem os ditos Negros aos navios e embarcações.
CAPITULO XIX
Os Guardas, que forem postos nos ditos navios e embarcações, e forem scientes, ou complices do dito crime, serão degradados toda a vida para o mesmo Estado da India: e tanto para com uns, como para com outros reus, e para os mais referidos, serão admittidos por denunciantes e accusadoress os socios da mesma culpa; e não sómente serão relevados della, mas terão o mesmo premio dos mais denunciantes, como se a não tivessem commettido.
CAPITULO XX
Logo que os ditos navios e embarcações chegarem aos portos, para os quaes foram carregados, sem alguma demora se visitarão pelos Provedores da Fazenda, ou aquelles Officiaes que estiverem mais promptos, e succederem em seu logar, quando elles estejam impedidos, ou ausentes, para examinarem a carga que trazem, pela certidão dos portos donde sahirem; e sendo conforme, os deixarão descarregar livremente; e não o sendo, procederão contra os Mestres e Capitães.
CAPITULO XXI
Os Ouvidores Geraes, e Provedor-mór da Bahia, e os mais Provedores da Fazenda, tirarão devassa de todos os ditos navios e embarcações (...) darão conta ao Governador, para elle enviar as taes devassas ao Conselho Ultramarino, e remetter os presos a este Côrte, na fórma referida.
CAPITULO XXII
Aos Governadores encarrego muito particularmente a exacção e cumprimento da Lei; e espero se hajam na observancia della com tal cuidado, que tenha muito que lhes agradecer; porque do contrario me haverei por mal servido delles: e quando a encontrarem em algum caso, ou de alguma e qualquer maneira, mandarei proceder contra elles, como desobedientes a minhas ordens.
CAPITULO XXIII
Pelo que ordeno que nos Capitulos
de residencias, que se tirarem aos ditos Governadores, Ouvidores, e mais
Ministros, aos quaes o conhecimento e execução desta Lei deve pertencer, se
accrescente aos Sindicantes, especialmente perguntem, se elles a cumpriram e
guardaram, como nella se contém.
E mando ao meu Chanceller mór a faça logo publicar na Chancellaria (… ).
Dada na Cidade de Lisboa a 18 de Março de 1684. Rei.JJAS, 1683 – 1700, pp. 8 – 11.
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