quinta-feira, 19 de dezembro de 2019


Estatutos do Real Mosteiro de N.ª Senhora da Conceição
fundado na Cidade de Lisboa do legado da senhora Infanta Dona Maria
Filha d'El-Rei Dom Manuel

Dom João... Como Governador e Perpetuo Administrador que sou do Mestrado, Cavallaria e Ordem de S. Bento d'Aviz: Faço saber ao Prior-mór Commendador mór, e mais Dignidades (...) que a Infanta Dona Maria, minha Tia, que está em Gloria, Filha do Senhor Rei Dom Manuel meu Tresavô, entre outros Legados Pios de seu Testamento, ordenou e mandou que á custa de suas rendas se fundasse nesta Cidade de Lisboa, um Mosteiro de Religiosas da Ordem e habito de S. Bento, em que houvesse sessenta e tres Religiosas sómente, para o qual applicou in perpetuum, um conto e meio de juro, com declaração que eu, como Rei e Senhor destes Reinos, nomearia e proveria para sempre no dito Mosteiro vinte e cinco logares, em filhas de fidalgos illustre, pela maior parte orfãas, as quaes seriam recebidas sem dote, como mais largamente em as verbas do dito Testamento se contem.
E sendo tempo de o dito legado se dar á sua execução, considerando eu a grande quantidade que neste Reino ha de Mosteiros de Religiosas de differentes Ordens, e a utilidade que o bem commum, e em particular a nobreza delle receberia em haver outros que professassem as Regras Militares, aonde as mulheres e filhas dos Fidalgos que me vão servir fóra deste Reino, ás Conquistas desta Corôa, e que ficam viuvas, e orfãas, possam com mais facilidade ser recolhidas e criadas na vida e doutrina conveniente a suas qualidades (...) mandei supplicar ao Santissimo em Christo Padre o Papa Paulo V
(...) que ficassem de minha obediencia e jurisdiçção, com direito de nomear e provêr para sempre as Commendadeiras Preladas do dito Mosteiro (...) em logar da obediencia que haviam de dar ao Abbade Geral de S. Bento - e que as Freiras que de novo professarem tragam habito da mesma Cavallaria de Ordem de Aviz, e tenham liberdade para poder contrahir matrimonio, segundo a fórma que aos Estatutos se declara. (...)

Livro V
Da visitação do Mosteiro e privilegios
Capitulo I
Do tempo em que se ha de visitar,
e qualidades do Visitador

Nenhuma cousa mais obriga as pessoas Religiosas a observancia de sua, que saberem que hão de dar conta de seu procedimento em visitação; e porque nisto não possa haver descuido, nem occasião de relaxação: hei por bem que este Mosteiro seja visitado cada tres annos infallivelmente; e porque este Mosteiro é da Ordem Militar de S. Bento d'Aviz, e isento da jurisdicção ordinaria, e conforme a direito devem as Religiosas ser visitadas pelos Superiores dellas, e não por Ministros estranhos, a que commumente falta aquella caridade que o mesmo direito encommenda, haja nos que hão de inquerir e devassar de culpas alheias (...) hei por bem que o Prior-mór d'Aviz, que é no espiritual o Prelado deste Mosteiro, seja o que faça a dita visita, pedindo-se a Sua Santidade derogue neste o Breve da Ereção do dito Mosteiro, com o que tambem se evita o grande inconveniente que resulta de os Ordinarios entrarem, ainda que por commissão minha, a tomar conhecimento das cousas tocantes ás Ordens Militares, senão quando expressamente falla nellas (...) ordena que se peça tambem a Sua Santidade derogue o dito Breve, em quanto diz nelle que não é sua intenção tirar ao Arcebispo de Lisboa jurisdicção, que conforme ao dito Concilio tem sobre o dito Mosteiro.
 (...)
Capitulo V                     
Da jurisdicção do Visitador
O Visitador usa de authoridade Apostolica, pelo que poderá, assim no acto de visitação, como nos decretos perpetuos que fizer, impôr pena de excommunhão, e mais censuras ecclesiasticas, sendo necessario; mas encomendo-lhe muito muito que se haja com a consideração e cautella o Sagrado Concilio Tridentino encarrega, e não use dellas por leves cousas: logo no principio antes de começar a visitação das pessoas, que, ha de começar no terceiro dia, mandará com pena de excommunhão a todas as Freiras, que não se escusando uma por outra, deponham ou denunciem, sobre as cousas necessarias, assim no governo como aos costumes, e das que succederam depois da visitação passada: e não poderá privar Freira alguma in perpetuum de voz activa e passiva, mas só por algum tempo, como de um anno, e sendo a culpa de qualidade que os Estatutos a condemnem a privação perpetua, declarará o Visitador que a tal Freira tem incorrido nella; em quanto durar a visitação, o Prelado que visitar, em chegando á porta da Igreja, tirará o mantelete, e ficará só em rochete com a murseta por cima, que é o signal da jurisdicção que exercita.
(...
Capitulo VII
Dos interrogatorios para a visitação
O Visitador antes de começar sua visitação terá bem visto os Estatutos, e comunicando com o Secretario para ir instruido no que ha de fazer, levará instrucção da Mesa da Consciencia e Ordens, sobre o que ha de inquerir, principalmente sendo a visitação extraordinaria por algum respeito; e os interrogatorios ordinarios serão os seguintes.
1.º Como se guarda a Regra do Glorio S. Bento. 2.º Se se faz Capitulo tres vezes na semana. 3.º Se a Commendadeira, ao menos uma vez em cada semana, preside no mesmo Capitulo. 4.º Se se começa a lêr a Regra de S.Bento no seu dia. 5.º Se se guarda perfeitamente o sillencio no Choro, Dormitorio e Refeitorio. 6.º Se se reza o Officio Divino, e todas as sete oras canonicas em choro, no tempo limitado, com pausa e attenção, e se se conformam todas nas inclinações, e fazem venia quando erram. (...) 12.º Se se renova o Santissimo Sacramento cada oito dias no inverno, e cada quinze no verão. 13.º Se o santo oleo da Extrma-unção está decentemente conservado, e se renova cada um anno por Paschoa. 14.º Se há no Mosteiro reliquias, e como estão guardadas e veneradas. 15.º Se se cumpre a seus tempos os quatro anniversarios Ordem (...) 17.º Se as freiras e mais recolhidas se confessam e commungam, nos dias que nestes Estatutos se ordena, e da mesma maneira os criados e criadas. 18.º Se se manda em cada um anno o rol das confissões ao Prior-mór ... 21.º Se as Freiras que vão ou vem de fóra, e as que hão de lêr á Mesa, tomam benção conforme a Regra. (...) 23.º Se as Freiras e moças do Choro, tem, quarto de oração quando se levantam, e á noite outro quarto para exame de consciencia. 24.º Se na Igreja ha alguma porta ou serventia, para a clausura do Mosteiro, tirando a roda. 25.º Se a roda Igreja, e porta della, está sempre fechada com chave da parte de dentro, tirando em quanto se dão ou recebem por ella os ornamentos e cousas necessarias. (...) 27.º Se no Refeitorio ha sempre lição, na primeira e segunda mesa. 28.º Se as Freiras e moças do Choro ouvem missa cada dia. (...) 31.º Se vai a Commendadeira comer no Refeitorio, e benze a mesa nos dias que o Estatuto dispoem. 32.º Se dá licença a alguma Freira para sahir do Mosteiro, sem Provisão da Mesa da Consciencia, in scriptis, ou sem justa causa, contra o que dispoem o Breve e o Papa. (...) 34.º Se é descuidada em reprehender as faltas, ou é demasiadamente aspera. 35.º Se assegura os dotes ou alimentos das trinta e sete Freiras, ou ha nisso algum conluiu. 36.º Se admitte alguma moça do Choro ao Habito ou profissão, sem expressa Provisão do Governador, ou provê sem ella algum logar de qualquer numero que seja, ou recebe alguma pessoa, tirando as criadas, para residir no Mosteiro. 37.º Se antes de receber as criadas faz diligencia para se informar da sua honestidade e costumes. 38.º Se recebe presentes de preço, com que mova alargar a mão, nas licenças, ou outra relaxação. 39.º Se visita pessoalmente grade, e é solicita em saber o que passa nella, e officinas. Se a propina com que entram as Recolhidas para a Fabrica se recolhe logo no Cofre, ou se lança no Livro, ou se gasta alguma parte della em outra cousa. (...) 44.º Se se compram as compras necessarias por junto e a seus tempos. (...) Se se empresta algum dinheiro dos Cofres a alguma pessoa, ou se tira delles, contra fórma dos Estatutos. 47.º Se a celleireira paga as vestiarias ás Freiras a seus tempos, e os ordenados aos Officiaes. (..:) 49.º Se ha no Mosteiro alguma amizade particular com pessoa de fóra, que não seja pai, irmão, ou avó, ou algum excesso em presentes á custa do Mosteiro, ou de particulares, a quem se mandam, ou a despesa delles se lança em Livro. 50.º Se escrevem ou recebem cartas sem, contra a forma do Estatuto, e a que pessoas. 51.º Se as Freiras e moças do Choro quando fallam á grade estão com seus mantos brancos. 52.º Se no Dormitorio todas as Freiras e Recolhidas tem seus leitos separados. 53.º Se o Prior é continuo no Mosteiro, e satisfaz com as Missas e Officios de sua obrigação, e administra os Sacramentos com manto. 54.º Se o sachristão é homem de bom exemplo, e diz as Missas a que é obrigado, e trata as cousas da Igreja com a limpeza devida. (...) 57.º Verá os trajos e vestidos das Freiras, e moças do Choro, se são honestos, e conformes aos Estatutos. 58.º Informar-se-ha com muita deligencia se no Mosteiro ha bandos, ou parcialidades, ou algumas inimizades, ou vivem em conformidade. 59.º Inquerirá se as visitações passadas se cumprem á risca, e se lêem, nos tempos em que os Estatutos dispoem. 60.º Perguntará sobre aquellas cousas de houver fama, ou algum escandalo, ou que particularmente forem encarregadas na Instrucção que levar da Mesa.

Capitulo VIII
Do modo de visitar
O Visitador não chamará para testemunharem na visitação as Noviças ou moças do Choro, nem nenhuma das outras Recolhidas seculares, salvo sendo em algum caso referidas, e depois que cada uma testemunhar lhe lerá o seu testemunho de verbo ad verbum, e se ella o quizer lêr, o poderá fazer, e depois o assignará. Não admittirá o Visitador com facilidade os queixumes que fizerem as inquietas, mas aquillo que advertirem e propozerem as anciãs e reformadas de mais credito, e os nomes das testemunhas terá sempre em segredo, e se alguma pessoa secular, de dentro ou de fóra, se queixar de alguma divida, ou aggravo, dar-se-lha audiencia, e provel-a-ha com justiça.

 Capitulo IX
Da pena que incorre a que na visitação impozer
Se alguma Freira impozer a outra em visitação alguma culpa grave, gravior, ou gravissima, mandar-se-lhe-ha que a prove juridicamente; e não a provando, será julgada por caluumnia, e a acusadora ficará sugeita á mesma pena, que a accusada havia de ter se se lhe provara: se a calumnia fôr imposta pela Sub-prioreza contra alguma subdita, e a não provar, ficará incorrendo na mesma pena, e suspensa do officio, a arbitrio do Visitador.
Se a Commendadeira, levada de paixao (o que della não espero) denunciasse contra alguma subdita culpa grave ou gravissima sem o provar ficará em meu arbitrio proceder nisto como me parecer, e conforme a informação do Visitador; mas se alguma subdita impozer  calumnia á sua Prelada e a não provar juridicamente, fará penitencia em dobro, e a fóra isso a condemnarei da maneira da maneira que no Tribunal das Ordens se julgar.

Capitulo X
Das suspeições e aggravos
Se a Commendadeira ou alguma Freira tiver pejo no Prelado que eu nomear por Visitador, significal-o-ha na Mesa de Consciencia e Ordens, antes de começar a visitação; e sendo a causa bastante provêr-se-ha no dito Tribunal de Adjuncto nas cousas que tocarem á tal excipiente, ou em tal outro modo, que ella não receba aggravo; mas depois de começada a Visitação não terá logar suspeição nem recusação alguma por se tratar de correição e emennda de costumes; nem se poderá appellar nem aggravar da Visitação ou Visitador, senão para a Mesa da Consciencia e Ordens; (...)

Capitulo XI
Como se haverá o Visitador no castigo das culpas 
Achando-se na Visitação alguma culpa muito grave ou escandalosa, informaaar-se-ha se foi já castigada na fórma dos Estatutos, e quando não, tomará informação da Commendadeira, para vêr que razão teve para não dar culpada a pena dos Estatutos; e sendo cousa de substancia, feita a inquerição necessaria, reservará a resolução para se concluir na Mesa; mas se a culpa fôr mais antiga que a Visitação passada, e houver emenda, não se tratará della; (...)
As culpas secretas ou de perigo de fama não castigará em publico, mas em secreto, e com dissimulação, e das publicas dará primeiro os cargos ás culpadas por escripto, e lhe mandará que dentro no termo que lhe limitar se defendam, e dêem satisfação a elles, ouça a todas, e ainda as culpadas, com paciencia e benignidade; e nos peccados que não forem de desobediencia ou escandalo, modere o castigo com tanta prudencia, que a Religiosa, convencida de sua culpa, se emende; e sem extremos de paixão castigue com severa piedade.

 Capitulo XII
 Que o Visitador que se nomear entre dentro
para visitar as oficinas e aposentos
Depois que o Visitador tiver visitado a Igreja, e acabada e inquerição das pessoas á grade, entrará um dia na Clausura com o Secretario e Prior, e visitará as officinas, e verá como está cada cousa tratada, e se tem necessidade de reparo; particularmente visitará a Sachristia de dentro, e ornamentos, a Enfermaria, e Cartorio (...)

Capitulo XIII
Da ordem que se guardará no Capitulo
da correcção
Acabada a Visitação, o Prelado que visitou fará Capitulo para correcção das culpas, á grade da Igreja, com a fresta da Communhão aberta, e a porta da Igreja cerrada, acompanhado-o o Secretario e o Prior com seus mantos, lerá o capiulo LXXII da Regra de S. Bento (...) Logo a Commendadeira junto á sua cadeira, em uma alcatifa, e as Freiras todas em seus logares se prostrarão; o Visitador lhes perguntará: que dizeis? responderão: minha culpa; e se tornarão a assentar: virá primeiro a Commendadeira dizer sua culpa de joelhos diante do Visitador, accusando-se das faltas que tem commetido na observancia da Regra, e em procurar o cumprimento della; e o mesmo farão as mais por seus gráus, a cada uma das quaes o Visitador dará a penitencia saudavel que lhe parecer, como um Psalmo, ou outra cousa semelhante.

Depois chamará em particular cada uma das que achar com culpas, as quaes, em sendo chamadas, farão a venia prostradas, e lhe dará a reprehensão e penitencia que lhe parecer (...) e se alguma tiver culpas que mereçam reclusão, a mandará d'alli logo recolher na casa da penitencia, pela Subprioreza e outra Freira. (...)

Capitulo XIV
Da publicação da visitação
Depois que as visitações forem feitas, vistas e examinadas na Mesa, e assentado o que ha de promulga, o Visitador fará estender os Decretos, por Capitulos distinctos, tudo por elle assignado, e o Secretario da visitação irá ao Mosteiro, e estando com elle o Prior á grade da communhão, da parte de fóra, ambos com seus mantos, com as portas cerradas, e a Commendadeira e Freiras professas sómente, capitularmente congregadas, lhe lerá e publicará toda a visitação de verbo ad verbum, e no cabo fará um termo do dia em que a publicou; mas culpas de qualquer qualidade se tomarão em Livro apartado que se entregará na Mesa e se guardará no Cofre do Segredo.
                                        
Capitulo XV     
Que as visitações se lêam                   
E porque debalde se visitaria, se as visitações se não houvessem de comprir e ter effeito, para que todas as Religiosas tenham noticia e memoria do que nellas se contem, e com isso se possam dar á sua devida execução, por este prezente Decreto determino, e mando, que, tanto que qualquer visitação fôr publicada, se lêa quatro vezes no anno em presença da Commendadeira de verbo ad verbum, começando o primeiro de Janeiro, o primeiro d'Abril, o primeiro de Julho, e o primeiro de Outubro, e a lerá a Cantor-mór na hora e logar que a Commendadeira ordenar (...) e as pessoaes que resultarem da visita serão vistas e sentenciadas sómente pelo Visitador, e com tal resguardo e segredo, que não possa outra pessoa saber dellas, pelo muito que convem que os defeitos e faltas de Religiosas que podem ainda casar, se não tenha noticia alguma: e quando as ditas culpas sejam tão graves, que por ellas mereçam as Religiosas que as commeteram serem excluidas do Mosteiro, se me dará antes da execução conta da qualidade dellas, para ordenar o que fôr mais serviço de Deus e meu.
JJAS, 1640-1647, pp. 416 - 422

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